segunda-feira, 31 de maio de 2010

Sobre a parte que fica

Um pouco de nós mesmos
ficou no espaço entre o hoje
e o dia em que fomos nós.

E hoje somos massa moldada,
ainda disforme, mas acrescentada.
Tolo é quem acha que não muda.
Mais tolo é quem a mudar se recusa.

O mundo em que vivo é o mundo que crio.
E no mundo que crio eu vivo
Sendo menos o que quero ser
E mais o que crio em mim. de mim.

Mas não importa.
Amanhã, um pouco de mim
não sou mais eu.

Que fique, pois, a pior parte.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Sobre farsa, teatro e poder

Everything you know is about to change!

O silêncio era interrompido apenas pela leve batida de canetas sobre as mesas. Toda a comissão permanecia inquieta, angustiada, mas ninguém ousava proferir palavra. Estavam em um dos plenários do Centro de Convenções. A sala semi-circular descia gradualmente da porta de entrada até o palanque central. A cada degrau, uma fileira de mesas beges se estendia de um lado e de outro, com cadeiras pretas giratórias à sua frente. Em cada cadeira, uma autoridade mundial, calada, impotente.

Embaixo, logo atrás do palanque central, um imenso painel eletrônico exibia as palavras: ALERTA MÁXIMO! REUNIÃO EXTRAORDINÁRIA!

Lia levantou-se de seu posto, atrás da mesa central do plenário e andou até os pés da escada. As demais autoridades desviaram o olhar, desinteressados, e aguardaram o pronunciamento da Secretária de Assuntos de Defesa Mundial. Já estavam a horas em reunião, e depois de discussões acaloradas, concluíram que nada podiam fazer. Restou apenas o silêncio e a espera.

Lia respirou fundo e começou a dizer:

- Não podemos nos desesperar, meu colegas. Somos responsáveis pelas pessoas que estão lá fora...

- Somos o quê? - interrompeu um homem alto, barba e cabelos grossos e brancos. Tinha um sotaque russo, ou alemão. - Somos o quê, Sra Lia?

- Responsáveis pelas...

Antes que ela pudesse completar, o homem-russo deu um forte tapa na mesa levantando-se ao mesmo tempo. A cadeira caiu atrás dele, produzindo um baque leve e todos os olhares se viraram para ver a sua fúria. Ninguém se assustou, ninguém gritou quando o homem sacou uma arma do coldre sob a camisa e mostrou para o plenário. Ninguém se importaria se houvesse um assassinato ali. Isso não mudaria nada, e em poucos minutos já não faria diferença. Mas o homem-russo não atirou.

- Olha para esta arma, Dra. Olha para cada um aqui. Sabe o que somos? Nada! Não somos mais do que o povo assustado lá fora. Somos pó, nada mais que pó. Então, desça de sua prepotência arrogante e reconheça de uma vez por todas que tudo está acabado. Não há mais o que fazer. Essa farsa de Defesa Mundial nunca foi mais do que teatro. Teatro e nada mais.

- Teatro! - disse um indiano, do outro lado do plenário. O indiano permanecia sentado, cabeça apoiada sobre a mão direita, enquanto desenhava qualquer coisa com a mão esquerda em um papel à sua frente. - Defesa Mundial - continuou -, como se o mundo não estivesse mais seguro sem a nossa presença.

- Senhores, temo que vocês não percebem a dimensão dos acontecimentos.

- Quem não percebe algo aqui é a Sra, Dra Lia.

Quem interrompia era uma mulher baixa, de cabelos claros e olhos arredondados. Com pouco mais de um metro e meio, a mulher precisava se ajoelhar na cadeira para poder ser vista.

- A dimensão dos acontecimentos? Pois, a dimensão dos acontecimentos nos indicam apenas isso: não há mais o que fazer. Nós falhamos em...

- Não falhamos! - interveio o homem-russo. - Fomos extremamente eficientes no que nos propomos a fazer. Enriquecemos, adquirimos poder - deu uma forte gargalhada ao pronunciar a palavra poder -, e destruímos tudo o que havia em nossa volta e que não nos podia ser útil...

- Poder... - o homem da Índia repetiu, compartilhando da gargalhada do homem-russo. - Quanto poder... que é agora o poder que julgamos ter, se não podemos dar rumo às nossas próprias vidas?

O silêncio voltou a pairar no ambiente. Alguns estavam cabisbaixos, provavelmente pensando sobre como haviam sido estúpidos ao confiar em um poder que nada tinha de grande. Outros apenas pensavam em suas famílias, deixadas em outro país, fadadas a perecer da mesma maneira.

