quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Sobre sorrisos

Sorrisos! Eles são encantadores e cativantes.

Penso que o mundo seria mais feliz se sorríssemos mais. Melhor ainda seria o mundo se aprendêssemos a contemplar a beleza e a dar o valor devido ao sorriso que nos é dado. E que o retribuamos é também fundamental.

Pois é bem verdade que não há quem não se desarme de sua rabugice ante um sorriso sincero e inocente de uma criança, ou de um sorriso fofo e desdentado de um bebê. As crianças conquistam com seus dentes à mostra, lábios abertos, risos contidos. E o mundo parece menos problemático quando admiramos um alguém sorrindo alegremente, apesar dos pesares...

Falo sobre sorrisos hoje por que me encantei com uma pessoa. Nutricionista de um restaurante. Sempre sorrindo para os clientes. Sorriso pra dentista nenhum colocar defeito. E um sorriso constante. Parece até que pôs botox! Mas não, é bem natural e sincero. Percebe-se que é prática de vida, e não obrigação da profissão. Quem sai da sua presença, sai um pouquinho melhor do que antes.

Vê-la hoje fez-me lembrar 3 outros belos sorrisos que já me deparei ao longo da vida. Tarefa árdua descrevê-los (tente aí, você, descrever um sorriso), mas vou tentar.

O primeiro deles (em ordem cronológica de aparecimento na minha vida) é de uma amiga do Ensino Médio. Olhos um pouco puxados, orelhas levemente pontudas (o rosto é como o contexto de todo sorriso), "A" sorria sem intimidar-se, mostrando dentes brancos e bem no lugar. Era um sorriso meigo que trazia calma e cativava. "Vens visitar-me todos os dias. Mas ass 4h, por que assim, desde as 3h estarei feliz", dizia o Pequeno Príncipe e completaria se conhecesse essa moça: "E venha com seu sorriso estampado no rosto, por que assim alcançarei tranquilidade." Tranquilidade, calma, paz. Tudo isso ela transmitia com um simples sorriso.

Outro que merece comentários é de outra garota (me perdoem, mas não reparo tanto em sorrisos machos). Loirinha sapeca, é a primeira impressão que se tem dela. Passe um dia com "B" e comece a desconfiar: "Essa sim colocou botox!". "B" tem um sorriso constante, quase eterno! Eterno no pleno sentido da palavra: aquilo que sempre existiu e que sempre existirá. Desconfio que "B" sorri até quando chora.

E por fim o sorriso de "C". Diferente dos demais, mas não menos conquistador. Algo que chega a ser sexy sem jamais ser vulgar, o sorriso de "C" se aproxima mais de um "biquinho", sem deixar de ser sorriso. Lábios levemente torcidos para um lado, não raras vezes acompanhados de uma sombrancelha levantada. Encantador, e por que não dizer, apaixonante.

Há muitos outros sorrisos rolando soltos por aí. Alguns despretensiosos, outros forçados mas não menos belos. É preciso parar e reparar como eles podem mudar um dia. Se os olhos são a janela da alma, o sorriso é um ladrão que a arromba e a invade sem pestanejar. Veja-se cantarolando na rua um dia e pergunte-se o que aconteceu para te deixar feliz: pode ter sido um sorriso recebido. De uma atendente, de um balconista, de uma criança ou de um senhor.

O sorriso é poderoso e é preciso usá-lo. Sorrir, e apreciar sorrisos.

Também é preciso fazer sorrir. Não há melhor ação social, não há maior caridade.

A melhor e mais digna profissão que existe é a do vendedor. Ela ainda vai mudar o mundo.

- Quanto custa essa coca?

- A coca? 3 reais, mas faço por 2 e um sorriso!

Sobre pique-esconde

Quando eu era criança, costumava brincar de pique-esconde embaixo do bloco. Como eu brincava com gente grande, eu era café-com-leite. Era sempre assim: eu me escondia, bisbilhotava e corria, e quando chegava no pique gritava bem alto "1,2,3 Salve eu". E sorria, feliz e contente por ter ganhado.

