quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Sobre um grande desafio

Lá estava ele. A montanha à sua frente. Imensa. Imbatível. Seu cume a 8000m de altura, e ele tão pequeno.

Mochila às costas, equipe de apoio vindo em breve, e alguns dias à frente para enfrentar o grande desafio. E como era grande o desafio. Contemplando a altivez e imensidão do amontoado de terra que teria que escalar, sentiu-se só e desprotegido naquele exato segundo.

Naquele exato segundo, lembrou-se de todos os dias de preparo, das longas caminhadas, dos montes menores sendo escalados. Pensou em todo o esforço, desgaste, cansaço e, às vezes, vontade de desistir. Não foram poucas as vezes. Mas nada disso o abalara. Permaneceu firme, apesar de todas as desesperanças. E a cada dia sentia-se mais preparado, mais confiante.

Mas ali, naquele exato segundo em que visualizava à sua frente seu oponente, desesperou-se. Por um único segundo, um breve e pavoroso segundo.

"É muito alto. Meu Deus, é muito alto. Eu não consigo. São muitos dias de muito sofrimento se eu quiser chegar no topo. Muito cansaço, muito frio. E é muito alto! Metade disso já seria difícil. Meu Deus - pensava, ofegante - é muito... alto."

O segundo foi breve. Breve, mas pavoroso.


Agora, olhando para baixo, para os 8000m escalados com bravura e persistência, lembrou-se daquele segundo. Aquele exato segundo em que quase todo o sonho caíra por terra. E percebeu que, na verdade, o maior oponente que tivera que enfrentar ao longo de toda a jornada não fora a imensa montanha que se colocava imponente à sua frente. E percebeu que o momento mais difícil, o momento decisivo, não fora o estar faminto e com frio antes de subir os últimos metros. E que a grande vitória não fora colocar a bandeira no topo da montanha.

Vencer-se a si mesmo naquele exato segundo, amedontrador, desencorajante... e o primeiro passo - sim, o primeiro passo - que a ele se seguiu...

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Sobre 2009

Pela primeira vez na vida não passei o ano novo em Ribeirão Preto. O Reveillon foi com os amigos, os melhores. TODOS - ou quase todos - reunidos. Depois da festa de fim de ano, visita ao Santíssimo e conversa com a Gabióloga. Uma conversa que deixou pendências latentes no meu modo de viver a vida, e que pretendo colocar em prática em 2010! Um ANO depois da conversa!!!

Alguns dias depois, viajei para a Bahia. Minha primeira vez no Nordeste. Era pra ser a viagem de formatura, mas só foram 5 pessoas. Aos outros 25 que não foram, perderam! Verão, sol, praia, rede, mar, moqueca, camarão, praia, mar, rede, mar, praia... enfim, Nordeste.

Voltando do Nordeste, continuar estudando pra concurso do IBAMA!

IBAMA = #FAIL!!!

Caramba, ainda estamos em Janeiro. E no último dia de janeiro, minha irmã se casou. A primeira de 6!!! Espero que não a única - mas do jeito que as coisas andam...

Fevereiro, formatura em bacharel. 4 anos de formação em Biologia! Ah! Um dos primeiros Carnavais passados em BsB, sem fazer retiro. Hm. O que mais? Saiu concurso da ADASA: Estudar, estudar, estudar, estudar!!! 8h por dia na Biblioteca Nacional, cursinho a noite, aula sábado e domingo de manhã e de tarde, e, às vezes, à noite. Ralação recompensada com a aprovação!!! UHUUUUL o/

O estudo foi até abril. Durante todo esse tempo, dei um tempo na Escalada - acreditem se quiser - e não apareci na UnB. Ops, UnB, né?

Ok! Tinha um estágio de licenciatura a cumprir. Um não! DOIS! Aula para a 5ª série e o 3º Ano. Terror e pânico! Medo dos alunos bagunceiros e malas do 3º ano? Que nada! Quem assustou mesmo foram os molequinhos da 5ª. Ser professor quando crescer? Acho que não!

Depois das férias forçadas na Escalada, nada como trabalhar em uma Escalada para voltar à ativa. Escalada CAMINHADA! Rendeu boas lembranças, excelentes experiências, aprofundamento na fé e, como sempre, AMIZADES. Algumas fortalecidas, outras começadas.

Por volta de Junho, a notícia da aprovação na ADASA! Muito alarde, muita comemoração e muita alegria!!! Junto com a aprovação, o chamado, o convite, a missão! Coordenar o Movimento Escalada? Topo, topo, por que não?

Estamos no meio do ano. Em julho, começo a trabalhar. Ministério da Saúde, Departamento de DST/AIDS e Hepatites Virais, no subsolo do subsolo, do anexo do anexo. Não é lá muito divertido, mas vamos levando.

Nesse percurso, boas amizades feitas no serviço; imbróglios na coordenação da Escalada; de saco cheio do serviço; reuniões exaustivas na coordenação; mais amizades feitas no serviço; alegrias e alegrias acompanhando a Escalada passo-a-passo; opa!!! Formatura em Licenciatura!!! ACAMPS 2 - Tô de Volta!!!

Começo a malhar. Engordo 10 kg! Tô começando a ficar fortinho. Tô com hérnia. Paro de malhar. Emagreço tudo. Magro e fraco de novo. ¬¬

Parece que o segundo semestre não teve muita coisa quanto o primeiro. Provavelmente foi um semestre passado no arquivo do Ministério durante o dia, e em reuniões durante a noite.

Em dezembro, cirurgia. Minha primeira operação. 2 dias de cama. Uma semana com poucos movimentos. E agora, Ribeirão Preto! Quase que despedida dessa cidade. Penso que será cada vez mais raro vir aqui.

Durante todo o ano, mantive-me firme escrevendo no blog - coisa que me deixa deveras feliz! -, li mais de 10 livros; renovei e reforcei amizades; fui ministro extra-extra-ordinário da Sagrada Comunhão Eucarística 3 vezes; dei várias palestras; fui para Nova Betânia várias vezes; me apaixonei; dei muitas gargalhadas - tipo, MUITAS gargalhadas; passei várias horas na internet - tipo VÁRIAS horas; viciei em "House" e "How I Met Your Mother"; fiz Twitter e twittei adoidado; aumentei consideravelmente meu repertório musical; joguei máfia até altas horas da madrugada; comecei a juntar dinheiro e a fazer planos de viagens para o futuro; chorei. Não necessariamente nessa ordem.

Que mais posso dizer? Foi um ano intenso, de muitas aprendizagens, muitas perdas de tempo, muitas - mas MUITAS mesmo - mudanças, muitas alegrias e algumas tristezas. Acima de tudo - de uma forma ainda não muito palpável, mas que já posso pressentir - 2009 foi um ano que me preparou, me moldou, me alertou e me lançou para tudo o que há de vir em 2010 e daí pra frente. Foi um ano de transição.

Algo me diz que daqui pra frente muita coisa será diferente no meu modo de encarar a vida, de aproveitar as oportunidades, de arriscar, de viver.

Pois que venha o ano-novo, e com ele, uma folha totalmente em branco, onde eu possa desenhar tudo aquilo que eu quiser.

A todos vocês, Um Feliz 2010!!!

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Sobre o primeiro propósito para 2010

Why not? I´d say!

Esse blog vai mudar! Sim, vai mudar!

Lembram das perguntas que nós nos fazemos todo fim de ano? Aquelas do post anterior. Pois bem, algumas delas me fizeram ver que preciso de um pouco de mudança. É! Mudança!

Cheguei à conclusão de que só faço algo diferente, ou vou mais além no que faço, quando estou EXTREMAMENTE confiante de que posso fazer aquilo, de que serei bem sucedido. And that's not a good thing!*

Não é legal fazer as coisas somente quando se está confiante. Assim deixa-se passar várias oportunidades pela vida em coisas que se estaria preparado, mas não se sabia; e deixa-se de quebrar a cara em outras tantas coisas, e, consequentemente, aprender com a dor que a lição traz.

Por isso eu decidi que 2010 será o ano da audácia, da coragem, ou melhor, da ousadia.

Sim, ousar! "Ousar é perder o equilíbrio momentaneamente. Não ousar, é perder-se!".

Não ousar é perder-se em um mundo previsível, sem aventuras, sem distrações e quase sem erros. Este mundo é um lugar seguro. Com poucos choques, poucas dores e, talvez, alguma vida.

Does that look nice to you? Well, it seemed to me for a while, but not anymore.

Ousar é perder o equilíbrio... momentaneamente. É arriscar naquilo que não se tem certeza, é apostar as fichas naquilo que pode não dar certo... mas pode dar. E este "pode dar" está faltando em alguns pontos da minha vida. Lacunas que clamam por preenchimento. Sem querer filosofar de mais, digo que ousar é perder o equilíbrio momentaneamente por que, uma vez tendo lançado a sorte, ela pode correr para o seu lado ou para o outro lado, e é então que você se adapta a nova situação. Deu certo? Opa, território desconhecido, mundo novo, mas dentro de poucos dias tudo é normal. Deu errado? OOOps. Too bad. Come on. Bola pra frente. Levanta sacode a poeira e vamo que vamo...

Por isso, ouse!

Juntando a esse compromisso pessoal a mensagem do post passado, não tenho medo de me perder em minha ousadia. (Pra quem não leu o "Sobre a primeira reflexão de fim de ano", basicamente cheguei à conclusão de que devemos ser fiéis a nossas convicções, valores e princípios). Ousar, mas sem deixar de lado valores e princípios. Fazer o que talvez não esteja preparado a fazer, desde que não quebre nenhuma regra, ou limite, que eu estabeleci para minha vida. (Notem: regras que EU estabeleci para mim, pois acredito nelas e creio que me tornam uma pessoa melhor).

Ousar! Eis a palavra para 2010. Em que pontos da vida irei ousar? Bem, isso eu ainda estou planejando, pensando, refletindo... O mais provável é que haja uma pitada de ousadia em cada aspecto do que vivo. E um pouco mais do que uma pitada em outros.

Por que isso veio parar no blog às 4h da manhã da madrugada de Natal? Bem, é que assisti um filme que me inspirou de verdade. Aí pensei: tenho que escrever no blog sobre esse filme. E depois: Mas o blog é para contos, poemas, no máximo, reflexões... não para críticas de filmes. And then: Pfff... O Blog é meu e eu faço com ele o que eu quiser.

*(By the way... alguns de vocês devem ter notado que tenho tuitado, ou postado, ou falado, ou qualquer coisa que se assemelhe com um modo de comunicação, usando expressões ou frases em inglês. Não liguem muito. É só uma pequena overdose de seriado norte-americano. And I kinda like the way they talk!)

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Sobre a primeira reflexão de fim de ano

Então, aproximadamente 365 dias depois do ano novo, o que era novo finalmente ficou velho. E, como de praxe, com o advento de um NOVO ano novo, começamos a fazer todas aquelas reflexões, comuns a todos os cidadãos do planeta Terra: o que fiz de bom esse ano?; o que deixei de fazer?; quais são meus planos para o novo ano?; quem nasceu primeiro: o ovo ou a galinha? E outras tantas questões que sempre atormentaram a humanidade.

Ainda não me fiz essas perguntas, mas já cheguei à conclusão de que deixei de fazer várias coisas que gostaria de ter feito, deixei de conquistar várias coisas que queria ter conquistado e etc. Cheguei a essa conclusão sem pensar muito, já que ela é por demais evidente. O que torna o fato mais triste. Ou não.