Lia se mantinha em pé, impassível ante as argumentações dos colegas. Mas também calou-se, pois não havia mais o que dizer. Teatro, farsa, poder, defesa mundial... essas palavras caíam pesadamente sobre seus ombros e ela tentava sustentá-las com toda a força de seu coração. Mas era tudo tão pesado! Carregar o fardo da vida de bilhões de pessoas! Ó, como era pesado!

Seria tudo uma grande farsa? Será que nunca estivera de fato, cuidando da vida das pessoas? Os perigos, atentados, guerras, seriam apenas teatros cujos atores eram marionetes manipuladas por poderosos mais poderosos? Tudo teatro, tudo farsa... e ela doando sua vida por um propósito que julgava grandioso, lutando por dar sentido à sua breve existência. E agora tudo ruía, desmoranando como um edifício construído sobre areia. E mesmo que não fosse tudo teatro, agora de nada valia.

E a secretária de Assuntos da Defesa Mundial chorou, querendo apenas ter alguém a quem abraçar. Querendo apenas ter vivido uma vida em que alguém se importasse com ela, e ter tido alguém por quem ela se importasse, pessoalmente.

E, de repente, o silêncio do plenário foi invadido por um estrondoso trovão e uma chuva estranhamente forte. As janelas se quebraram e a sala foi invadida por pingos ácidos e um vento impetuoso. Alguns correram desbaratinadamente, gritando. Mas nem seus gritos podiam ser ouvidos mais.

O homem-russo permaneceu imóvel, com as mãos sobre a mesa e o corpo levemente inclinado. Sorria sarcasticamente.

Lia encolheu-se aos pés da mesa central e ali ficou, chorando.

O indiano aprumou-se sobre a mesa e sentou-se de pernas cruzadas. Olhava para a sala e a correria das autoridades. E ali permaneceu, esperando até que toda a farsa do mundo que conhecia acabasse.

E aos poucos tudo mudou. E nada do que foi restou.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Sobre - sério! - uma chuva de sapos

Chovia sapo! Sim, por mais incrível ou impossível que possa parecer, era exatamente isso que acontecia naquele momento... chovia sapos! E João corria atrás do ônibus, não podia chegar atrasado. Não sei aonde ele ia. O fato é que não podia chegar atrasado, e por isso corria. Ignorou a chuva. Desviava agilmente de cada... gota de sapo?... que caía. Vez ou outra era atingido por um, e isso dóia, mas não o impedia de correr.

O ônibus parou de repente. Todos estavam assustados, extasiados com o acontecimento. Ninguém nunca... jamais!... havia visto aquilo. João, alheio a tudo, deu graças a Deus e alcançou o ônibus. Entrou ofegante, sem ouvir os comentários estupefatos do motorista. Sentou e respirou fundo: uma, duas, três, várias vezes... e aliviou-se. O ônibus continuou. João aliviou-se, pois chegaria a tempo.

Enquanto isso, em algum outro canto... não sei onde exatamente, mas isso não importa... em outro canto, Maria chorava. Amargurada e cansada de todo os esforços que pareciam em vão, chorava. Sentada na escada da varanda, sentia o vento bater e inutilmente tentar levantar seus cabelos presos. Chorar lavava-lhe a alma, e, paradoxalmente, dava-lhe forças.

E eis que, quando a chuva de sapos começou, Maria parou de chorar e riu. Riu alto e largamente, como nunca. Riu como nunca mesmo, não é força de expressão! E rindo soltou os cabelos e deixou-os voar ao vento velozmente, com vários Vs. Viu as pessoas correndo para se proteger, olhando indagativamente para o estranho fenômeno. Ela as ignorava. E esperou... ela sabia que ele viria.

Não importa para onde João ia, nem onde Maria estava. Importa que durante a chuva eles se pensaram, e ao final dela se encontraram. João chegou... molhado?... da chuva e subiu devagar os degraus que levavam até a varanda da moça. Lá na varanda, desviou-se de alguns sapos que pulavam ou coaxavam no chão de madeira. Tocou a campainha e imediatamente - imediatamente mesmo, tipo, milésimos de segundos - Maria abriu a porta, como se já o estivesse esperando. E estava!, mas ele não sabia, e nem se importava àquela hora.