Só não sabia eu que, por ser café-com-leite, quem contava não se importava em ir atrás de mim. Tanto não se importava que certa vez eu fui esquecido. Foi assim:

Consegui um excelente esconderijo. Era tão bom - e eu sabia disso - que não quis sair para bisbilhotar com medo de ser pego do lado de fora. Ali pelo menos eu tinha certeza de estar seguro. E para mim não importava quanto tempo o jogo iria durar até que me encontrassem. Importava que eu bateria o recorde de tempo escondido sem ser achado.

Mas eu era café-com-leite, então nem me procuraram tanto assim. Fiquei lá, escondido, espremidinho entre três paredes e uma caixa. Não me mexia para não dar pista. Quietinho no meu canto. Sobressaltava-me ouvindo passos próximos e aliviava-me quando se iam.

E o tempo passou, mas quando se é criança o tempo é muito, muito relativo. Hoje lembro que foi tudo em um piscar de olhos, mas, naquele dia, a criança espremidinha deve ter se angustiado um tanto, suspirado um monte e dado asas à imaginação para fazer o tempo passar. Não me lembro, mas deve ter sido assim. Quando quase escurecia, desisti de deixar me procurarem. Saí do esconderijo e fui para o pique, só para descobrir que não havia mais ninguém jogando.

Entristeci-me e chorei, sentado e encolhido, encostado na parede do pique. Coisa de criança que se sente abandonada e injustiçada. Chorei um chorinho gostoso, de quem só quer um carinho do papai e da mamãe. E não é que, enquanto eu chorava, os dois chegaram? Viram-me com rosto molhado e o enxugaram.

Contei tudo pra mamãe. E como num passe de mágica - êta raça porreta essa das mães - o choro se transformou em riso.

Fazendo coceguinha ela me disse:

- Meu filhote é campeão do esconde-esconde! - e piscou para o menininho todo sujo.

E subimos para casa, para um banho quentinho na banheira até os dedos enrugarem e uma sopinha cheirosa antes de ouvir do papai uma história para dormir sem pesadelos.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Sobre solidão e presença

Lá estava ele, sentado sob as estrelas, molhando as calças no sereno da noite, sem se importar. Dirigiu-se para o mais longínquo ponto da fazenda de seu avô. Lá onde não existem luzes, onde os homens não se importam em chegar, e a natureza é soberana em seu reinado. Sentou-se em um vão entre as árvores. Escuro e silencioso como se estivesse em lugar nenhum. Olhou para o vasto firmamento distante e contemplou as estrelas em todo o seu esplendor.

João fugia. Sim! Esta noite, como um desesperado, um homem desamparado e covarde, João fugia de toda a realidade que o circundava, dia e noite, dia após dia... Estava cansado de procurar e não encontrar. Estava cansado de sentir emoções intensas e no final querer mais, mas sem ter tido a sensação de satisfação, de saciedade. Saciar-se. Queria saciar-se de algo, de alguma maneira, mas tudo o que lhe era apresentado o prendia de forma brutal, até lhe deixar em um estágio letárgico, necessitado de mais e de mais e de mais...

E, então, decidiu fugir.

Fugiu daquela realidade que conhecia. Realidade que, estranhamente, lhe parecia forçada e maquiada. Maquiada por mãos humanas imperfeitas que "propagandeavam" beleza e bem-estar onde só havia distração.

O céu estava coberto de pequenas luzes que João sabia terem sido emitidas a bilhões de anos atrás. "Eu... tão pequeno." Pensava. Vislumbrou em um mesmo momento duas estrelas cadentes que brilharam intensamente por um breve segundo formando um arco no céu.

"O homem foge dessa visão. O homem quer se sentir grande, e aqui se sente tão pequeno. Então ele foge e se refugia em sua própria criação, tão menor e menos imponente que a verdadeira criação." Os pensamentos voavam e sumiam como as estrelas cadentes.

Ali, distante de todo o universo pessoal criado pelos homens e por si mesmo, João sentia o triste desabrochar da solidão. No silêncio e no escuro daquela paisagem fria, desprotegido, longe do forte que construíra para sua própria segurança, João sentia uma impotência e uma insegurança esmagadoras. Temia não por sua vida, mas por sua sanidade. Era silêncio e escuridão profundos, e ele não estava acostumado a isso.