Eu poderia me entristecer por não ter alcançado aquilo que queria e prometer que ano que vem as coisas serão diferentes. Resolvi, no entanto, tomar outro caminho. Enquanto escrevo, vou pensando em todas aqueles objetivos que não me propus a alcançar, mas alcancei. Em todos aqueles vícios que não pretendia largar, mas larguei.

Engraçado... engraçado não, engraçado é piada... Interessante como a vida toma rumos inesperados, não calculados. Às vezes colocamos no papel onde queremos estar daqui a 5 anos, pra daqui a 5 anos vermos quantas vezes mudamos de objetivo... Engraçado, digo, interessante. Não sei se isso é bom ou ruim. Provavelmente as duas coisas. Talvez mais um que outro, enfim. Teríamos que fazer o teste dos prós e contras para saber, mas não é isso que interessa.

Interessa que é isso que acontece. Planejamos para depois descobrirmos que nada do planejado foi feito. Talvez isso não seja tão aparente nas coisas "mais importantes da vida", como, que faculdade você vai fazer, que carreira vai seguir... até mesmo nessas questões muitos de nós nos perdemos, não é?...

E quando olhamos pra trás e vemos que o planejado não foi realizado, vislumbramos uma nova paisagem, não aquela esperada, mas outra. E é esta outra que realmente importa. Olhamos pra trás e vemos amizades que não tínhamos planejado fazer. Vemos madrugadas passadas com pessoas que não planejávamos conhecer. Ou horas de reunião discutindo coisas que jamais gostaríamos de discutir, mas que foram extremamente agradáveis pela presença daqueles que amamos. Olhamos pra dentro de nossa casa e não percebemos aquelas melhorias que tínhamos pensado em colocar em prática, mas vemos aproximação, gargalhadas, apoio mútuo.

Em alguns casos a entrega sai como a encomenda. Um objetivo proposto e alcançado - como continuar escrevendo no blog durante o ano inteiro. E em outros casos, ter alcançado o planejado teria sido mais satisfatório que o lugar em que chegamos. Como o distanciamento de alguns que amamos... Há ainda aquilo que acontece e é óbvio que não havíamos planejado, pois deixa uma marca profunda de ressentimento e tensão, como a mágoa que deixamos na vida de alguém...

Enfim, são muitas coisas que acontecem ao longo de um ano, planejadas ou não. O que aprendi de mais importante com tudo isso é que não importa tanto o planejar, o buscar ou o alcançar. Importa que durante o percurso você seja fiel, não necessariamente a seus planos, mas a seus princípios e valores. Por que sendo fiel a seus princípios e valores, não importa onde você vai chegar, não importa o que você vai conquistar ou deixar de conquistar, importa que você estará bem onde estiver, e feliz com o que conquistou, porque estará em paz consigo e com aqueles à sua volta e, se você acredita, em paz com Deus.

E em última análise, é mais ou menos isso o que importa. Não?


Ps: Comecei este post querendo falar sobre as pedras (tristezas) e flores (alegrias) que encontrei no caminho durante 2009 e sobre as luzes (atitudes) que quero que me guiem em 2010. Planejei isso, e saiu aquilo...

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Sobre uma noite silenciosa

Continuação de Sobre uma noite luminosa I e II abaixo.


Os animais afastaram-se novamente. Os pastores e o casal que ali estavam contemplando o menino olharam para as três figuras, quase majestosas, que se aproximaram. Três homens fortes, barbados, vestidos com grandes túnicas adornadas com ouro, cada um com uma caixa em mãos, adentraram o humilde lar.

Depois de se instalarem e contemplarem alegremente o menino, perguntaram:

- É este o rei dos judeus?

Maria ficou quieta, pensativa. Ainda não se acostumara com o que diziam de seu filho. Ele era tão grande, ela tão pequena. Ela tão reservada e tantos acorriam a ele. Ficou meditando sobre o que significariam essas palavras: o rei dos judeus!

Seria ele designado a libertar Israel dos romanos, proclamar-se-ia rei e instituiria uma nova era na história de seu povo? Pegaria ele em espadas e escudos para isso? Que tipos de milagres faria IAHWE por seu intermédio para que isso acontecesse?

Espadas, escudos. Definitivamente, não lhe agradava a idéia. Não queria seu filho, seu amado filho, correndo tal risco. Esses pensamentos a assaltavam ao mesmo tempo em que uma profunda tranqüilidade tomava conta de seu coração: o Deus de seus pais, o Deus forte e poderoso que conhecera tinha desígnios perfeitos e não deixaria que nada de mal acontecesse a um simples filho seu, quanto mais ao Filho do Altíssimo, àquele que deve ocupar o trono do rei Davi. Ainda assim, sabia que para ser rei nesses tempos seria preciso muita luta contra os opressores, não importa como fosse a luta. E, naquele momento, entregou a vida de seu filho nas mãos de IAHWE seu protetor, que fosse feita a sua vontade apenas.

- Vimos a estrela do oriente e a seguimos. Ela nos trouxe até aqui. É este menino, o rei dos judeus, o anunciado pelos profetas, aquele que há de restaurar a paz – continuaram os homens.

Maria não sabia o que dizer, permaneceu em silêncio meditando. José, então, falou:

- Tudo o que nos dizem dele, não o podemos confirmar, tampouco podemos negar. Este menino nasceu do Espírito de Deus e não da vontade dos homens e, portanto, tudo o que se tem dito dele deve ser de fato como o dizem.

“Nasceu do Espírito de Deus e não da vontade dos homens”, os pastores não entenderam o que José quisera dizer e ficaram perplexos.

Um dos grandes homens que haviam chegado adiantou-se à frente dos outros e depositou sua caixa ao lado do menino. A caixa era simples, mas belamente adornada em prata. O mesmo fizeram os outros dois. Depois, permaneceram calados, como que em profunda adoração, sem desviar por um segundo os olhos do menino.

*********************

E assim passou-se aquela noite. Entre silêncios, sinos, palavras e reflexões.

Os três homens repousaram na hospedaria próxima ao estábulo. E os pastores retornaram para suas casas e seus rebanhos após uma longa e efusiva despedida. Ao chegarem em casa depois da vigília, notaram que tudo estava perfeitamente igual ao que haviam deixado. No dia seguinte, as conversas eram as mesmas e não houve sequer menção ao silêncio profundo que assaltara a noite anterior, ou ao brilho intenso de uma estrela, ou a um choro que mais parecia sinos. O mundo passara incólume e despercebido de tudo. O silêncio e cuidado de Deus foram maiores. Somente eles e os três homens do oriente e o casal presenciaram o toque de IAWEH no mundo naquela noite. E os pastores simplesmente souberam que assim deveria ser.

domingo, 20 de dezembro de 2009

Sobre uma noite luminosa II

Leia antes: Sobre uma noite luminosa I (abaixo)


A meia penumbra não permitia enxergar com clareza o que havia ali dentro. Se estivesse estado ali de dia, o jovem teria visto um grande paredão de pedra à esquerda e um curral feito com madeira barata e até podre em algumas partes. Os poucos animais ali, as vacas e o burro, não teriam muita força e pareceriam incapazes de se sustentar nas próprias patas. Dentro do curral veria muita palha, e alguns poucos instrumentos de trabalho.

Nada disso podia ser visto no momento em que o jovem e o velho entravam. Nessa hora, parte da palha estava amontoada em um canto mais quente da gruta. Um lençol cobria a palha e outro lençol cobria o menino que repousava sobre ela. Em volta do menino, havia um homem em pé com um cajado e uma jovem sentada em um banco bem próximo à criança, afagando-a.

Os animais que de dia pareceriam cansados e abatidos, ao jovem pareceram imponentes e protetores na frente do menino. Eram como portas que impediam a passagem do vento frio. Tornavam o canto de repouso mais agradável.

À aproximação dos pastores, os animais abriram passagem e os dois puderam vislumbrar por inteiro o menino: pequeno, sonolento, indefeso... A jovem teve um pequeno sobressalto. Desviou o olhar para o homem que estava de pé e ao ver sua tranqüilidade aquietou-se. Quanta confiança ela teria nele, pensou o jovem pastor.

O homem permaneceu olhando a criança, cajado em mãos, atento a tudo o que pudesse oferecer risco a seu filho. Mas sabia que os pastores não eram perigosos. Sabia que estavam ali por algum propósito. Virou-se para eles e com uma voz amável e calma saudou os pastores:

- Bela noite, não? Sejam bem-vindos a esse humilde lar.

- Bela noite, retrucou o velho, agora totalmente recuperado da debilidade inicial. Ao ver a criança, recobrara as forças e a boa vontade – Bela noite. Belíssima noite – a cada frase que pronunciava o volume da voz aumentava e o tom de alegria era mais aparente.

- Psssssiu, disse sorrindo a jovem. Pela primeira vez o jovem pastor olhou para ela com atenção. Era bela e muito jovem. Os olhos pareciam cansados. Imaginou que tivessem vindo de longe, viajado durante longos dias.

Apesar do cansaço aparente, a menina transparecia uma imensa alegria em seus lábios. Não era a alegria de uma embriaguez, nem tampouco de um reencontro de amigos. Era uma alegria plena. Alegria de quem sabia onde estava, sabia o que fazia, alegria de quem cumpria em plenitude o propósito para o qual nascera. Alegria de quem não podia ser abalada por nada, de quem tinha onde repousar sempre que precisasse.

E havia algo mais naquela alegria. Algo de grandioso, percebia o jovem pastor. O homem de pé cortou seus pensamentos.

- Não querem se assentar? – disse isso apontando para alguns tocos de madeira perto dos animais. E, se me permitem perguntar, por que buscam abrigo nessa gruta?

Os dois se assentaram, o velho sendo amparado pelo jovem. Olhando fixamente para o menino, sorriso nos lábios, o jovem começou:

- Ora, não buscamos abrigo.

- Talvez não para o corpo, mas para o coração, interrompeu o velho. De fato, não buscamos abrigo. Viemos ver o menino que nasceu.

- José, como pode ser? O que... – a jovem perguntou, atônita, a seu marido.

- Também não entendo, Maria. Expliquem-nos.

O menino dormia, tranqüilo. O jovem continuava olhando-o carinhosamente, tentando repassar na mente todas as palavras dos anjos para contar-lhes. Enquanto isso, o velho pastor contava o que acontecera a eles naquela noite.

- Eis que meu discípulo e eu cuidávamos de nossos rebanhos, sendo responsáveis pela vigília desta noite. Tudo como de costume, noite fria, muito sono. Conversávamos sobre todo o esforço que fazemos para levar uma vida digna, no meu caso para educar e levar comida para minha esposa e filhos e no caso dele para ajudar nas despesas da casa. Sabe, é difícil a vida de pastor. Somos pouco respeitados, ganhamos pouco. Mas IAHWE nos dá muitas alegrias em casa e com os amigos. Enfim, conversávamos sobre essas coisas quando o silêncio apoderou-se da noite. Era um silêncio profundo. Entreolhamo-nos, espantados – a voz do velho ficava mais animada, quase sorridente. De repente, surgiu uma luz, forte o suficiente para iluminar todo o descampado, mas para a qual podíamos olhar sem incomodar os olhos.