- Oi - disse a moça, timidamente, fixando o olhar no chão e colocando os louros cabelos atrás da orelha.
- Oi - respondeu o rapaz, tentando parecer displicente e olhando em volta de si, como que surpreso. Bem, você me disse que não queria me ver nunca mais, e que eu só poderia aparecer na sua porta novamente quando chovesse sapo. Aí eu achei que devia vir...

Ela deu um breve sorriso e, percebendo que o rapaz ainda estava de fora, abriu bruscamente a porta e apontou-lhe o interior da casa.

-Não quer entrar? Deve estar frio aí fora.

Ele entrou. E os sapos ficaram do lado de fora. Coaxando ruidosamente - pensa no barulho!

No dia seguinte todos os jornais noticiaram a chuva. "Impressionante!" "A ciência explica!" "Seria a primeira das pragas de Deus?"... entre outras coisas.

Mas para João e Maria... bem, para eles, algo muito mais importante acontecera naquele dia. E nunca nem tocaram no assunto.

Que coisa, não?

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Sobre querer mais

É a loucura de nossos dias.
É a procura da felicidade.
É a incerteza da alegria.
É a busca por um sentido.
É estar perto, mas tão distante.
É estar atento, mas vacilar.
É querer bem, mas fazer chorar.
É a tristeza dos perdidos.
É se arrepender da omissão.
É um ateísmo discrente.
É não ter tempo para o mais importante.
É ter tempo... mas não aproveitá-lo.
É deixar passar as oportunidades.
É viver na mesquinhez do dia-a-dia.
É não sensibilizar-se.
É sensibilizar-se... e só.
É passado.
... perdido.
... deixado.
... esquecido.
... passivo.
... espera.
... medo.
... cansaço.
É a necessidade da mudança.
É a chance.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Sobre um amor com som

Tudo bem simples assim. Ele acordava de manhã com o despertador do celular: Dave Matthews, #41, para animá-lo logo ao amanhacer. Se aprontava rapidamente e corria para o trabalho. No carro, Rosa de Saron para ajudá-lo na oração da manhã.

O trabalho era tranquilo, no computador. Cada dia uma trilha sonora diferente: Pearl Jam nos dias mais animados, Dream Theater para descontrair, um sambinha de vez em quando para sorrir. Ele respirava música, sua vida era quase um clip. Andando pela rua, o iPod era seu companheiro, e caminhava, dançando na chuva se preciso fosse.

Nos dias de folga ia ao parque da cidade ao som de Jack Johnson, Jamie Cullum, e ao pôr-do-sol IZ e "Somewhere over the Rainbow" encantavam o coração.

E num desses dias ele a reparou, correndo, linda, fone no ouvido. Corria apreciando a vista e a viu passar. Ele sorriu. No dia seguinte se esbarraram novamente. Ela sorriu. Ao passar por ela, ele sentiu (sabe-se lá como, mas sentiu) que ela olhara pra trás.

No terceiro encontro ele arriscou: "Hey, o que você tá ouvindo?". "Teatro Mágico", respondeu sorrindo, sempre sorrindo. "Por que o mar não se apaixona por uma lagoa?", ele perguntou com ar de dúvida. "Por que a gente nunca sabe de quem vai gostar", ela completou.

E riram longamente, e se completaram. E os dias passavam e continuavam se encontrando, no mesmo parque, nos mesmos dias, no mesmo horário, mas a cada dia em ritmos, tons e melodias diferentes.

E num belo dia ele foi para o trabalho de som desligado. No trabalho, não era o computador que reproduzia músicas, mas seus assobios. E quando a encontrou no parque, estranhou a ausência de fone na garota, e só então percebeu que também esquecera o seu.

Ela olhou intrigada e questionou: "Como assim, correndo sem trilha sonora? Parece que ambos esquecemos de trazer o mais importante pra corrida."

Ele continuou correndo, ouvindo os passos rápidos contra a pista. Respirou fundo e sentiu o vento dar-lhe permissão para dizer: "Não, não esqueci a trilha sonora. É que... sabe... - disse calmamente, como se desconcertado -, 'you are all the music I need'".

E continuaram correndo, olhando para frente. Ele ofegando, tenso... ela séria, pensando, mas sorrindo por dentro, sempre sorrindo...

E começou simples assim...

terça-feira, 11 de maio de 2010

Desabafo... (sem sobre, pq não é literatura!)

Tem sido assim a vida:

Entro em uma nova escola, conheço "novos amigos", mudo meus gostos (sim! muito!), me divirto, me emociono... e de lá saio, ficando a saudade, ficando as lembranças dos bons momentos passados e a aprendizagem nas dificuldades.