Deu-se conta de que havia fugido e se distanciado para ouvir o silêncio, para fugir da correria e das fortes emoções. Não podia voltar sem levar consigo uma experiência que valesse a pena. Decidiu ficar e encarar os seus temores. Queria se acostumar ao silêncio, então calou-se e tentou diminuir o ruído da respiração.

Os pensamentos iam soltos. Pensava em como contaria a seus colegas sobre essa experiência; em todas as coisas que poderiam acontecer ali naquela noite escura; lembrou-se por um tempo de sua ex-namorada, com quem gostaria de ter partilhado um pouco mais de si, com quem gostaria de ter passado momentos de simples silêncio e troca de olhares. "É o ritmo frenético dos dias. Eu me assustava tanto em pensar em momentos de silêncio com ela. Achava que faltar assunto, com qualquer pessoa que fosse, era sinal de desinteresse, ou de falta de papo. Quanta besteira. O silêncio aproxima as pessoas, o silêncio nos faz partilhar o coração. Quantas vezes não nos protegemos e criamos máscaras com as palavras... O silêncio nos faz abaixar a guarda."

E os pensamentos se iam. De um lado para o outro, pulando de galho em galho. E os minutos passavam, e a solidão era sentida. Cada vez maior.

"Estranha sensação. Estranha solidão. Não como aquela que sentimos mesmo quando estamos rodeados por pessoas. Solidão triste aquela. Dá a sensação de que há uma parte de nós que nunca é compartilhada. Faz-me pensar que no fundo, todos somos solitários, todos estamos sozinhos, cada um por si, por que nunca seremos capazes de nos abrir por inteiro a ninguém. Por que há algum lugar em nós que é incapaz de se doar, e há algo nos outros que somos totalmente incapazes de alcançar. Mesmo marido e mulher, mesmo mãe e filha. Há um lugar em que nem mesmo nós alcançamos. Ali mora a solidão profunda."

João permaneceu assim por algum tempo. A noite ia longe, o frio aumentava e seu corpo já estava cansado de estar sentado; as costas doíam e a perna adormecia. Levantou-se e deu uma pequena volta. Sentiu o aperto no peito ao se perceber mais uma vez sozinho... Segundos antes pensava tão vivamente em tantos assuntos que não aproveitara, nem percebera, a falta de alguém. Decidiu silenciar o próprio coração. Decidiu silenciar os próprios pensamentos. Deitou-se na relva molhada e gelada, olhando para o firmamento.

Pensamentos continuavam assaltando a mente de João, mas agora a solidão e a ausência eram mais palpáveis. Estava só consigo mesmo. Entrava nas entranhas de seu próprio ser, vez ou outro afastado de si por preocupações e pensamentos vãos. Esforçou-se por continuar o exercício a que se propora. Afastava cada pensamento, cada preocupação. Esvaziava aos poucos a mente.

A luta travada durava já vários minutos. Em alguns momentos adentrava no próprio silêncio de forma profunda e amedrontadora. Encontrava em si lugares e sensações desconhecidas e silenciadas pelo dia-a-dia. Voltava à superfície de si quando algum inseto desviava sua atenção, mas voltar ao estado anterior se tornava cada vez mais fácil, como se tivesse que percorrer um caminho outrora pedregoso e perigoso, mas agora já aplainado.

Adentrou no mais profundo do seu ser. A noite era só silêncio e as estrelas refletiam em seus olhos fazendo-os brilhar lindamente.

Solidão. Aproximava-se de um abismo escuro e profundo que nunca vislumbrara em si. Chegara a lugares onde nunca estivera e que o repugnavam de tanto mistério. Sentia ali uma solidão imensa e perturbadora. Jamais seria capaz de partilhar aquela parte de si: era muito profunda, era muito EU para poder ser entregue e explicada a um VOCÊ. Era uma parte de si onde morava apenas a solidão, apenas o SER e não a RELAÇÃO.

João contemplou aquele lugar, que não era um lugar, mas uma sensação, uma parte perdida de um todo que aparentemente estava completo. Era bem complexo assim.

Alcançou finalmente o completo silêncio do Ser e da Alma.

...
...


Silêncio.

...
...

