quarta-feira, 28 de abril de 2010

Sobre a primeira viagem...

Sim... sou marinheiro de primeira viagem. Suscetível a deslizes e fracassos. Não experimentado nos reveses nem nas sortes, fadado, quem sabe, a um destino bem menos romântico que o imaginado. Sim, sendo de primeira viagem, vislumbro-me com as maravilhas que encontro no caminho, e sinto, sinto forte, com emoção que rasga ou alegria eufórica toda vez que, pela primeira vez, a experiência me atinge.

Não... não serei tudo aquilo que posso ser. Não por não querer, mas por incapacidade de prever e de escolher a melhor opção a todo instante e durante toda a minha vida. Certamente em algum ponto escolherei (ou escolhi) o caminho mais fácil ou o mais atraente, mas não o melhor, e essa escolha me seguirá por toda a minha vida, sem que eu seja capaz de dela me desvencilhar. Não o omito, mas assumo, sem medo e sem pretensão de querer ser o melhor.

Talvez... talvez chegue a ser grande, talvez realize imensas obras. Mas o mais provável é que eu siga caminhando como vou, plantando ao meu redor pequenos jardins de flores belas. Infelizmente pisarei em muitas, e, por isso, já peço perdão, pois, sendo de primeira viagem, não estou muito atento ao caminhar. Talvez esbarre com outros caminhantes e juntos (aí sim) façamos algo grande, memorável, que perdure por muitos séculos. Prometo ficar atento: aos sinais, aos que vão, aos que caminham ao meu lado. Mas se porventura a oportunidade passar, não me desesperarei, mas seguirei.

Com certeza, encontrarei tormentas nessa primeira (e única!) viagem. Sem dúvida, não poucas vezes perderei de vista o sol, ou as estrelas que me devem guiar. Mas tentarei aproveitar a brisa leve que de manhã me acordar, me esquentarei no sol quando ele sair, e procurarei forças para sempre navegar. E assim rumarei, sempre rumarei, de velas bem abertas para o vento que soprar, quando para o meu destino ele apontar.

E assim rumarei, sempre rumarei...

terça-feira, 27 de abril de 2010

Sobre uma briga

Se os dois tivessem se encontrado poucas horas antes, tudo poderia ter sido bem diferente. Mas não aconteceu, e os fatos são como são. Não adianta chorar, ou se lamentar, é preciso acolher a realidade como ela é.

Acontece que quando João chegou ao trabalho naquela fatídica manhã de quinta-feira, lançou a pasta sobre a mesa, sem se importar com a papelada que caiu em seguida, e voltou-se furioso para o hall dos elevadores.

Esperou. Esperou. Pessoas entravam e saíam, alguns o cumprimentavam, mas recebiam um ríspido bom dia. Esperou. João já se cansara, quando, finalmente, o elevador abriu-se e dele saiu Mário.

Os dois se olharam furtivamente. A raiva de João transparecia nitidamente pelos seus olhos, e Mário mantinha o olhar firme, fixo no amigo. De impulso, João aproximou-se com o punho fechado e acertou a face esquerda de Mário. Num segundo, Mário revidou com um empurrão, seguido de um chute no estômago. João caiu pra trás, exposto aos ataques do amigo. Quando Mário se preparava para pular em cima de João e continuar a investida, foi segurado por outros dois companheiros de trabalho que passavam por ali. Mário tentava se desvencilhar, mas os dois eram bem mais fortes e jogaram-no no chão.

Os dois ficaram caídos, ofegantes, enquanto os que haviam jogado Mário no chão ficavam de guarda, prontos para contê-los se fosse preciso. Algumas mulheres passaram pelo hall estranhando a cena, mas nada falavam. João levantou-se, encostou no parapeito e apertou o estômago doído.

Mário dirigiu-se ao elevador. Desceu para o térreo e saiu do prédio, para onde nunca mais voltou.

João ficou olhando seu amigo partir. No dia seguinte, descobriria que tudo fora um grande mal entendido, mas Mário já não lhe atendia, nem se deixava encontrar. João deu de ombros para a situação e seguiu em frente.

Orgulhoso, Mário mudou-se e foi viver em outra cidade. E dos que estavam presentes, ninguém nunca soube o que ocasionou a briga.

True story.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Sobre palavras caladas

Inspirado em:
Wild Horses - Rolling Stones (cantado por Dave Matthews)

Perdido. Correndo. Não há muito o que se fazer, não muito mais tempo. A pouca esperança que resta repousa em algumas poucas palavras que ainda podem ser ditas. E que elas sejam compreendidas, disso depende o desfecho da história.

A cada passo, a cada segundo, ele se aproxima inexoravelmente do fim. As palavras guardadas em sua garganta, apenas esperando o momento de serem pronunciadas. O tempo é curto, a distância ainda é longa e a presença se faz cada vez mais nebulosa, imprevisível. Será possível encontrá-la ainda? Ela entenderá?

Quisera ele ter tido mais tempo, ou pelo menos ter aproveitado o pouco que tivera. Agora tudo parece se desfazer sob seus pés, e o apoio que havia para segurá-lo e ampará-lo não está mais lá. O aperto no peito é grande e a angústia toma conta. Por isso ele corre. Para fazer com que o tempo volte e tudo possa ser concertado.