- Assim como a graça de IAHWE, - disse Maria sorrindo - forte e suave.

- Assim como a graça de IAHWE, repetiu o velho.

Parou por um instante. As palavras tocaram-lhe o coração.

Continuou descrevendo a beleza do anjo, sua voz doce, seu olhar encantador. Contou como ele pedira para não terem medo. Contou que o anjo anunciara o nascimento do Salvador, o Cristo esperado.

Maria e José olharam para o menino detidamente. Expressavam em seus rostos o carinho que pais têm por um filho e, ao mesmo tempo, a veneração que um servo tem por seu senhor e o amor que o filho tem por seus pais. Os pastores admiraram-se.

Nessa hora o jovem levantou-se de súbito. Assustou-se ao pensar que acordara o menino, mas este permaneceu quieto.

- GLÓRIA A DEUS NAS ALTURAS E PAZ NA TERRA AOS HOMENS POR ELE AMADOS. Uma multidão de anjos juntou-se ao primeiro e cantou, sinos soando por toda a volta: GLÓRIA A DEUS NAS ALTURAS E PAZ NA TERRA AOS HOMENS POR ELE AMADOS. GLÓRIA A DEUS!

- GLÓRIA A DEUS, repetiu o velho pastor, sentado, mas com a mesma animação. Que palavras belas, não? É de esquentar o coração.

Maria e José continuavam fitando o menino, alegres. Profundo amor, profunda veneração. O jovem pensou que jamais um homem e uma mulher sentiriam o que fora reservado àquele casal. Amor materno, amor paterno, amor filial, entrega incondicional. Não eram sentimentos misturados. Era um só sentimento, uma só realidade. Era unidade.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Sobre uma noite luminosa I

O mais jovem chegou primeiro. Parou por um instante, mais por expectativa que por hesitação. Aproximou-se da entrada. Já não sentia o frio. A corrida que fizera até ali esquentara o seu corpo, e todos os acontecimentos da noite deixaram o seu coração em chamas. Olhou para trás procurando encontrar seu companheiro logo atrás de si, mas esse ainda estava distante, vagaroso. Foi até ele.

O pastor mais velho andava vagarosamente, cabeça baixa, olhando para o chão. O cajado com o qual tantas vezes imponentemente usara para guiar seu rebanho agora vinha arrastado atrás de si. O mais jovem aproximou-se dele correndo, segurou seu braço:

- Esta corrida deve tê-lo cansado, mas não precisamos mais ter pressa. O menino ainda não se foi. Ouvi seu choro quando me aproximei da gruta, mestre. Parecem sinos – disse animado.

O velho olhou-o nos olhos bondosamente. A lua brilhava em seus olhos lacrimejantes.

- Não me chame mestre. Não mais – disse o velho, com a voz embargada. O discípulo jamais o havia visto sequer vacilante, quanto mais chorando. Ficou surpreso, mas não questionou, calou-se e manteve o passo.

Os dois continuaram andando lentamente até a entrada da gruta. O mais jovem amparando seu mestre. Quanto mais se aproximavam, mais o jovem podia sentir a atmosfera diferente, mais podia sentir o silêncio. Coração batia forte.

A gruta era grande o suficiente para abrigar um pequeno estábulo, onde se deitavam algumas vacas e um burro. A grama estendia-se um pouco além da entrada e o resto do chão era coberto por pequenas pedras. Havia uma hospedaria a uns 200 metros e o jovem pensou que a gruta poderia pertencer ao dono do estabelecimento. Certamente haveria ali dentro uma pequena construção com um belo quarto e mantimentos para o menino, um excelente lugar para a criança se deitar distante da bagunça e do barulho da cidade, pensava.

Quando o jovem começou a adentrar a gruta, forçando a vista por causa da luz fraca que iluminava o ambiente, viu, no fundo, dois vultos, perto deles algumas tochas acesas e, no chão, um pequeno berço improvisado. Não havia quarto, não havia nada, apenas uma pequena manjedoura.

As pessoas em volta do menino ainda não os tinham visto. Continuaram andando. O jovem sentiu a resistência do velho mestre. Virou-se espantado. O velho soltou o braço da mão do jovem, apoiou-se na ponta do cajado com ambas as mãos, inclinou a cabeça. Disse:

- Meu querido, vá na frente. Este velho aqui já não merece a graça de ver este menino. Este coração que você conheceu, há muito se corrompeu e buscou apenas as coisas desta terra. Por mais humilde vida que eu e minha família tenhamos, devo admitir que sempre ambicionei riquezas maiores e seria capaz de muitas maldades para obtê-las. Ao ver a humildade deste rei, reconheço todo meu pecado. Dói-me ter que admitir, mas não sou digno sequer de aproximar-me dele.

O jovem permaneceu quieto por um instante. Pensativo. Ocorreu-lhe que deveria haver naquele momento uma inversão de papéis. Ele seria o mestre e o velho seu discípulo.

- Senhor, não entendo. É apenas uma criança, como você pode temer aproximar-se dele?

- Não, meu jovem. Não é apenas uma criança.

- Sim - interpelou-o o garoto. É apenas uma criança. Uma criança na qual repousa toda a glória divina, é verdade. Mas é apenas uma criança.

Parou um momento. Não sentindo que seu mestre abrira a guarda, continuou:

- Mestre, vês algum guarda aqui? Vês alguma porta impedindo a passagem?

- Não.

- Vês algum trono? Algum juiz?

- Não.

- Pois bem, nem eu o vejo. Vejo apenas um lugar humilde. Uma gruta aberta, onde até mesmo as serpentes podem entrar. Não há guardas para impedir nossa entrada, não há juiz para decidir quem pode ou não entrar. Para mim, isso só pode significar uma coisa: nós podemos nos aproximar.

O velho permaneceu cabisbaixo. Respirava lentamente, como que para não atrapalhar os próprios pensamentos.

- Sou um grande pecador, meu filho. Não sou digno.

- Então por que teriam aqueles anjos aparecido para nós, se não fôssemos dignos? Na verdade, sei que não o sou. Mas não sou eu que vim até ele, ele veio até nós. Ele nos trouxe aqui. Os anjos disseram que esta era uma boa nova. Que haveria alegria para todos a partir de agora. Mestre, na verdade, acho que este é o primeiro passo para essa alegria. É preciso arrepender-se para poder recebê-lo de coração aberto, e recebendo-o alegrar-nos-emos. Por favor, não deixe que seus pecados o impeçam de ver a salvação, ao contrário, que o arrependimento por tê-los cometido permita aproximar-se com mais humildade dela.

O velho levantou o olhar para seu discípulo. O jovem o olhava confiante, impassível. Sabia o que estava dizendo, ou, ao menos, tinha esperança de que o que dizia era verdade. E essa esperança o dava forças, forças de que precisava para continuar vivendo na humilde vida que tinha. Essa esperança o transformou, o amadureceu em poucas horas. Antes da visão dos anjos, não seria capaz de ser tão convicto, tão confiante. Pelo jeito, a criança mal chegara e já começara a mudar algumas coisas, alguns corações. Talvez tenha vindo para isso: encorajar os medrosos, perdoar os pecadores, aliviar os aflitos. Compreendeu o jovem, compreendeu tudo:

- Não há guardas, não há portas... Só há uma coisa entre mim e esta criança: meus pecados. Mas se ela está aqui, se o anjo me chamou à sua presença é porque esta barreira foi transposta. Vamos. Já esperamos demais. Antes estivéssemos aqui há mais tempo.

O jovem sorriu. Voltaram-se para a entrada e caminharam até o fundo...

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Sobre um Semeador de Estrelas

Quando acordou, permaneceu em silêncio e de olhos fechados. Não queria voltar à realidade. Percebia o quarto ligeiramente iluminado, e o silêncio só era rompido por uma fraca respiração vinda próxima de sua cadeira de trabalho.

Abriu os olhos lentamente. Deixou os raios solares adentrarem sua retina. A luz dourada que entrava pela janela permitiu-lhe visualizar as pequenas partículas de poeira flutuando e dançando no ar. Desviou a vista para a cadeira e o encontrou.

Não entendeu por que não teve medo. Não entendeu por que seu coração sequer pulsou mais forte. Apenas olhou para o homem à sua frente - careca, alto, relativamente forte e de olhar distante - e soube que não era preciso temê-lo. O homem vestia roupas de camponês, seus olhos eram prata, penetrantes, envolvidos por uma órbita profunda. Em sua perna esquerda jazia um pequeno cesto, sem alça, seguro por sua mão esquerda.

João permaneceu em silêncio. O homem olhou profundamente em seus olhos. Paz. Essa era a melhor palavra para expressar aquele momento.

João não sentia nenhuma necessidade de começar um diálogo, pedir explicações... apenas aceitava estar ali, mas sabia que de nada adiantaria ficar parado. Então, perguntou:

- Você é a Morte?

Não havia pensado nessa pergunta. Apenas achou que seria a mais adequada para o momento.

- Alguns me chamam assim.

- Então, eu morri? - pela primeira vez João receou, mas continuava em paz.

- Morremos todo dia, João.

A voz do camponês era grave, proporcional à sua aparência de homem feito, mas ao mesmo tempo era tímida, ou cansada... Não sabia bem.

O silêncio tomou conta do quarto. João não tinha mais palavras. Não entendera a resposta e simplesmente não tinha mais perguntas.


O momento se estendeu por vários minutos: João sentado em sua cama e o homem na cadeira, fitando-o. João pensou em ver as horas, mas a ideia lhe pareceu ridícula. Ele sabia - apenas sabia - que o tempo estava parado.

Finalmente o camponês decidiu romper o silêncio.

- Você está pronto?

Normalmente, João perguntaria: "Para quê?", mas da mesma forma como soube que o tempo parara, soube que iriam fazer uma viagem, novamente. E soube que no sonho anterior havia sido guiado por aquele homem.

- E então? - perguntou o camponês.

- Vamos - respondeu determinado e levantando-se.

Antes que João pudesse fazer o primeiro movimento para fora da cama, a sensação de vôo e liberdade tomou conta de seu corpo mais uma vez.

Tudo era novamente escuro, exceto por uma luz prateada que vinha do camponês à sua frente. Ele estava de pé, flutuando com uma perna à frente da outra, como se estivesse dando um passo. Segurava o cesto com a mão esquerda, enquanto levava a mão direita até a boca do cesto para retirar um pó dourado.

João se pôs ao lado dele e observou. O camponês soltou o pó de sua mão, que caiu por muitos metros, dispersando-se. Via-se apenas pequenos brilhos dourados. Até que o pó começou a se aglomerar e a crescer e ali nasceu uma estrela, pequena, mas brilhante.


- Quem é você? - a pergunta apenas saiu de garganta de João.


- Vocês me chamam de Morte. Isso é porque se preocupam comigo apenas nesse momento. Mas eu sou também a vida.


- É Deus?


- Apenas um anjo seu, encarregado de dar e tirar a vida.


Enquanto conversavam o camponês continuava semeando suas estrelas. O lugar em que estavam - se é que aquele lugar existia em algum lugar - começou a ficar bem iluminado. João se sentia no meio de uma grande luz!


- Vocês me chamam de Morte, mas eu sou o Semeador de Estrelas. Sou também o Ceifador, mas gosto mais de semeá-las.