E ali, na presença de uma completa ausência, João permaneceu por muitos minutos. Estava absorto em uma tristeza profunda e sem limites. A solidão das solidões. Uma amargura súbita e um esmagar do coração atingiram-lhe. Um choro incontido rompeu a barreira de seus olhos, e lágrimas foram despejadas pelo solo verde. Era um pranto amargo de quem descobria a total ausência de um ser. Uma tristeza pesada. Um choro ácido.

Chorou.

E ali, na ausência de qualquer presença aparente, João finalmente pôde sentir. Suave e forte, tímido e imponente... João encontrara finalmente o que procurava, sem nem mesmo ter buscado. A tristeza se transformou em júbilo - não uma histeria eufórica de um carnaval ou de uma embriaguez -; o júbilo indescritível de quem encontra a razão de uma vida toda.

No mais profundo de seu ser, no mais íntimo de si, onde não há ser humano que possa chegar, partilhar, alcançar... Ali, onde todo ser humano é o que é e nada mais; onde não há máscaras; onde só há a sua dignidade e nada mais; ali onde há a total aparente solidão, paradoxalmente, João pôde sentir: uma doce e suave presença. Mesmo ali, onde só havia solidão, havia uma presença: A Presença!

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Sobre liberdade

Lá embaixo, no fundo do precipício, as ondas arrebentam. A espuma formada se esvai enquanto novas ondas atingem a encosta de pedra. O mar ruge. Seu ruído chega até o topo do morro, a mais de mil metros de altura. Vez ou outra, vislumbram-se carangueijos andando por entre as pedras, arriscando a própria vida em busca de uma toca mais segura, ou de uma presa desatenta. As ondas atingem as pedras; vêm e vão, abrindo sulcos minúsculos que mais tarde formarão uma bela escultura.

Enquanto isso, o sol desponta no horizonte, onde o mar e o céu se tocam. A aurora envia seus primeiros raios para a folhagem exuberante que cobre o topo da encosta. A natureza clareia e os bichos noturnos dão vez aos que apreciam um pouco de sol. O astro-rei sobe, aos poucos, no céu azul e sem nuvens, esquentando o dia e convidando a um passeio ao ar livre.

Sentindo o calor do novo dia, em um ninho escondido entre pedras, a águia acorda. Abre seus olhos de caçadora lentamente, acostumando-se ao brilho intenso do sol. Suas pupilas se fecham e suas pálpebras piscam várias vezes. Ainda sonolenta, esfrega a asa esquerda em sua cabeça suavemente, recostando o bico sobre o abdômen. Prende suas garras ao chão, abre as imensas asas demonstrando uma envergadura de quase dois metros e as bate apenas uma vez para espantar o cansaço, como se estivesse se espreguiçando. Ela contorce seu corpo e se ajeita em pé sobre o ninho, de lado para o sol. Sua postura é bela e de uma realeza visível. Se o leão é o rei da floresta, sem dúvida a águia é rainha dos ares. Ela solta um piado alto. Fecha os olhos, cala-se e respira levemente para ouvir os sons da manhã que nasce.

Já com a vista acostumada à claridade, vira-se para o horizonte. Aguarda uns segundos, parada, como que se exibindo. Dá um passo para a borda do ninho. Encolhe o corpo, abre as asas e pende-se, mirando a vista para as ondas que quebram a muitos metros abaixo. A altura é imensa, a queda é mortal... mas ela sabe que tem asas... Aguarda...

... deixa-se cair livremente, olhos fechados, sentindo o ar fresco fazer caminho entre as penas. As pedras passam rapidamente a poucos metros de seu corpo. Ela sente o corpo em queda, e o som do atrito do ar com seu bico e suas penas. Deixa-se cair por uns segundos, segura. Majestosamente, estica o corpo para a frente. As asas seguram-na no ar. A queda pára e a águia agora plaina sobre as ondas do mar, tranquila. Ela se vê pouco acima do oceano, distancia-se da encosta e olha o mar que se acalma à medida que se afasta do continente.

As águas límpidas e azuis do pacífico. O imenso oceano azul. Milhares de quilômetros de água e mais nada. A águia bate forte as asas para pegar altitude. Voa bravamente contra o vento leste. Voa. Voa livre, como as águias devem ser. Tendo como gaiola o mundo inteiro e nada mais.