E de lá saio, e, invariavelmente, o contato com os antigos "novos amigos" se perde. Um pouco por descuido, mas muito por que agora são novos os "novos amigos". Saio de uma escola e entro em outra, e de lá pra faculdade, e da faculdade para o primeiro emprego, e em breve para o segundo, e terceiro...

Não quero falar só em amigos, mas principalmente nas muitas experiências. Na dinâmica do dia-a-dia que se altera a cada novo momento de vida. Nas mudanças de paradigmas que necessariamente acompanham esse momento. É isso que me tem feito crescer, abrir a cabeça, querer aprender mais, me colocando em desequilíbrio para que eu percebesse que ainda não sou completo.

Foram 5 anos na primeira escola, mais 3 na segunda, mais 3 no ensino médio e 4 na faculdade. O primeiro emprego talvez dure uns 2 anos, sem falar nos 7 anos de Escalada (concomitantes aos anteriores, mas ainda assim, podendo ser divididos em vários momentos muito diferentes, amizades sempre novas, funções novas). Curtos períodos de vida para quem olha de longe, mas o suficiente para que a relação com as pessoas se fortalecesse, para que muitas novas histórias e experiências pudessem ser acrescentadas às antigas. E a cada mudança tudo é TÃO novo! E isso, para o crescimento pessoal, é TÃO bom!

E aí eu penso: chegará o dia em que a vida estabilizará? Chegará o dia em que começarei a trabalhar na empresa por onde me aposentarei, passando ali 30 anos da minha vida? 30 anos!!! Sequer cheguei aos 25...

Sei que sempre conhecerei pessoas novas, viajarei, terei filhos e a cada experiência tudo se renovará... mas essas mudanças de colégio, de trabalho... geram uma mudança pra lá de radical, não?

Sei que este texto é bem diferente da proposta do blog. Inicialmente gostaria de tê-lo escrito de uma forma mais literária, mas me perdi em meus próprios pensamentos e vejo que não há mais volta.

É, meus amigos. Temo pelo dia em que eu diga: "É ISSO! Agora é só esperar a vida passar, e alguma coisa nova acontecer!" Temo deveras ter que esperar, apenas esperar, sem poder fazer, sem ter em que atuar...

É, meus amigos... é duro dizer isso hoje, mas me encontro neste momento atualmente... apenas esperando. E por mais que saiba que a espera não levará mais de 2 anos (sim, estou falando da nomeação em outro concurso, já que o texto não é mais crônica ou conto, mas um desabafo, não me importo)... e por mais que saiba que a espera não será tão longa, estar vivendo um dia de cada vez tem sido doloroso... quer eu admita, quer não...

Pronto, desabafei!

Post Script: um pouquinho de conversa com algumas pessoinhas e percebo que na realidade o buraco é bem mais embaixo... há muitas outras coisas a serem consideradas. Esse momento de vida parece ter um proprósito, é bom que assim seja, ou não. Além disso, o próprio "esperar", é uma experiência e um ensinamento, não? De qualquer forma, continuo valendo-me das palavras acima...

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Sobre o mais alto que eu puder

Eu vou subir o mais alto que eu puder... e de lá vou gritar, para todo o mundo ouvir...

Eu vou subir o mais alto que eu puder... para contemplar o mundo aqui de baixo, tão pequenino...

Eu vou subir o mais alto que eu puder... e não vou descansar até que chegue lá...

Eu vou subir o mais alto que eu puder... e de lá saltarei, em vôo livre, e planarei sobre a montanha, sobre as árvores, ao lado das aves livres que se contentam em ser o que são e voar...

Eu vou subir o mais alto que eu puder... e lá descansarei, respirando o ar rarefeito, frio, que entrará em meus pulmões congelando todo o calor de viver...

Eu vou subir o mais alto que eu puder... e lá avistarei o mundo, que no horizonte bem distante toca o céu, avistarei as nuvens abaixo e acima, e me sentirei o rei do meu universo...

Eu vou subir o mais alto que eu puder... para que quando descer eu possa avisar a todos que o horizonte é bem mais longe do que se vê...

e que é possível ir além do que se crê...

e que a grandeza dos problemas é relativa, assim como a pequenez de um breve gesto de amor...

e que mesmo o coração mais gelado, ainda pode ser aquecido por um longo abraço...

e que a liberdade é o maior dom do ser humano, mas que é preciso saber voar como as aves e não se prender aos vícios do caminho...

Eu vou subir, mas lá não ficarei por muito tempo... por que a vida acontece aqui e é aqui que eu devo estar.