- E o que são essas estrelas? As que vejo no céu a noite?


- Não. São suas vidas. São vocês. Este é o lugar em que brilham no tempo entre a vida e a morte, a aurora e o ocaso. No momento estou semeando belas estrelas, não acha? São algumas das mais brilhantes que já vi. Nenhuma delas famosa, nenhuma delas de sucesso segundo os seus padrões, mas todas elas muito bonitas. Veja esta aqui. É uma mulher. Será uma linda criança e fará muito bem a seus pais.


- Você sabe de todas as histórias? De todas as vidas? Sabe de todo o futuro?


- A cada anjo é dado conhecer a parte da mente de Deus que lhe pode ajudar em sua missão.


Anjo, mente, Deus. Palavras que outrora soavam tão abstratas para João e agora ouvia alguém dizê-las com uma naturalidade jamais sonhada. Pela milésima vez, perguntou-se se não estaria sonhando. Ainda que estivesse, não se daria ao trabalho de acordar. Tudo ali o fascinava.


- Eu teria muitas perguntas para fazer sobre Deus, mas imagino que você não vá me respondê-las, estou certo?


- Sim. Não é este o propósito dessa viagem.


João esperava exatamente esta resposta. Sabia que a viagem teria um propósito, e estava ansioso para conhecê-lo, mas não custava postergar e tentar tirar um pouco de suas curiosidades.


- Por que Ele se esconde? Parece uma falta de transparência. Há necessidade? - perguntou, em tom calmo, para não parecer desesperado em obter respostas. Isso poderia intimidar o Semeador. Anjos se intimidam? - questionou-se.


- Ele se deixa encontrar. É isso que importa.


A resposta foi recebida como um tapa em seu rosto. Ele se deixa encontrar. Ele se esconde, mas se deixa encontrar. João refletiu um pouco nessas palavras. Não se importava que o tempo passasse, não havia tempo naquele lugar. Talvez seja como um pai e um filho brincando de pique-esconde. Mais cedo ou mais tarde, o pai sempre deixa o filho encontrá-lo. Ele se deixe encontrar.


A mente de João trabalhava a mil por hora. Em sua cabeça havia muitas imagens, perguntas, rancores, dores, arrependimentos dos quais gostaria de obter esclarecimentos.


- Há uma resposta para cada uma delas, João. Tenha certeza disso - disse o Semeador, cortando-lhe o pensamento.


- O quê?


- Você estava prestes a me dizer que tem muitas perguntas, angústias, e até reclamações que gostaria de entender melhor. Há uma resposta mais que satisfatória para cada uma delas. E é isso que importa. Você não precisa obter todas as respostas, só precisa confiar que elas existem. Por enquanto, pelo menos.


O coração de João saltou-lhe do peito. Sentiu que passava a compreender um pouquinho do coração de Deus. E isso o estranhava e o fascinava. Estava irrequieto, satisfeito... uma mistura de emoções...


- E o fato de eu saber que você faria a pergunta não lhe tira o livre-arbítrio, antes que você pergunte. O fato de Deus saber de toda a sua história antes mesmo que você nasça, não faz com que as suas escolhas sejam menos suas. São suas escolhas, e são legítimas, Deus apenas se dá o direito de conhecê-las antes de você as praticar.


- Tudo bem, então.


João não conseguiu absorver muito bem a última parte da conversa, mas sabia que havia entendido a mensagem.


- Agora venha, João. Vamos continuar o passeio que paramos antes de você acordar...


Os dois foram transportados para o meio do espaço, onde novamente tudo era silêncio, movimento e luzes de estrelas. A sensação de imensa pequenez assaltou-lhe mais uma vez. A grandeza daquela pequena parte do Universo era incalculável. A beleza de tudo o que havia em volta, inefável. E tudo passou a se movimentar em velocidade acelerada. O Semeador mantinha-se calmo à frente de João. Até que os dois pararam e o Semeador apontou-lhe para um pequeno ponto no meio do espaço:


- Que é aquilo, João? Qual a importância daquele pequeno ponto no meio da imensidão do Universo?

Lembrou-se da pergunta feita no sonho. Que é sua vida ante tudo isso. Lembrou-se do quanto se sentira pequeno, ínfimo, sem importância.

E agora o Semeador lhe perguntava a importância de um pequenino planeta e João pensava que não havia a menor importância ali. E sem nem mesmo um planeta tem importância, qual seria a dele? Certamente nenhuma.

- Aquilo me parece um pequeno planeta. Aparentemente sem nenhuma importância.

O Semeador sorriu. Olhou bondosamente, com seus olhos prateados - Que olhos são esses?, pensou João -, e com voz grave e confiante disse:

- Aquilo é a Terra. Sua casa, seu lar - respirou fundo, virou seu olhar para o pequeno ponto azul e contemplou-o por uns instantes.

João sentiu que o Semeador se emocionara. Por que um anjo que semeia vidas se importaria com aquilo? Ainda não entendia.

- Ali as coisas se movem, João.

- Tudo nesse Universo se move não?

- Pelas leis da física. Por causa da gravidade. Mas ali, João, as coisas se movem por que tem vida. Ali há vida! E isto é a maior de todas e todas as obras do Criador. Vida! De que adiantaria todo o Universo se não houvesse quem contemplar? De que adiantaria tanta exuberância, se tudo fosse apenas o que é, inanimado...

O Semeador virou-se novamente para João. Segurou seus ombros com as mãos. Colocaram-se frente a frente. O Semeador aproximou seus olhos dos de João. O rapaz podia ver claramente dentro dos olhos do anjo. Eram como uma janela para outros lugares. João pôde divisar pessoas, árvores... Ele estava vendo a vida acontecer nos mais diversos tempos e lugares em que a humanidade viveu. Assustou-se com algumas imagens e desviou o olhar.

- Olhe, João - disse o anjo apertando-lhe levemente os ombros. Não tema.

João olhou novamente. As imagens agora eram tranquilas e traziam uma grande paz. Dois amigos se abraçando; um casal de namorados se dando a mão; um parto sofrido e o sorriso da mãe; um órfão recebendo alento; milhares de jovens reunidos gritando por paz; crianças se divertindo em um parque...

- Vê, João. Esta é a verdadeira grandeza do Universo. Não é grande em tamanho, não é exuberante ou chamativa. Deus tem um grande tesouro, João. E grandes tesouros nós escondemos. Ele decidiu esconder o seu silenciosamente entre pequenas criaturas, de um pequeniníssimo planeta que gira em torno de um sol de quinta grandeza, em uma galáxia igual a bilhões de outras galáxias. Tudo o que você viu Universo a fora apresenta a grandeza, magnanimidade e perfeição de Deus. Mas o que você viu em meus olhos, o que você vive a cada dia em sua vida, é onde Deus demonstra o seu maior atributo. É no coração do homem que se vive o amor, João, e é no amor que Deus se deixa encontrar.

- E que é minha vida ante tudo isso? - perguntou-se João.

- É mais que uma pérola preciosa na imensidão do oceano. É a expressão viva do mais íntimo do coração de Deus.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Sobre luzes, movimentos e silêncio

Assim foi...

Estava deitado em sua cama, esperando dar a hora de se levantar. Faltavam pouco mais de dois minutos e o despertador tocaria. Estava sem sono, e sabia que não dormiria mesmo fechando os olhos. Fechou-os. O sol que entrava pela janela ainda era pouco, e, com as pálpebras cerradas, formou-se uma escuridão completa e densa.

Enquanto esperava o ruído do despertador, respirava calmamente e pensava nos próximos momentos do dia assim que se levantasse. Mas esses momentos nunca chegaram.

Esperou o toque, o despertar. Passaram-se dois minutos, mais. Quando se deu conta do tempo, pensou que dormira, mas estava bem desperto.

- Ou o despertador parou - pensou.

Abriu os olhos...

...

...

A escuridão densa não se desfez. Assustado, piscou várias vezes para tentar enxergar. Nada aconteceu, e a escuridão continuava absoluta. De repente, sentiu um solavanco no corpo e, simplesmente, deixou de sentir seu próprio peso.

- Estou flutuando... morri?

A sensação era gostosa, disso ele sabia. Era como voar, era como estar livre. Deixou-se levar pela sensação e sentiu seu corpo subir, subir, subir...

Uma luz surgiu num lugar distante. Um pequeno ponto luminoso.

- É a famosa luz no fim do túnel? É essa a paz que experimentamos ao morrer?

A luz ficou mais forte. E à medida em que se aproximava - não poderia ter noção do espaço, mas sabia que ainda estava muito longe da fonte da luz - percebia não um, mas vários pontos luminosos. O negrume que tomava conta de tudo era como um céu a noite, e as luzes eram como estrelas.

Sentiu novamente o solavanco por trás e começou a flutuar a uma velocidade extremamente grande. As luzes se aproximavam e cresciam.

Começou a se formar uma galáxia ante seus olhos e seu corpo adentrou em uma nuvem de poeira cósmica. As luzes transformaram-se em gigantescas estrelas para as quais podia olhar sem que ardessem seus olhos. Em volta das estrelas, planetas desabitados com seus satélites moviam-se rapidamente. Ao longe divisou algumas explosões em uma estrela. Viu planetas se chocando. Tudo passava num piscar de olhos, seu corpo flutuava em meio a monstruosas estrelas e imensos planetas, mas seu cérebro absorvia pouquíssimo de todas as informações. Tudo passava em milésimos de segundos.

Viu a explosão de uma estrela e tudo sendo sugado para o centro antes mesmo que a explosão terminasse. Estava em meio a um caos de luzes, movimentos...

...então se deu conta que mesmo em meio a tanto movimento tudo era silêncio. Um silêncio que nunca experimentara. Profundo.

Estava no meio do universo, em silêncio, voando acima da velocidade da luz e vislumbrando em pouquíssimos segundos toda uma história de bilhões de anos. Não sentia seu corpo, não enxergava suas mãos. Sentia-se pequeno como um átomo...

A viagem continuou por muitos minutos. Nebulosas, supernovas, cometas, planetas... tudo passava por si numa velocidade assustadora.

Parou! Ouviu uma voz: "Que é sua vida ante tudo isso?"

Acordou!

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Sobre a arte de amar! =D


“A caridade é uma virtude importantíssima, é tudo. Portanto, convém, desde já, empenharmo-nos em vivê-la um pouco melhor. Para tanto, é preciso saber quais as coisas que a fazem especial. Diz um pensador: ‘Amar é bom; saber amar é tudo’. Sim, saber amar, porque o amor cristão é uma arte, e é preciso conhecer essa arte.A verdadeira arte de amar emerge por inteiro do Evangelho de Cristo. Colocá-la em prática é o primeiro e imprescindível passo a ser dado para que se desencadeie a revolução pacífica, tão incisiva e radical, que muda tudo. Ela atinge não apenas o campo espiritual, mas também o humano, renovando cada sua expressão: cultural, filosófica, política, econômica, educativa, científica etc. é esse o segredo da revolução que possibilitou aos primeiros cristãos invadirem o mundo então conhecido.”(Chiara Lubich)


São 6 pontos da Arte de Amar:

Amar a todos

A primeira qualidade do amor cristão é amar a todos.Essa arte de amar pretende que amemos a todos, sem distinção, como Deus ama. Não há que escolher entre simpático ou antipático, idoso ou jovem, compatriota ou estrangeiro, branco ou negro ou amarelo, europeu ou americano, africano ou asiático, cristão ou judeu, mulçumano ou hinduísta... O amor não conhece nenhuma forma de discriminação. Se somos todos irmãos, devemos amar a todos. Devemos amar a todos. Parece uma coisinha de nada... Mas é uma revolução!