Ganha altura e alcança uma altitude razoável, próxima às nuvens, se houvesse nuvens no céu. Plaina, admirando o esplendor do sol que já vai a pino. Enverga-se para a esquerda e dá uma meia volta. Voa velozmente, em paralelo ao continente. Bate as asas. Sobe. Mergulha no ar sentindo a brisa. E plaina. E sobe. E bate as asas. E brinca com o ar, se esquentando no sol. E desce junto ao mar pra se refrescar. Sobe novamente, forçando as grandes asas. Enverga-se para a direita, e voa fazendo círculos no ar. E voa, e voa, livremente.

Quando o instinto avisa, é hora de voltar. A águia, já bem distante da costa, retorna para o ninho, voando vagarosamente, aproveitando cada momento da doce viagem. Ainda na volta, ela já observa os movimentos nas águas azuis, procurando o melhor lugar para caçar. Assim que chega ao ninho, se recolhe sobre as sombras um minuto, restaurando as energias.

A ave agora está em seu momento mais desperto. A vista aguçada trabalha incansavelmente, detectando cardumes e cardumes de presas suculentas. A visão alcança incrivelmente longe, e ela pode ver com clareza cada peixe que se nada próximo à superfície das águas.

Sentindo o vento, instintivamente percebe a velocidade e a inclinação a serem tomadas. Prepara-se com cautela. Aproxima-se da beira do precipício. Abre as asas e, num pulo, alcança os ares. Vira o corpo para baixo e investe em alta velocidade contra o grande oceano. Fecha as asas e cai velozmente, arrumando o corpo na medida da necessidade. A queda é rápida. Novamente, ouve os sons vindos do atrito do ar com o corpo. O oceano se aproxima de sua vista a uma velocidade ameaçadora, mas ela está treinada pelo instinto. A visão continua trabalhando, escolhendo entre as centenas de peixes aquele que será pego. A água se aproxima. A queda é ainda mais rápida. Escolhe e presa, abre as asas, ergue o corpo, estica as patas e abre bem as garras apontando-as na exata posição do peixe.

Sente as garras pegar o alimento e as fecha, cravando as unhas afiadas no corpo do animal. Bate as asas para parar a queda e começa a subir. Vira-se para a encosta novamente e carrega a presa até o ninho. O peixe se debate em suas garras, mas logo estará completamente imóvel. A águia alcança o ninho. Enfia o bico com agilidade sob as escamas e devora sua comida, calmamente.

A noite se aproxima. O pôr-do-sol é maravilhoso e águia o admira saciada e cansada. A lua desponta no céu estrelado, a ave mantém guarda durante algumas horas e depois se deita para descansar. E não se preocupa com o dia de amanhã...

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Sobre um pôr-do-sol

Seis horas da tarde de uma segunda-feira comum de verão. Os carros saem das garagens dos prédios. Dirigem-se às suas casas, onde permanecerão estáveis, parados, até que haja um motivo para sair. Como formigas programadas ao trabalho, milhares de carros percorrem as ruas, escolhem caminhos, param, avançam. Dentro deles, almas silenciadas pelo tempo e a rotina. Almas que se apressam por chegar e descansar em seus leitos, ouvindo telejornais.

Um dos carros, nesse fim de tarde, decidiu fazer outro percurso. Atravessou ruas que acompanharia, e, assim, chegou a um lugar diferente, chamativo.

João estacionou seu carro na beira do parque da cidade. Colocou os óculos escuros que estavam no porta-luvas e, contrariando a rotina e as próprias expectativas, preparou-se para correr um pouco. Correu; contra o sol. O físico debilitado pelo excesso de ócio dos últimos meses.

O rapaz observava as pessoas passando, admirava o verde excessivo que breves chuvas de verão e o sol deixaram na paisagem, e sentia o pulso e a respiração ofegante. João sentiu-se vivo como poucas vezes na vida. Imaginou que se não estivesse ali naquele momento estaria em casa, sentado na frente do computador, enquanto o dia ainda existia lá fora, convidando cada cidadão do planeta a aproveitá-lo.

Os sentidos estavam aguçados. O homem dentro de si despertara... Não era mais um máquina de executar tarefas, tinha escolhas. Sentia o vento bater o corpo e o sol queimar de leve a pele. Ouvia o canto dos pássaros e conversas soltas enquanto passava. Respirava o ar quase puro da natureza.