Cada vez mais próximo. O tempo se esvai como água que escorre pelas mãos. Finalmente, ele a vislumbra na distância. O tempo e o espaço se encontram, a expectativa e o real. Não pode parar, agora que está tão perto. Ele a vê caminhando lentamente, em frente a uma imensa casa de fim de semana. Ela se aproxima de um cavalo e o monta, com a destreza que somente ela é capaz de ter. Por um breve momento a garota acaricia o animal, e lhe dá um carinhoso e leve tapa no pescoço.

Ele... mais perto... dela. Estende a mão e grita... mas nenhum som lhe sai. Ela o vê e espera. Ele se esmera, mas já não pode mais suportar o cansaço. Cai. Diante dela, é a hora de pronunciar aquelas palavras que devem ser ditas. Ele respira fundo, fixa o olhar na garota. Vê seu rosto belo evitar as lágrimas e seu olhar desviar-se do dele. Ela espera, ele espera.

Um filme passa em suas cabeças. Lembranças de um passado agora maculado por erros. Lembranças que o fazem sorrir, mas que a ela fazem sofrer. Ele percebe o sofrimento da garota, e as palavras guardadas para aquele momento parecem não mais fazer sentido e se dissolvem em seu coração. Diluem-se em um misto de compaixão e dor.

Ele permanece calado, ela apenas espera uma palavra, qualquer palavra. Ele não diz. Às ordens da amazona, o cavalo faz meia volta. Há um longo caminho à sua frente, há um futuro que a espera, e o que ficar será esquecido com o passado. Ela olha para trás e se despede para sempre com uma lágrima. Ele, calado, a vê se distanciar no horizonte, para nunca mais.

sábado, 17 de abril de 2010

Sobre a felicidade

Alegro-me, felicito-me no entardecer, dourado; no sol que aquece o corpo pronto para a luta e ilumina nuvens brancas agora refulgentes de tanto esplendor.

Alegro-me, felicito-me na brisa leve, mansa, sossegada; no vento que bate e refresca o suor do trabalho pesado, sustento da alma e que dá paz.

Alegro-me, felicito-me na lua cheia, ou na minguante mesmo, que me mostra que não é preciso ser o sol para poder iluminar, basta ser espelho, basta ser reflexo.

Alegro-me, felicito-me em meus amigos, certo de que sou amparado quando preciso, e sou sustento em suas necessidades; em meus amigos que sorriem e choram, brincam e brigam.

Alegro-me, felicito-me em meu respirar, diário, vital; na dinâmica da vida que se revela em mim tão plena e cheia de significado, da vida que quer viver, da vida que quer se dar.

E eu, que em tão grande pequenez me encontro, alegro-me ao poder cantar e dizer, que minha felicidade não está nas coisas, não está no ter.

Minha felicidade está em minh'alma, que projeta em tudo a bem-aventurança do viver, do ser e do se entregar. Minha felicidade está aqui, onde eu estiver, onde eu quiser, estando ela em mim.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Sobre uma expectativa

Expectativa. Enquanto o mundo continuava girando e a história da humanidade acontecia normalmente, sua vida estava parada, em "standby". Expectativa.

As mãos tremiam levemente, mas o coração batia acelerado. Inquieto, andava pelo corredor a passos curtos, mas rápidos... bem rápidos. Cabeça abaixada, como que olhando para o chão para não tropeçar. Não tropeçou, mas esbarrou em dois médicos que também seguiam desatentos.

Era um homem de meia altura, forte, cabelo liso repartido ao meio e algumas espinhas no rosto. Novo. Vestia bermuda, sandália e uma camisa amarrotada com a qual provavelmente estivera dormindo a poucas horas atrás. As olheiras em volta dos olhos mostravam o cansaço dos últimos dias. De fato, as últimas noites haviam sido mal dormidas, de vários alarmes falsos e preocuapação desgastante com o bebê que insistia em não chegar. Trabalhar era quase um martírio e entre cochilos inevitáveis e ligações angustiadas de sua esposa, ele tentava manter a calma e render o quanto pudesse. Felizmente, nos dois dias anteriores seu chefe o liberara para ficar em casa. O que, no entanto, mostrou-se não menos cansativo: "compra isso, faz aquilo, não esquece de ligar para a mamãe...".

Todo aquele stress e cansaço ficara no passado. Agora a ansiedade tomava conta e a alegria contida estava prestes a ser liberada.

Continuou caminhando. Minutos, uma hora, duas horas... Ele sabia que era normal partos serem longos, mas sempre havia uma ponta de esperança de que com ele seria diferente. Mas não estava sendo. De tempos em tempos, um médico ou enfermeira vinha acalmá-lo, dando notícias. A mulher estava bem, o bebê era grande de mais, poderia demorar um pouco. Ele ficava se imaginando na sala de parto, assistindo a tudo, como naqueles filmes em que a mulher segura a mão do marido e faz força, muita força. E depois imaginava o bebê em seu colo, aquele sorriso pequeno, o rostinho enrugado... Ele não podia mais esperar...