Amar o inimigo

“Amai os vossos inimigos” (Mt 5,44). Isso sim vira pelo avesso nosso modo de pensar e faz que todos dêem uma guinada no timão da própria vida! Ele está ali na senhora tão antipática e implicante que procuramos evitar... está naquele parente próximo que prejudicou nosso pai trinta anos atrás... está na carteira de trás na escola... é aquela moça que foi embora com outro... aquele comerciante que nos enganou... são aqueles que, politicamente, não pensam como nós e por isso consideramos inimigos...Pois bem, todos esses e uma infinidade de outros, que chamamos de inimigos, devem ser amados. É preciso coragem. Mas não é o fim do mundo: um pequeno esforço da nossa parte, pois noventa e nove por cento é Deus quem faz e... no coração, sentimos uma enxurrada de alegria.

Amar primeiro

Outro passo da arte de amar, talvez o que requer mais empenho de todos, que põe à prova sua autenticidade e sua pureza, pede que amemos primeiro, tomando sempre a iniciativa, sem esperar que o outro dê o primeiro passo.Fomos criados como um dom uns para os outros e cumprimos esse nosso ser pondo todo o empenho pelos nossos irmãos e irmãs com aquele amor que antecede qualquer gesto de amor do outro.

Fazer-se um

Há um ponto da arte de amar que ensina como colocar em prática o verdadeiro amor pelos outros. É uma fórmula simples, feita de apenas duas palavras: “fazer-se um”.“Fazer-se um” com os outros significa assumir os fardos deles, as preocupações deles, partilhar os sofrimentos e as alegrias deles.“Para os fracos fiz-me fraco ... Tornei-me tudo para todos a fim de ganhar o maior número possível” (I Cor 9, 22.19) Sim, esse é o caminho, porque é o mesmo que Deus percorreu para manifestar-nos o seu amor: Ele se fez homem como nós e foi crucificado e abandonado, para colocar-se ao mesmo nível de todos. Fez-se verdadeiramente “fraco com os fracos”.

Ver Jesus no outro

O amor evangélico quer que reconheçamos Jesus no próximo, como Ele disse, ao falar do juízo final: “Pois tive fome e me deste de comer. Tive sede e me destes de beber ... Em verdade,, vos digo: cada vez que o fizestes a um desses meus irmão mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25, 35.40).Portanto, essa arte de amar requer também que reconheçamos Jesus, que acreditemos que Jesus está por trás de cada irmão, porque Ele considera feito a si o bem e o mal que foram feitos ao próximo.

Amor recíproco

“Fazer-se um”: é isso o amor.“Fazer-se um” até que a pessoa amada desse modo entenda o que é o amor e queira, por seu turno, amar.O amor verdadeiro, a arte de amar, em seu ponto culminante, é amarmo-nos mutuamente. Amarmo-nos mutuamente de tal modo que mereçamos o dom da unidade. Porque nós não sabemos fazer a unidade. Podemos fazer a nossa parte, amarmo-nos, mas a parte mística da unidade, a presença de Cristo em nosso meio, deve vir do Céu.

O lance é lançar o dado no começo do dia e esforçar-se por viver aquele ponto! ;)

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Sobre uma chegada - Caledônia

De pé, diante das grandes estátuas construídas por seus antepassados, Digory continha-se para não se derramar em lágrimas. Era tudo exatamente como em seus sonhos, apesar de saber que nunca estivera ali. As estátuas imensas que formavam um corredor até o que deveria ter sido o palácio do rei, ou imperador, eram de homens robustos, vestidos de mantos que lhes cobriam todo o corpo e adornados em suas cabeças por coroas reais. O palácio agora estava completamente destruído, e o pouco que lhe sobrara estava tomado por trepadeiras e ervas daninhas.

Digory caminhou por entre os reis de Caledônia, admirando cada face e cada expressão. Tudo era magnífico e diferente aos seus olhos. Não se sentia no mesmo mundo em que nascera, parecia mais do que um outro continente, parecia uma outra dimensão, uma outra vida.

À medida em que se aproximava dos restos do palácio, Digory podia ver com mais clarezas alguns dos detalhes do ambiente. A natureza tratara de manter a realeza e a beleza do local. O garoto não divisava somente trepadeiras e ervas daninhas, mas agora via também belas árvores com folhas douradas, como no outono, mas com um brilho mais intenso e vivo. Alguns troncos eram prateados e os pássaros que faziam ninhos em suas copas eram de um colorido avassalador. O gorjeio das pequenas aves lembrou-lhe o respingar de gotas no fundo de um poço fundo: o gorjeio era agudo e ecoava por todo o vale.

O palácio estava localizado numa depressão, um vale entre dois pequenos montes verdes e intocados. Digory se admirou por não ver construções ou depredação da natureza em volta do mais importante centro de decisões e poder da cidade de Caledônia. Sem dúvida, eram uma civilização culturalmente avançada.

Chegou ao sopé da escada que lhe levaria aos portões do palácio. Seu coração acelerava desmedidamente sem tirar-lhe o ar, o sol aquecia-lhe a face sem a ruborecer e o vento esfriava-lhe sem o gelar. Sentia-se impassível e intocável, um rei destinado a reconstruir toda a sua história.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Sobre uma palavra!

Palavras bonitas, vazias, não ouvirá.
Um discurso belo e sincero, não gravará.
Talvez um sorriso e um abraço apertado,
sem pretensão, distração ou falsidade.

Um aperto de mão camarada,
um beijo molhado no rosto,
um muito obrigado, sem dúvida,
mas, no fundo, de que valerá?

Por que não se exprimem em palavras,
não se encontram em canções,
nem se demonstram com o corpo, talvez nem com o coração,

A vontade de caminhar ao seu lado,
a riqueza, a beleza e a magnanimidade
dessa simples palavra: AMIZADE.

Miguel Sartori =D

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Sobre velejar

Subiu no barco, içou a âncora, levantou as velas e deixou o vento e a maré o levarem.

Eram apenas ele e o mar. Havia também o vento e o sol. Mais nada, nem ninguém. Apenas pensamentos que pulavam e mergulhavam no oceano, fazendo gotas saltarem para dentro do barco. Pensamentos soltos, que o aliviavam.

Não olhou pra trás. Não se importou com a distância. Apenas se deixou carregar até que o sol beijasse o mar e a lua surgisse no longínquo distante, como uma gota de sangue se derramando sobre uma poça. Só que a lua não era vermelha, era branca como a neve.

E a noite ficou gelada, muito gelada. E ele sorriu para o mar e sorriu para lua.

E ele sorriu para o sol.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Sobre simplesmente acontecer!

Um fim de tarde no parque sempre acalma. Sentar no banco de madeira, olhando as crianças correndo sorridentes atrás da bola. Jovens andando de patins, alguns ameaçando manobras diferentes, outros ainda aprendendo a patinar. O sol aquecendo a tes, tornando-a rubra, e formando mosaicos de luz e sombras abaixo das mangueiras.

João se encontrava assim, sentindo a brisa arrancar-lhe o excesso de calor do rosto, deixando a temperatura na exata medida. Apenas fechava os olhos e ouvia os sons vindos de tudo o que havia em volta. Quando estava quase se esquecendo de que estava ali, percebeu que alguém sentava ao seu lado.

Abriu os olhos, forçando a vista contra o sol, virou o rosto e viu uma bela garota ofegante. A menina pedalava, e sua bicicleta estava agora encostada no banco.

- Quer um pouco de água? - disse João, oferecendo sua garrafa a ela.
- Não, obrigada - respondeu ainda ofegante. Não se pode vir pedalar sem sua própria provisão.

A garota se virou para a bicicleta e retirou sua própria garrafa d'água. Deu um largo sorriso para João, uma breve piscada (Uou! que maravilha de garota!), abriu a tampa e percebeu que a garrafa estava vazia.

- Nossa! Que furo. Estou tão cansada que nem percebi que precisava de mais água. Você tem um pouco?

João não respondeu. Ficara encantado com os movimentos da garota. Sua piscada, o movimento de seus cabelos. Sem perceber, ficou parado olhando para ela, boca semi-aberta, sem piscar. A garota deu uma risadinha. Provavelmente já estava acostumada com essa reação.

- E, então? A oferta ainda está de pé? Posso beber um pouco de água?

João disfarçou a cara de bobo com um sorriso.

- Não costumo emprestar coisas a estranhos. Minha mãe não deixa - disse em tom de brincadeira.

A garota deu uma longa risada, inclinando a cabeça para trás e mostrando o pescoço. Um lindo pescocinho branco, aos olhos de João. O suor que lhe descia da face e escorria até o ombro só fazia aumentar-lhe a beleza. João gostava de esportes e encontrar uma garota tão bela no parque que aparentemente partilhava deste gosto animou-o.

- Aqui. Pode tomar quanto quiser - disse, estendendo a garrafa à garota.

- Minha mãe me ensinou a não aceitar coisas de estranhos - respondeu, virando os lábios para um lado e levantando uma das sombrancelhas.

- João, muito prazer! Sou estudante, e estou aqui relaxando um pouco da semana cansativa que passei. Ainda sou um estranho?

- Clarice, estudante e aspirante a atleta. Estou tentando melhorar meu tempo, mas dormi tarde e acordei cedo, e pelo jeito meu pique não é dos melhores hoje.

Os dois se deram um breve aperto de mão, tímido. Conversaram sobre o tempo, o clima e o gosto pelo esporte. Naquela tarde apenas conversaram. O sol se pôs e os dois continuaram sentados no banco. O calor virou uma fria brisa noturna; os meninos brincando foram substituídos pelo canto dos grilos e até mesmo por alguns vaga-lumes. O céu não estava bem estrelado pela noite, mas puderam gastar alguns minutos contemplando-o.

João aproximou sua mão da de Clarice. A garota tremeu, mas desculpou-se dizendo que era o frio. Ficaram mais alguns minutos assim, em silêncio. Despediram-se sem trocar telefones, e-mails ou outra coisa.

Foram pra casa mais leves, cantando para si e sem se importar com ninguém.

No dia seguinte, João estava no mesmo banco, no mesmo parque, na mesma hora. Estava com uma garrafa cheia d´água e sem compromissos marcados para aquela noite.

João apenas fechava os olhos e ouvia os sons vindos de tudo o que havia em volta. Quando estava quase se esquecendo de que estava ali, percebeu que alguém sentava ao seu lado, ofegante.

Sorriu.

domingo, 8 de novembro de 2009

Sobre um teclado suave

Cara, esse teclado é muito gostoso de escrever! Mas parece que me tira a inspiração, de tão bom que é! Estou escrevendo isso só por que é realmente prazeroso escrever nele. E, além disso, estou treinando escrever sem olhar para o teclado. Será que consigo escrever sem olhar para a tela? Por que as vezes eu erro, e corrijo. Por exemplo, ainda não sei bem onde fica a letra J. É difícil também acertar os acentos, ou saber quantas letras digitei desde um erro que cometi. Aí para dar o backspace é complicado. Mas, minha Nossa!!! Esse teclado é muito suave e leve. É uma delícia de se escrever. A palavra escrever e suas variantes já foram escritas quase uma dúzia de vezes. Dúzia de vezes, legal de se escrever (olha o escrever aí de novo) por que em "dúzia de vezes" temos dois zes, uma letra que aparece em poucas palavras. É bom de se treinar datilografia com letras que aparecem pouco no vocábulário. Poderíamos falar em backspace novamente (que tem K), ou mesmo na Theory of Fun, propaganda da Wolksvagen, que além de Y no Theory, tem W e K em Wolksvagen! Errei o K várias vezes agora!!!