Passou por duas garotas bonitas que caminhavam rápido e conversavam:

"... é por que mulher nenhuma fica satisfeita. As loiras querem ser morenas, as morenas ruivas..."

Já passara por elas e não ouvia mais suas vozes. Pensou: "Ser humano nenhum fica satisfeito, dona. Sempre queremos mais..."

Alguns metros a frente, um avô gritava com o neto que pedalava:

"Vai lá campeão! Tá andando direitinho."

O menino, com seus 6 anos ou mais, respondeu algo inesperado:

"Campeão, não! Meu apelido é feio! Me chama de feio!"

João olhou para trás para se certificar de que não estava alucinando. Uma criança preferindo ser chamada de feia... "Afinal", pensou, "quem nos impôs a necessidade de sermos belos, se não nós mesmos? Quem nos impôs a necessidade de ganhar? O garoto apenas subverteu os padrões. Que mal há! Sejamos todos feios, e nos alegremos!!!"

Quando fez uma curva, João teve que se deparar com o sol. O brilho intenso do astro ardia-lhe as vistas, obrigando-o a desviar levemente o olhar do horizonte. Continuou correndo por mais alguns minutos.

O dia ia ficando menos claro. A tarde já baixava e a noite começava a se insinuar. No céu, o sol já não era um ponto disforme com um brilho intenso e cegante. Via-se uma bola de fogo imensa descendo o azul, colorindo as nuvens de alaranjado e dando um matiz especial aos verdes nas gramas. João não pôde deixar de contemplar a beleza da visão. O sol estava imenso, e era belo. Já presenciara cenas tão belas assim, mas aquilo lhe pegou de surpresa. Foi inesperado.

Parou a corrida e procurou um lugar melhor para contemplar. Saiu da pista, onde já não havia muitas pessoas, e foi para o meio do parque. Subiu um pequeno morro para apreciar o fim da tarde. Uma pequena coruja sobrevoou sua cabeça quando chegou ao topo e emitiu um piado grave. João considerou um comprimento de boas-vindas, mas não respondeu. Desligou todos os pensamentos. Apenas respirava e olhava o sol descer, imenso, colorindo o céu com um tom agradável.

Percebeu que um senhor se aproximava, procurando, como ele, um bom espaço para apreciar a vista.

"Daqui se pode ver bem o pôr-do-sol, amigo" - disse João.

"Eu sei, aí é um bom lugar", - respondeu o velho, piscando. "Mas você está aí. Preciso de outro lugar".

"Belo pôr-do-sol, hein."

"É! Sem dúvida."

"Dá pra se imaginar? No meio da cidade... como é belo isso!"

O velho olhou para João com atenção. Abriu um pequeno sorriso e respirou profundamente. O rapaz se sentiu medido, avaliado. Desviou o olhar para o sol, mas percebeu que o velho continuava encarando-o. Pouco tempo depois, o velho começou a se aproximar. Não demais, mas o suficiente para João ouvi-lo sussurrar.

"Posso lhe contar um segredo?" - disse. "Segredo!", repetiu o velho, soltando uma gargalhada.

"Sim."

"Isso aqui, meu amigo, esse pôr-do-sol, essa brisa fresca... estão aqui todos os dias."

O velho deu um tapa leve no ombro de João e se foi.

João não respondeu. Não deteve o senhor. Olhou para o relógio. 19h00. Deu um último olhar para o sol que se ia pondo completamente. Antes de ir embora, perguntou-se:

"E onde eu estive?"

domingo, 17 de janeiro de 2010

Sobre utopia às avessas

Era uma cidade:
amigos e casas,
ruas e praças,
sol e peteca.

Os meninos se escondiam,
as meninas procuravam.
Os pais sorriam...
e mais nada.

O pão era fresco,
a água gelada,
comida pra todos,
ninguém suplicava.

Alguém falou: "isso é meu,
vou guardar pra amanhã.
Te dou isso se me entregar
essa carrinho rolimã."

E houve a troca,
e depois a venda.
Cada um guardou o seu,
e escondeu de quem não tinha.

