terça-feira, 28 de setembro de 2010

Sobre uma flor

Certa vez, me vi parado diante de uma flor, encantado com a sua pequenez e insignificância. Não, não estava apreciando a sua beleza, sentindo seu perfume ou coisa que o valha. Apenas olhava para ela e me dava conta da sua falta de importância. Apenas uma flor dentre outras tantas, num jardim no meio da cidade movimentada, num local onde não havia bancos para sentar ou calçada para descansar. Uma flor que não contribuía em nada para ninguém.

Permaneci ali, pensando, buscando um motivo para querê-la bem ou razões para considerá-la especial, afinal, todo ser criado deve ter sua importância na magnífica roda da vida... mas não encontrei... Nenhum dos argumentos que me impus foram suficientes para me convencer. E cheguei à fatídica conclusão: aquela flor não tinha valor.

E, tristemente, segui meu rumo para casa. Meu pensamento, no entanto, ficou para trás. Sem encantos, sem perspectivas de ser algo para alguém, sua vida passaria despercebida por todos os outros habitantes do planeta Terra. Provavelmente, eu havia sido - e continuaria sendo - o único a parar para olhá-la, o único que tirara algum pequeno proveito de sua mera existência sem sentido e sem cor. Se ela tivesse olhos, eles esbanjariam solidão e medo e se tivesse lábios eles estariam cerrados, incapazes de se abrir em um sorriso, por breve que fosse.

Assaltado por pensamentos tão estranhos e atormentado pela dor inexistente de uma flor, vi-me incapaz de continuar o percurso que seguia. Parei. Dei meia-volta. Retornei para o jardim que continha a flor. Voltei decidido a colhê-la e plantá-la em um vaso, em minha casa, para que vivesse junto de alguém, fazendo com que tivesse sentido sua brevíssima passagem entre nós.

Ao chegar no jardim, deparei-me com a flor sorrindo, satisfeita em estar ali. Constrangido e sem entender, fitei o olhar sobre ela por longo tempo, procurando compreender o porquê de sua felicidade. Sequer compreendia como ela sorria - na linguagem das flores, mas sorria. Cheguei a perguntar, em voz alta, como um louco que, em momento de insanidade, pensa poder falar com as coisas: "Por quê sorris?"; mas não obtive resposta.

Depois de um tempo, deixei-a a sós com sua felicidade sem motivos e voltei para casa. Naquele dia, rendi-me a uma conclusão inevitável, que, até então, não fazia parte de minha visão de mundo. Aquela flor, inútil e sem graça, me disse com sua existência breve e sem sentido que a vida não exige explicações.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Sobre tomar para si

Foi uma experiência única, fantástica. Ele estava sentado no banco, apenas olhando para frente e contemplando a vida. Revisava os últimos dias, a correria, o cansaço e buscava dar um sentido a tudo aquilo por que passava. Aos poucos, uma paz tomava conta de si, mas sabia que tão logo saísse dali os tormentos continuariam.

Sem que ele notasse, ela se aproximou e sentou ao seu lado. Calada, recostou a cabeça em seu ombro e chorou. Ele, surpreso, apenas segurou sua mão e permaneceu ali, firme, sem questionar ou enchê-la de perguntas desnecessárias. O choro era amargo e ele sentia a respiração ofegante da garota tomar conta de todo o corpo dela.

Depois de um tempo, ela começou a falar. Não foram muitas as palavras, e nem explicavam tudo aquilo que ela sentia, ou o que a fazia chorar, mas foram tão intensas e cheias de dor que ele ficou intensamente comovido e perdido, sem saber o que fazer para ajudá-la.

- O que posso fazer pra te ajudar?

- Nada. Só esteja ao meu lado.

Ele permaneceu firme, mas chorou por dentro, desejando ardentemente que toda aquela dor lhe fosse transferida. Se ele pudesse, tomaria sobre si toda a angústia que estava no coração dela e juntaria às suas próprias, não importava o quanto ele mesmo passaria a sofrer, desde que ela fosse poupada da dor.

E ele desejou isso verdadeiramente. E quando o desejou, passou a compreender muitas coisas.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Sobre a estrada...

Às vezes me vejo sem a noção de estar em mim. Volto ao mundo real de repente, e percebo que por alguns minutos não estive aqui. Sensação estranha de viver sem estar presente, ou de estar presente sem viver. É uma leve e curta ausência do ser, seguida por um dar-se conta.

É que todo dia é sempre assim: o dia vai passando, a rotina se repete e eu esqueço da importância de sentir de novo - mas de maneira diferente - a mesma sensação de ontem e da semana passada. Pra quê? É tudo sempre igual. Ligo o motor na banguela, coloco no ponto-morto (não há melhor analogia), deixo o carro descer a ladeira... e as horas voam como o vento na janela, sem que eu passe a marcha, ou reduza ou faça a curva. Apenas sigo em frente e passo o dia sem perceber que sou eu o condutor, que ainda tenho a obrigação e o direito de dirigir a minha própria vida. Ainda tenho o dever - e ninguém o realizará por mim - de rumar para onde realmente quero chegar.