Devaneios...

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Sobre valer a pena!

No fim da tarde, quando o sol já se ia pondo e podia ser visto como uma imensa bola alaranjada descendo para a linha do horizonte, os dois companheiros pararam para descansar da jornada e apreciar o belo ocaso. Grilos entoavam seu canto cotidiano e pequenos pássaros podiam ser vistos nos galhos de algumas árvores soltando notas melodiosas e harmônicas.

O cansaço da caminhada abateu os viajantes assim que pararam. Poderiam caminhar mais duas horas se fosse preciso, mas não conseguiriam ficar sentados sequer 10 minutos sem dormir. Decidiram levantar acampamento ali mesmo, parando de caminhar um pouco mais cedo aquele dia. Retiraram a bagagem das costas e montaram a barraca. Enquanto trabalhavam, ouviam a natureza e admiravam a paisagem à sua volta.

- Será que algum dia chegaremos lá em cima?
- Temos que chegar. Não há outra opção, há? Viemos até aqui, deixamos um monte de coisas para trás, pra dar meia volta e fugir?
- ...

O companheiro ficou calado um instante, abatido pelas dificuldades da caminhada. Sabia que não estavam longe, mas seu corpo doía e a falta de ar furtava-lhe a animação. Já se passavam 2 meses que estavam viajando, alimentando-se de míudos e dormindo em locais pedregosos, absolutamente sem conforto. Pensar que poderia não valer a pena tanto esforço angustiava-lhe sobremaneira.

- Como é? Está pensando em desistir mesmo?
- Não sei!
- Hmmm... qualé! Qual a dúvida?
- Será que vale a pena?
- ...

Ele não poderia dar uma resposta pronta. Até por que não a tinha. Será que valeria a pena? Fazia-se a mesma pergunta desde o primeiro dia em que colocou o pé na estrada.

- Não sei. Mas com certeza não terá valido a pena vir até aqui e desistir, concorda? Entrea a derrota certa pela duvidosa, prefiro a duvidosa.
- É verdade! Nisso você tem razão. Não terá valido a pena vir até aqui. E talvez valha a pena ir um pouco mais longe.
- De fato.
- Então vamos terminar de montar acampamento, descansar e seguir viagem.
- ...
- O que foi?
- Sabe o que eu estava pensando?
- O quê? Por favor, não me desanime novamente.
- Dormir é pros fracos!!! Vamos seguir agora!

Os dois soltaram uma gargalhada gostosa que lhes restaurou as energias. Pararam por mais um segundo para retomar o fôlego perdido pela risada, desmontaram acampamento e partiram.

Sobre a vida lá fora

Hey você, olha pra mim,
Diga que não é bem assim.
Que a vida lá fora, não é tão complicada.
Que vale a pena correr,
pra chegar em algum lugar.
Por que há um lugar, há sim!

Hey você, dê um sorriso,
Esqueça tudo: aqui é o paraíso.
Viver é arriscar a pele, sair de si.
E a gente vai arriscar a ser feliz,
Porque, afinal, a vida lá fora,
Nem é tão complicada assim!

Sobre ser sem sentido =P

Sem saber, saiu de si,
Perdeu-se no infinito com fim.
Lançou as pedras de sua sepultura,
Saiu de seu caixão despedaçado.

Sem querer, caiu em si,
Percebeu sua insignificância sem fim.
Amontoou o entulho do caminho,
E caiu em sua cova novamente.

Se soubesse tudo o que queria,
Lançaria fora as coisas banais,
Deixaria todas as angústias,
E levaria consigo somente as certezas.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Sobre grito!

- AAAAAAAAAaaaaaaaah! Desisto - gritou João, esquecendo-se por um momento que estava na biblioteca.

Assustou-se ao ouvir todas as pessoas chiando para si.

- Psssssiu, malucão - gritou um homem mais irritado.

- Desculpem, desculpem - dizia enquanto colocava os livros na mochila e ia saindo rapidamente.

Quando deixou a biblioteca, João colocou a mão sobre a cabeça e, sem represar as emoções, deu um outro grito, dessa vez mais alto.

As pessoas passavam e olhavam para ele, mas ele não se importava. Apenas precisava gritar e gritou. Sentiu-se mais leve, mas sabia que isso não resolveria suas tensões. Deu alguns passos na direção do jardim em frente à biblioteca, sentou-se ali mesmo, no chão, envolto por árvores, e descansou os olhos, a cabeça e o coração.

domingo, 1 de novembro de 2009

Sobre a força avassaladora do tempo

Ao entardecer, João olhou para o pulso e percebeu que o relógio estivera parado desde a manhã. Tirou o aparelho e colocou-o no bolso. O dia havia sido tão cansativo e corrido que sequer tivera tempo de olhar as horas. Apenas fez uma coisa após a outra, na maior rapidez que pôde, indo de um lugar a outro sempre acima da velocidade da pista.

Agora ele estava no carro voltando para casa, onde finalmente deitaria em sua cama e descansaria por alguns minutos. João adorava dirigir. Costumava dizer que quando dirigia, apenas dirigia. Não havia nada mais para fazer. Não podia falar ao telefone, não podia resolver problemas do trabalho, não tinha que arrumar quarto, gaveta ou o que fosse. Apenas dirigia. Naquele dia, no som do carro, ouvia-se o seguinte refrão: "Os dias correm e somem, e como o tempo não vão voltar".

João refletiu longamente nessas palavras. Sabia que precisava de uma pausa, de um desacelerador do tempo. "Good guys need a break", ouvira em um filme outro dia. Ah, se ele pudesse desfrutar dessa pausa. Mas não podia, ou, pelo menos, se sentia incapaz de consegui-la. Voltou para casa dirigindo - apenas dirigindo - e refletindo sobre o ritmo alucinado que todas as coisas haviam tomado. E sentiu-se incapaz de deter a força avassaladora do tempo e dos acontecimentos. E decidiu que, de qualquer forma, não valia a pena lutar contra o tempo.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Sobre fazer

Pronto, falei!

Essas duas palavras têm se repetido muito em meu vocabulário - que nem é tão vasto assim, pra eu ter muita escolha - e na de muitas pessoas à minha volta. "Pronto, falei", virou moda. Pronto, falei! É claro que é sempre antecedido por alguma frase de efeito, uma brincadeirinha, ou mesmo algo que estava entalado na garganta e já queria sair há muito tempo.

Pois bem, em alguns momentos da vida, a vontade seria a de usar uma frase semelhante, porém um pouco mais impactante - e por que não dizer -, desesperada. "Pronto, FIZ! Tinha que fazer e fiz! Estava enrolando, pensando de mais, dei um "piti", fui lá e fiz!"

Infelizmente, nem sempre é fácil assim. Fazer envolve comprometer pessoas, vidas e histórias e com tudo isso não se brinca. Principalmente, com o coração. O coração do outro é um lugar sagrado, e lá só se entra sem sandálias nos pés, como Moisés ao falar com Deus.

Pensar, repensar e pensar de novo: eis a sina do homem que quer se preocupar em fazer o que é direito, e não o que é impulso.

Fato é que, muitas vezes, a vontade é de fazer parar o tempo, eternizar o segundo que deu certo, sem que seja preciso dizer "Pronto, fiz!", ou pior, "Puts, pensei tanto, agora já era". O segundo apenas perduraria e tomaria conta de tudo o que é coração. E tudo seria tão mais simples como o afagar de dois que se gostam.

Pronto, falei!

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Sobre um segundo!

Perdido num emaranhado de pensamentos, João reclina-se sobre a rede, balançando lentamente ao som das folhas mexidas pela brisa. Respira fundo o ar puro e gélido da tarde à beira da praia. Esquece as preocupações das coisas que se foram, e principalmente aquelas das que ainda não são. Pensa apenas em eternizar aquele simples segundo, que nada mais é que isso: simples! Um respirar profundo do ar que lhe dá vida e acalma.

Ah, se todos os segundos fossem como esse...

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Sobre um balão e uma viagem - parte 5 e final

Papai e mamãe estavam aflitos, Ben podia perceber em seus olhos e no tom de voz. Os olhos de Ben começaram a marejar. Sabia que algo triste estava por vir.


- Ben, mamãe tem uma doença degenerativa grave, você ainda não sabe o que é isso, mas saberá um dia. Essa doença fará com que eu ... - mamãe parou de falar e respirou fundo, tentando não chorar ...

Logo após a experiência mais fantástica de minha vida, passei a viver dias de imensa tristeza. De fato, o problema de minha mãe não era nada pequeno. Nos dias seguintes, sonhava que eu estava no balão, vendo tudo tão pequeno, até que uma imensa mancha negra aparecia e cobria todas as coisas. Chorava sem parar, e quando minha mãe passou a sofrer os males da doença, o meu mundo caiu.

Vários anos se passaram e minha mãe ia perdendo movimentos e lembranças aos poucos. Por volta dos meus 12 anos - 6 anos depois de toda a história - passei a realmente perceber que não havia volta no estado dela. O corpo de minha mãe seguia inexoravelmente a um fim indesejável, e eu tinha que saber lidar com aquilo.

Busquei em todas as minhas memórias os fatos e atos, ensinamentos e aprendizados que poderiam me ajudar a enfrentar com coragem e amor essa grande dificuldade em nossas vidas. Inevitavelmente, recorria às lembranças daqueles dias passados no balão, buscando dentro de mim acreditar que na verdade tudo era pequeno.

Foi quando tive um sonho. Sonhei que voava nas alturas e, como de costume, um negrume cobria todas as coisas pequenas que eu via do alto. Lá do alto, acima do balão e das nuvens, surgiram alguns pequenos raios de sol que traspassavam bravamente o negrume. Não transformavam tudo em luzes e brilhos, apenas traspassavam, aos poucos, de raio em raio. O raio passava, amanhecia o negrume e logo depois este tornava a tomar conta do local. Até que vários raios passaram a atingir o negrume com mais frequencia, e entre trevas e luzes eu podia visualizar tudo o que estava lá embaixo.

E foi a partir desse sonho que passei a reconquistar a coragem de viver feliz ao lado de mamãe -querida mamãe. A escuridão que enxergava do alto era grande, mas com pequenos gestos de amor, pequenas lembranças e poucas palavras, a escuridão era traspassada de quando em vez, fazendo brilhar a luz da alegria intermitentemente ao negrume da tristeza.

Era tudo tão pequeno, tudo sem grande importância para quem tem um olhar frio e distante. Mas para aquelas três pessoas que viveram essa grande aventura de transformar trevas em luz, e encontrar mesmo na mais triste notícia uma forma de sorrir, tudo que aconteceu era muito significante. Através de pequenas coisas, construíram uma história grande, coesa e bela, digna de importância. Através de pequenas coisas.