Mas teve que esperar. Três horas, quatro horas... muitas horas... dormiu no sofá.

Dormiu pesado, sem interrupções. Nem o barulho da enfermaria ou o telefone tocando de tempos em tempos fora capaz de o acordar. Sonhou sonhos agitados, estremecidos... coisas loucas com água e barulho em toda volta. Era como se estivesse no útero, no lugar de seu filho.

Acordou de repente. Alguém lhe balançava os braços e implorava que acordasse.

- Amor, amor, acorda! - depois de alguns segundos, reconheceu a voz de sua mulher.

De súbito, levantou-se da cama. Sentia-se perdido, derrubado por um caminhão.

- Nasceu? Nasceu? Meu filho nasceu? Cadê? Cadê?

- Não amor, disse sua mulher. Eu só quero uma geleia de mocotó... daquela preta gostosa.

Olhou para a mulher, deitada na cama, com uma imensa barriga proeminente escondendo-se sob o lençol. Olhou para o relógio: 3h23 da manhã. Olhou para si, em pijamas de bolinhas. Sonho, mais um sonho... Colocou as mãos sobre a cabeça, levando os cabelos para trás. Pensou em gritar de cansaço. Pensou em chorar. Ele só queria dormir um pouco!!!

Ainda irritado e cansado, calçou as sandálias, abriu a gaveta e pegou a chave do carro. Ia saindo, zonzo, abatido... quase morto. Quando chegou ao sopé da porta parou. Virou-se e voltou para a cama. Aproximando-se da mulher, colocou as mãos sobre a barriga da esposa e colou o rosto à sua pele. Disse qualquer coisa inaudível. Qualquer coisa na língua dos pais apaixonados. Beijou o filho e saiu. Sorridente.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Sobre solidão

Sentou-se, encostou a cabeça entre os joelhos e, colocando a mão sobre o rosto, ... chorou. Chorou o choro amargurado daqueles que não encontram abrigo para seus corações. Chorou atravessadamente, sem se importar com os que estavam em volta, distraídos em seus mundos particulares.

A música tocava alta, as luzes iam e vinham, fazendo percursos circulares aleatórios. No meio do salão, mulheres suadas escondiam seus verdadeiros rostos sob um mar de cores artificiais. Olhando e desejando essas mesmas mulheres, homens arrumados e "boa-pintas" se reuniam em grupos conversando sobre as melhores investidas.

Naquele dia, nada disso importava para ela. A magia envolvente da noite se dissipara como uma névoa rala em um dia de sol. A euforia, geralmente incontrolável, produzida pela música e a multidão a dançar não lhe tocava mais a alma. Ela era desconsolo e solidão.

Mesmo rodeada por muitas pessoas, entre elas muitos amigos, ela sentia a solidão. Solidão que não era estar só, mas em ser só. Solidão que não dependia da ausência de pessoas, mas da falta de sentido, da falta de uma mão que lhe tocasse o coração.

Desesperada, levantou-se e abandonou a cena. Correu até o carro e começou a dirigir. Apenas dirigiu, sem rumo.

Nos dias seguintes, afatou-se de tudo e de todos. Pouca fala, nenhuma conversa. Estar na presença de pessoas lhe doía, então buscava a solidão.

E na solidão completa encontrou-se a si: amiga inseparável, consolo e companhia.

E se encontrando, também a solidão se dissipou. E, então, voltou a sorrir.

sábado, 3 de abril de 2010

Sobre a falta

Amanheceu cinza. A lúgubre tragédia ainda está viva em suas memórias e a ausência estende-se por todos os minutos daquele dia. Desamparo desmedido. Solidão esmagadora.

A esperança que antes ardia em seus corações fora substituída pela dor de amor. Dor de almas que estão sós. Boas lembranças agora maculadas pela lembrança do sangue escorrido e dos gritos abafados.

Acordar nunca fora tão doloroso. Abrir os olhos inchados de choro incontido, levantar-se do leito com um aperto esmagador no peito, caminhar lentamente para... para onde? Para onde ir? Que caminho seguir?

O nada preenche seus corações, clamando por um sentido novo. Seus corações se perguntam: por que? O quê? E agora? Mas apenas o silêncio lhes responde, a ausência lhes acompanha, e o vazio lhes serve de apoio.

Sentados, olham-se, calados, esperando, buscando em tudo aquilo... buscando?... esperando?...

A vida tomou um novo significado. O que é viver agora? A vida terá o mesmo sabor? Há de vir o dia em que o sorriso será verdadeiro novamente? Viver dói.

A noite cai sobre eles como uma foice arrancando flores de um canteiro, mas o canteiro já está vazio, e não há mais diferença. A noite torna-se uma amiga. Uma companheira que lhes acompanha nas trevas que se instalaram em seu interior.

De olhos fitos no céu, nas nuvens que escondem as estrelas, dormem. E, em seus sonhos, agarram-se à memória dos dias passados, de satisfação e crescimento. E a lembrança é o que lhes resta.

E, naquela noite, prometem reconstruir-se e seguir em frente, se for possível, sem a sua presença.