E ninguém o realizará por mim. Não há barreira policial me impedindo de seguir em frente na rotina e na mesmice. Toda a pista está vazia e livre para que eu continue o mesmo caminho, sempre e sempre, por quanto tempo eu desejar. Mas, quando a gente anda sempre para frente, não pode mesmo ir longe... diria o pequeno príncipe.

Talvez seja preciso virar, ou dar meia volta, sei lá. De repente - sem ser tão radical - parar num posto e comer algo, ou apenas aprecisar a paisagem. Tirar umas férias, quem sabe.

Quem sabe? Se houver combustível para isso...

Mas tlvez a estrada que eu tomei esteja mesmo me levando para um bom lugar... quem sabe?

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Sobre a vista da minha janela

Olho pela janela. Lá embaixo, nas ruas da cidade mal iluminada, contemplo vidas se perderem em um emaranhado de prazeres, contendas, vícios e ódios. Gargalhadas de desespero podem ser ouvidas em meu apartamento, enquanto sinto o frio gelar minhas mãos e pés. E a solidão gela meu coração.

Penso se haverá uma saída para o desespero. Tantos rostos inocentes que não tem para onde seguir, ou com quem conversar. Tudo que precisam é de um abraço, mas só o que lhes oferecem é um trago, ou uma arma. Aceitam, pois, sem culpa.

Sinto-me condenado a sobreviver nessa selva sem regras, sem paz. Culpo o mundo por permitir que tal situação se tenha instalado sob minha janela. Culpo o sistema, a religião, a política. Minhas mãos congeladas desenham palavras de consolo no ar úmido da janela que jamais chegarão a seus destinatários.

Lá embaixo, enquanto crianças se desviam de um caminho que nunca lhes foi apresentado, as sirenes soam, portas se abrem e olhos vermelhos inocentes encaram a arma da justiça e da paz. Chutes, choros e sangue. Correria, gritos. O riso vem fardado.

E assim, a sociedade vil segue seu rumo. E eu culpo o mundo, contemplando a cena na distância da minha janela.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Sobre uma conversa

Ficou atônito! Como assim, de graça? Nada nesse mundo é assim, de graça. Apesar de achar bem suspeito, aceitou, mas não sem antes questionar.
- Assim? De graça?
- É. De graça - respondeu o outro.
- Mas... mas eu... quanto é? Quanto você quer?
- Não quero nada, é de graça! - disse rindo levemente.
Olhou para aquilo que havia em sua mão. Ele recebera, de graça, e não era nem seu aniversário.
- Tá. Ok! Mas agora eu tenho que te retribuir de alguma forma. O que posso fazer por você?
- Nada. Não precisa fazer nada.
- Ok. Eu sei que não precisa, é de graça e aquela coisa toda. Mas agora eu quero retribuir. Não me sentirei bem se não retribuir.
- Então, não retribua. Não por isso.
Aquela conversa já o estava cansando. Ok. Iria pensar em algo pra dar de retribuição. Não precisava contar o que era, nem quando... era só dar de surpresa. Mas parecia que o outro estava entendendo o que ia acontecer, porque logo em seguida comentou:
- E se estiver pensando em fazer a mesma surpresa que eu, só por que está se sentindo obrigado a isso, pode esquecer. Não vai ser a mesma cosia. Nunca vai ser a mesma coisa. Por que eu já me antecipei. Eu já o presenteei, de graça.
- Puts. Mas então. Eu vou ter uma dívida pra sempre com você - disse, tentando achar uma saída para aquela situação embaraçosa.
- Sim. E não.
- Como assim? - ele não estava entendendo.
O outro respondeu, calmamente:
- Vai ser pra sempre, mas não é uma dívida, por que foi um presente e não precisa ser paga.
- E o que vai ser pra sempre, então?
- A sua gratidão. A lembrança da surpresa. A esperança de um dia receber outro presente assim, gratuitamente, e sentir-se amado como hoje.
A gratidão. O outro falara em gratidão e só agora ele percebia que não agradecera.
- Errr. É... Ok. Antes de mais nada, muito obrigado, viu? - disse timidamente.
- De nada. Literalmente, de nada.
Mas não era só isso. Não era só agradecer. Por que esse gesto tão repentino? Ele estava começando a ficar nervoso, por que não entendia. Pensou, antes de continuar.
- Ok -disse. - Agora, qualquer coisa que eu te faça, de certa forma, vai ser por retribuição a esse seu gesto. Querendo ou não, vai ser. E aí? Como fica?
O outro parou um tempo. Talvez não tivesse pensado nisso ainda. Agora, tudo era resposta. Nada mais seria uma simples ação, desprovida de sentido, pura, sem interesse.
- Então que assim seja.
- E tudo bem pra você? Vai ser tudo por retribuição, e nada vai ser natural.
- Não é retribuição, por que não se retribui um presente. E é natural, por que não é obrigado.
Agora ele estava nervoso, realmente.
- Não é por obrigação, mas é por retribuição. Eu quero retribuir - disse em tom forte - por que eu também te amo!
Silêncio.
Respiração forte... respiração leve.
- Ah - disse O outro depois de um momento. - Agora sim.
Ele sorriu. "É - pensou - agora sim".
- Boa noite, Pai.
- Boa noite, filho.
E as luzes se apagaram.