Hoje, lembrando do balão e da viagem, lembro-me com carinho especial das belissimas paisagens que vi. A natureza em seu mais lindo esplendor, coroada de flores e folhas, e águas e bichos. Todos muito pequenos, todos contribuindo em pequena proporção para a composição da grande obra. Todos muito importantes, assim como aquele pequeno abraço e beijo que outrora dei em mamãe antes de sair de casa, e que posteriormente vim a saber, lendo seu diário, foi o ponto alto de sua alegria quando em vida.

Sobre um balão e uma viagem - parte 4

Foram longos dias. Tristes, solitários, mas, ao mesmo tempo, formidáveis.

Enxergar o mundo tão pequeno, com todas as suas maravilhas e suas mazelas; enxergar a natureza exuberante e bela e a selva de pedra contruída pelos homens, tão gigante e espaçosa; enxergar rios de águas límpidas em contraste com terras secas em que homens, mulheres e crianças pareciam pequeninas formigas a suplicar que lhes caísse água do céu; enxergar o coração pequeno e angustiado com a falta de papai e mamãe; enxergar o medo bem diante dos olhos, o medo de cair daquela altura fatal; enxergar todas essas coisas e outras tantas das quais não me lembro foi a experiência mais incrível, amedrontadora, fantástica, angustiante - entre tantos outros adjetivos que me faltam - da minha vida.

Eu tinha apenas 6 anos, enxergava o mundo com os olhos de uma criança que conhece apenas seu umbigo e o dos pais. Viajar naquele balão abriu forçosamente minha visão de mundo, expandiu meus horizontes e criou em mim o desejo de não ser apenas uma formiga. "No fundo, é tudo tão pequeno". Esse pensamento foi o primeiro que passou em minha mente quando o balão começou a subir e todas as coisas tomaram proporções minúsculas. Lá de cima, eu só pensava em minha mãe - querida mamãe. Queria chegar em casa a salvo e poder dizer a ela para não se preocupar, por que, na verdade, todas as coisas são muito pequenas. Isso fazia sentido para mim. E por que não dizer que ainda faz? Mas de uma forma diferente.

Tudo é tão pequeno, sim! O que não quer dizer que não tenha importância. E o belo da vida é dar importância ao que é pequeno e ver beleza nele, por que o grande se exalta por si só e já tem muita gente se importando com isso.

Como cheguei a essas conclusões? Bem, antes, falta um pouco da história que não lhes contei ainda.

O menino-viajante - Ben seria chamado assim pelo seus colegas quando voltasse para casa - aterrisou seu balão a muitos, muitos quilômetros de sua escola, em uma plantação de café. A fome e a sede tomavam conta de seu débil corpo pequenino. Chorava angustiado a saudade de papai e mamãe, e o medo de que tivesse sido esquecido por eles arrombava-lhe a alma.

Não demorou muito para que Ben fosse encontrado pelo dono da fazenda que, ao ver o balão e o menino sozinho, soube exatamente que providências tomar. Ligou para a polícia e informou que o menino do noticiário havia sido encontrado e que estava em segurança, alimentado e cuidado.

Dois dias depois, os pais de Ben chegaram para buscá-lo. A alegria banhada de choro e alívio foi inesquecível e até contagiante. Os jornais e televisão noticiaram o reencontro e transforamaram a aventura do menino-viajante num grande espetáculo. Quiseram que o menino fosse dar entrevistas e participar de talkshows, mas papai e mamãe preferiram manter Ben longe das câmeras, principalmente por causa do problema de mamãe. Rapidamente, a história toda foi esquecida pela mídia e pelo povo. Foram atrás de outra história grande para se importar, já que suas vidas "pequenas" não eram suficientes para entretê-los.

De volta à tranquilidade do lar, Ben pôde contar a papai e mamãe tudo o que vivera e pedir a mamãe que não se preocupasse com coisas tão pequenas.

- Ben - disse mamãe em tom melancólico, depois de toda a história. Nem tudo é tão pequeno, algumas coisas grandes acontecem em nossas vidas, e às vezes nós não podemos detê-las.

O menino sentiu que mamãe não havia entendido nada. Foi complacente com ela, afinal, apenas ele havia vivido aquele momento e pudera pensar em tudo o que pensou. Continuou ouvindo mamãe com paciência.

- Ben, precisamos de contar uma coisa.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Sobre um balão e uma viagem - parte 3

O homem-viajante - como será chamado o palestrante a partir de agora, porque era assim que Ben se lembraria dele mais tarde - falava de suas inúmeras viagens, descrevendo algumas paisagens usando palavras que procuravam encantar as crianças.

- Um belo dia, eu sobrevoei uma floresta imensa! - dizia ele. Nada naquela floresta parecia ter sido feito para os homens, mas para gigantes. Era impressionante o tamanho das árvores. Em alguns pontos, eu podia ver um rio cortando a floresta. O rio também era imenso. Se eu estivesse no chão, aposto que de uma margem não poderia ver a outra.
- Nossa! - respondiam algumas crianças entusiasmadas.
- É que nem o mar, moço. Quando a gente tá na praia, a gente não vê o outro lado, é muito longe - completava um dos meninos.
- Exatamente. Igual o mar, só que bem menor. Aliás... já sobrevoei o mar também. Foram longos dias sem avistar nada, apenas o oceano azul. Toda a minha provisão estava no balão e eu tinha gás suficiente para alguns dias. Era apenas o céu sobre mim, e o mar aos meus pés, a muitos metros abaixo, claro.

Ben ouvia tudo o que o homem-viajante dizia. Começava a ficar encantado com a ideia de subir em um balão e vislumbrar as maravilhas do mundo. Adorava ver as figuras de alguns livros e gostava principalmente daqueles que mostravam a natureza florida, verde e imensa - como dizia o homem-viajante.

Ben ouvia tudo, mas sequer olhou para o homem-viajante desde que se juntara à turma. O menino não tirava os olhos do balão que crescia a cada segundo. Percebeu que logo abaixo do balão, perto da abertura inferior, havia uma espécie de fogão, que se acendia de tempos em tempos, jogando ar para dentro da imensa bolha que se formava. Sempre havia alguém puxando uma corda quando o fogo saía.

O balão começou a subir levemente depois alguns longos minutos de palestra - pareceram longos para Ben, mas em outros momentos de sua vida, o mesmo espaço de tempo pareceria voar, passar como um relâmpago; e isso não acontece só para as crianças, mas para todos nós, mesmo quando deixamos de ser crianças. Ben viu a cabine ligada ao balão erguer-se na medida em que o balão subia. Imaginou que tudo começaria a voar alto a qualquer momento, bem ali, diante de seus olhos. Quem olhasse para Ben nesse momento, veria olhos bem arregalados brilhando, a cabeça inclinada para cima, a boca levemente aberta. As crianças começaram a gritar. Assim como Ben, todas achavam que o balão começaria a subir. Ben não gritava. O garoto estava fascinado, sentia no peito uma vontade enorme de entrar na cabine e voar.

O balão parou de subir, de repente. Ben, então, percebeu que tudo estava preso ao chão por cordas. O balão só subiria se as cordas fossem desatadas. Ben lembrou de seu cachorro: ele só podia correr, quando soltavam a corrente de seu pescoço. Se não o soltassem, o máximo que poderia fazer era correr em círculos, mas pros cachorros, não basta correr em círculos, eles sempre querem correr mais. "Algumas coisas só podem acontecer se desamarrarmos aquilo que prende elas ao chão", pensou, "e o balão só vai subir se alguém soltá-lo da terra. Será que a professora não quer soltar?"

Enquanto pensava, os meninos da turma começaram a gritar: "Voa, voa, voa!!!". O homem-viajante tentou conter o ânimo exacerbado da turma. Explicou que não voaria, o balão estava ali só de demonstração, para animá-los um pouco. Ben entristeceu-se e a sensação que tinha no peito começou a morrer. De repente, se deu conta de que queria muito que o balão voasse, mas não apenas voasse, ele queria estar dentro. E, inexplicavelmente - ele já havia esquecido o que acontecera de manhã -, queria ir de balão buscar sua mãe em casa.

Sem pensar muito - quando pensam muito, as crianças desistem de fazer algumas coisas, são como os adultos - correu até o balão, cuidando para que a professora não o visse. O medo se instalou em seu coração - as crianças temem muito os adultos, principalmente os professores. Não se importando, e sabendo que o que fazia era importante, chegou até o balão e abriu a porta da cabine.

Ben entrou na cabine, ansioso, coração batendo forte. Estava prestes a fazer a maior viagem da sua vida, ainda que tivesse apenas 6 anos. Antes que alguém o visse, desamarrou o nó que prendia o imenso balão ao chão. Sentiu seu corpo perder o equilíbrio momentaneamente. Sentiu-se leve, e essa sensação o agradou de tal forma que o medo se dissipou em segundos. Ele estava voando, e a cada segundo voava mais longe. Longe de tudo, de todos, apenas voava e via todas as coisas tomarem o seu verdadeiro tamanho: "no fundo", pensou o menino, "é tudo tão pequeno."

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Sobre um balão e uma viagem - parte 2

Assim que o carro de papai virou a esquina próxima ao colégio de Ben, o menino pôde ver a surpresa que o aguardava. As crianças estavam todas no jardim, em fileiras, mas visivelmente agitadas e empolgadas com o imenso balão que aos poucos ia se enchendo à vista de todos.

O carro de papai se aproximou e Ben pôde ver com mais nitidez as cores e formas estampadas no tecido do balão. Eram muitos losangos coloridos, distribuídos aleatoriamente sobre a superfície que ia se alargando, à medida que o balão era enchido. Triângulos verdes, amarelos, laranjas, vermelhos, pretos, brancos, azuis, rosas... todos as cores estavam presentes ali, provocando um turbilhão de informações aos olhos de quem via. Ben se esqueceu completamente da tristeza nos olhos da mãe e quase desceu do carro sem se despedir de papai.

- Hey, volte aqui garoto - disse papai, antes que Ben descesse do carro.

Ben ajoelhou-se no banco ao lado de papai e deu-lhe um rápido beijo de despedida, enquanto sorria largamente.

- Você viu que legal papai!!! Será que a gente vai viajar um dia num balão desses?

O sorriso sumiu do rosto do menino. O som da palavra "viajar" remeteu Ben diretamente aos acontecimentos daquela manhã. Em geral, as crianças são rápidas em esquecer as suas mágoas e tristezas, por que sabem viver um dia de cada vez e vivem intensamente cada momento. Assim, o que fica pra trás, geralmente fica pra trás, mas Ben era uma criança um tanto especial e quando sentia algo errado em alguém, preocupava-se com essa pessoa até que a visse feliz novamente.

Papai percebeu a mudança brusca na animação do filho. Ficou sem palavras por um momento, provavelmente pensando no sofrimento de mamãe. Deu um breve suspiro e abriu um sorriso para Ben.

- Não se preocupe, Ben. Aproveite o último dia de aula, brinque bastante e aprenda muito. Quando tivermos uma nova oportunidade de viajar vamos para o lugar que você quiser, que tal?
- Não, papai. Vamos para onde mamãe quiser.
- Se você quiser assim.
- Eu quero. E vamos viajar de balão, para mamãe fugir de todos os problemas. Do jeitinho que ela quer.

Papai pareceu mais preocupado. Imaginou que mamãe tivesse falado isso ao filho. Conhecia bem o filho, e sabia que se ouvira uma frase dessas - "viajar de balão para fugir de todos os problemas" - ficaria com essa ideia gravada na memória por muito tempo. Afinal, Ben e todas as crianças costumam levar muitas coisas ao pé da letra e não sabem distinguir aquilo que os adultos chamam de "modo de falar" ou "linguagem figurativa". Essas coisas são muito complexas para as crianças, e para as crianças tudo deve ser muito simples, por que elas são simples.

Alguns anos depois, Ben descobriu que papai e mamãe realmente tiveram essa vontade de fugir, esse anseio de escapar de tudo e de todos, indo para um lugar em que ficassem imunes de problemas financeiros, brigas, doenças. O próprio Ben se depararia com essa vontade em sua juventude, e depois, quando se tornasse adulto, e depois, quando estivesse velho. Ben descobriria que o ser humano sempre quer fugir do medo e da dor, em vez de enfrentá-los com coragem e braveza, e também descobriria que não importa onde for, o ser humano tem obrigatoriamente que se deparar com a dor e o medo. Não há para onde fugir. Mas isso Ben só entenderia mais tarde, e enquanto criança, ele apenas acreditava no que lhe era dito. Naquele dia, pensava que a fuga que mamãe havia proposto resolveria todos os seus problemas.

Papai, ainda preocupado com o filho, disse-lhe:

- Ben, não queremos fugir de nenhum problema, ok? Mamãe apenas está triste com o que está acontecendo – Ben sequer sabia o que estava acontecendo – e deve ter-lhe falado isso da boca pra fora. Mas poderemos, sim, viajar de balão se você quiser. Depois conversaremos sobre isso, está certo? Você já está atrasado e a palestra vai começar.
- Tudo bem, papai. Tchau – respondeu Ben, dando outro beijo na face de papai e batendo a porta do carro atrás de si.

Parou fora do carro um momento, tentando processar as informações que papai dissera. No entanto, o rosto triste de mamãe saltava-lhe à memória, e suas palavras ficaram gravadas em seu coração. Ben aproximou-se da turma e foi recepcionado pela professora, enquanto mantinha os olhos fixos no imenso balão que crescia a cada segundo. Embaixo do balão, Ben pôde ver, pela primeira vez, uma cabine de madeira que se conectava ao balão por cabos. Deveriam caber umas 20 pessoas espremidas ali dentro.

O menino juntou-se à turma e respirou fundo para tentar esquecer a tristeza e aproveitar a palestra que já começara.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Sobre um balão e uma viagem - parte 1

Ben acordou mais cedo que o costume naquela sexta-feira. Era o último dia de escola do ano, e ele não queria perder o horário por nada. Levantou-se, espriguiçou-se ainda em cima da cama e esfregou as pequeninas mãos no rosto amassado pelo sono.

Saiu da cama e foi enxugar o rosto na pia do banheiro, escovou seus dentes e desceu as escadas correndo até a cozinha. Papai e mamãe já estavam preparando o café e se surpreenderam ao ver que seu pequeno filho acordara tão cedo.

- Bom dia, filhão! – disse papai, levantando-o do chão para lhe dar um beijo no rosto. Acordou cedo hoje, o que aconteceu?
- Tem aula hoje, papai – disse o menino, meio animado, meio sonolento. E é o último dia. Então minha professora falou que vai levar um homem que viaja pelo mundo em uma balão pra falar pra gente sobre os lugares do país que a gente pode visitar nas férias.
- Cara, que bacana – disse o pai tentando mostrar-se animado, mas com um tom de preocupação. Mas me diga, você sabe que não vamos viajar, não é?
- Sério, papai? Por quê?

Ben percebeu que mamãe se mantivera virada para a janela em frente à pia todo o tempo. Nesse momento, mamãe se virou para Ben e o menino pôde ver seus olhos lacrimejantes.

- Ben – disse mamãe -, a mamãe está com alguns problemas. A gente não vai poder viajar, por que eu não posso sair de casa e vocês têm que cuidar de mim, não é, papai?
- É isso mesmo, amor. Entendeu, filhão?

Ben tentou, mas não conseguiu esconder a chateação. Isso é absolutamente comum em um menino de seis anos. Fechou o rosto e começou a lacrimejar, ameaçando um choro incontido. Apesar da pequena idade, Ben percebeu que não ajudaria os pais se chorasse naquele momento. Não entendia o que estava acontecendo, nem sabia o que poderia ser mais importante do que viajar nas férias, mas sabia que mamãe precisaria do seu apoio. O menino apenas tomou seu café da manhã, calado, enquanto seus pais o acariciavam, passando a mão sobre seus cabelos.

Quando Ben saía de casa e se dirigia ao carro do pai, que o levaria para a escola, mamãe o chamou no sopé da porta de entrada, agachando para poder ficar da altura do filho. Ben adorava quando eles faziam isso, sentia-se importante nessas horas. Era como se papai e mamãe quisessem deixar de ser altos só para “entrar em seu mundo” e ficar mais perto dele.

- Ben, não fique chateado por que não vamos viajar, tudo bem? Podemos fazer muitas coisas legais aqui em casa.
- Tudo bem, mamãe – respondeu o menino. Mas você vai ficar bem, não vai?

Mamãe começou a chorar, abraçando o filho com força. Às vezes é difícil para as crianças não saber o que se passa na vida dos adultos e não poder ajudá-los. Ben queria muito ajudar mamãe e perguntou:

- Mamãe, não chora. Eu não estou chateado. O que eu posso fazer pra você não chorar?
- Ah, meu filho – disse mamãe, chorosa. Eu queria poder entrar no balão do rapaz que vai na sua escola e voar pra bem longe de todos os problemas, mas não posso. Deixe que o tempo resolve, ok?

O menino não teve palavras. Apenas abraçou mamãe mais uma vez e beijou-lhe demoradamente o rosto. Quando crescem, as crianças passam a achar que precisam falar muito para se sentirem importantes, mas se Ben soubesse, aquele beijo e abraço sinceros foram o melhor de Ben que mamãe poderia ter recebido.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Sobre medo

Quando as luzes se acenderam no palco, e Bella se viu mais uma vez rodeada por dançarinos e observada por milhares de espectadores, seu coração quase saltou do peito.

Era a última apresentação da temporada, e o teatro estava lotado. Do pouco que pôde observar na escuridão da plateia, Bella viu olhares atentos e sorrisos prestes a se abrirem. Todos estavam encantados com a descoberta do novo talento que era a garota e ansiosos por ouvir sua voz doce e penetrante.

Assim que a orquestra começou, o elenco deu os primeiros passos, acompanhando o ritmo rápido e dançante da música. Andavam em círculos, davam giros no ar, homens levantavam as mulheres que se jogavam no ar fazendo piruetas a mais de três metros do solo. A multidão, atenta, apenas se concentrava na espera do momento em que Bella começaria a cantar.

Parada no centro do palco, o coração de Bella continuava a palpitar, forte e descontrolado. De repente, as luzes do palco se apagaram e acendeu-se uma, solitária, no centro, logo acima dela. Era a deixa para a sua entrada.

A garota começou a cantar. As notas soavam nos ouvidos dos presentes como pássaros voando lentamente num céu de verão. Enquanto cantava, novas luzes eram acendidas, revelando um cenário azul claro onde barcos alvo-prateados se movimentavam sobre uma névoa branca e pouco espessa.

Bella cantava, nervosa internamente, mas irrepreensível em sua apresentação, como deveria de ser. Entre uma nota e outra, seus olhos procuravam no meio da multidão de espectadores o rosto do homem que lhe fortalecia.

Ela não o conhecia, mas ele estivera presente em todas as outras apresentações bastante perto do palco, a ponto de poder ser visto pela cantora apesar da luz ofuscante em seu rosto. O desconhecido se limitava a olhar profundamente nos olhos de Bella durante toda encenação. Rosto impassível, olhar perdido nos infinitos distantes do olhar de Bella, ele apenas mirava a garota, e com ar de aprovação meneava a cabeça afirmativamente, como que para tranquilizá-la. Bella se perdia em seu olhos e, encantada pela força de seu olhar, ganhava ânimo para continuar a apresentação.

Ao final do primeiro show, Bella se inquietou ao perceber que não podia parar de pensar no homem. No segundo show, desejou ardentemente que ele estivesse presente. E estava. O mesmo ocorreu em todos os outros. E a cada espetáculo, esperava ansiosamente que ele viesse visitar seu camarim, mas ele nunca aparecia. O último show chegara, e o nervosismo já não estava na apresentação para uma multidão que já a idolatrava, mas na incerteza de poder um dia conhecer o dono do olhar tão penetrante e revigorador.

A medida em que o show se aproximava do desfecho, Bella se incendiava por dentro, chegando a quase perder o compasso e a afinação por diversas vezes. Em todos esses momentos, buscava furtivamente o homem. O fim estava cada vez mais próximo, era a última atuação. Iria ele atrás dela? Ou ela ficaria esquecida, apenas com o desejo ardente em seu coração? Se perdoaria por não ter tentado encontrá-lo, saber o porquê de encará-la tão profundamente todos os dias?

Pela primeira vez errou. Um erro grave e facilmente perceptível até para ouvidos desatentos. Em vez de consertar-se, visualizou no erro uma oportunidade. Deixaria tudo de lado.

Calou-se. A orquestra continuava e o maestro olhava nervosamente para a soprano, na expectativa de que retomasse o canto. Nada aconteceu. A garota se virou em direção do homem e andou até a borda do palco. Agachou-se. O homem e a garota se fitavam. O público não entendia, mas muitos achavam que tudo fazia parte do espetáculo.

O homem se levantou e estendeu a mão direita para a moça. Bella hesitou. Pensou em perguntar seu nome, o que fazia ali, o que queria, mas não foi capaz de emitir um som sequer. Havia magia em seu olhar, ela sabia. Pela primeira vez, deu-se conta de que a plateia começava a se inquietar. Com medo de que começasse uma confusão, apressou-se em dar a mão ao homem que lhe olhava com tanta vivacidade.

Sentiu o calor de sua mão e um arrepio instantâneo tomou conta do seu corpo. No mesmo momento, o homem puxou-a levemente e começou a andar em direção ao corredor lhes levaria para fora. Bella teve a brevíssima sensação de que começaria a voar. Teve certeza, por mais absurda que fosse, de que se continuasse andando com aquele homem de fato voaria.

Seu coração quase saía do peito e sua respiração estava ofegante. A garota ouvia o murmúrio da plateia e via a insatisfação no rosto do maestro. Teve medo e resistiu ao homem. Ele, aparentemente sem entender, parou e virou-se para Bella. Ela largou sua mão. Olhou para os espectadores ao seu lado e pediu para terem calma.

Enquanto o homem permanecia parado no meio do corredor olhando-a, a garota voltou para o palco, pedindo breves desculpas ao maestro. A música tornou a soar. A garota olhava tristemente para o homem. Ele meneou a cabeça e saiu.

Ela sabia que perdera a oportunidade de voar. Por causa de um medo bobo, tolo, faltou com o seu maior desejo. E voltou a cantar. E encantou a todos. E, enquanto cantava, doía-lhe a alma. E viu quando a porta de saída entreabriu-se, deixando vazar uma pequena luz que logo se apagou assim que se fechou a porta.