Havia uma cidade,
indivíduos... e casas trancadas.
O sol lá fora,
mas ninguém brincava.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Sobre gritos, medo e mortes

Há certas coisas que acontecem sob o céu que nem mesmo os mais sábios podem compreender. Há criaturas que andam entre nós, alimentando-se de nossos medos, divertindo-se com nossos sustos, sem sequer serem percebidas pelos homens. O imáginário humano pode ir muito longe em suas invenções, mas jamais conceberá algo tão terrível e mortal quanto os monstros que verdadeiramente assombram essas terras.

Há cinco anos, a lua cheia anuncia o terror entre os habitantes daqui. Medo, pânico, morte. Não há janelas fechadas, portas trancadas ou portões protegidos que possam deter a criatura brutal que assombra nossa pequena cidade. Uivos ferozes e rosnados graves antecedem cada grito agudo e desesperado das vítimas. Sangue escoa, tiros são disparados e mais gritos de desespero são ouvidos pelas ruas, seguidos de gemidos sussurrados. As crianças tremem sob o cobertor, chorando silenciosamente para não serem pegas. Os pais, preocupados, fazem vigília com suas espingardas atrás das portas. Pouco antes do nascer-do-sol, alguns homens se aventuram a procurar a criatura, armados. Invariavelmente, encontram um corpo estendido em algum canto, ensanguentado, destroçado. Nem sinal do assassino.

Nesta noite, cansado de chorar a morte, Ed decidiu não se deitar. Armou-se de sua espingarda, despediu-se com um beijo de seu filho que dormia e honrou sua mulher falecida. Pela primeira vez seus olhos não se umedeceram. Lágrimas de saudade, de ódio e de dor haviam secado.

Abriu a porta de casa, trancou-a com chave e cadeado e espetou barras de metal afiadas em vãos devidamente preparados para a ocasião. Qualquer um que se aproximasse inadvertidamente de sua porta teria o corpo preso e trespassado pelas barras. Antes de se afastar, olhou mais uma vez para casa. Suspirou. Sentiu uma imensa pontada de angústia perpassar sua espinha. Apesar da segurança conferida, sentiu que não gostaria que o monstro tentasse se aproximar daquela porta. Temia por seu filho. Quanto a si, poderia morrer em combate, desde que arrancasse ao menos um braço do demônio que matara sua mulher. Caminhou até a praça, cabeça erguida, arma às costas, lanterna em mãos, sem olhar para trás.


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Esta noite estava especialmente estrelada e fria. O vento cortante diminuía ainda mais a temperatura dando uma sensação térmica de quase zero graus. Ed saiu sem seu casaco como o combinado, mas não se sentia gelado.

Quatro homens se encontravam na praça, usando apenas roupas leves, que lhes permitissem correr, e suas armas. Em um dos bancos, três garrafas de aguardente para esquentar o corpo. As garrafas já se iam pela metade quando Ed chegou e se juntou a eles.

- Mais um aventureiro - disse um dos homens, oferecendo a Ed uma dose.
- Antes isso fosse uma aventura, Rich - respondeu, pegando a dose e tomando-a de um só gole.

Rich, um homem alto, de barba mal feita e dentes podres era um dos policiais responsáveis pela vigília noturna. Obviamente, em noites de lua cheia apenas se encarcerava na delegacia e esperava o dia voltar. Nessa noite, no entanto, ele e alguns homens decidiram pôr fim ao medo, ou morrer.

Rich, Eliot, Gustavo e Henry, além de Ed, foram os únicos a aparecer na hora marcada, dos 20 homens que se proporam a arriscar suas vidas.

- Bando de bunda mole - disse Eliot, carregando seu revólver. Que não se atrevam a olhar para minha cara amanhã, caso eu ainda esteja vivo ao raiar do sol.
- Sequer se atrevam a encostar em meu corpo morto, bando de viadinhos - completou Gustavo.

Os dois encheram mais um copo de pinga e viraram. Ambos já estavam bastante alterados, e isso os encorajava realmente, mas Ed não sabia como poderiam enfrentar até mesmo uma mosca bêbados daquele jeito.

Ignorando-os, virou-se para Rich e perguntou:

- Temos uma tática, companheiro?
- Atirar e matar! - respondeu, gargalhando forçosamente.

Ed pôde então sentir a tensão sobre os ombros de Rich. O rapaz estava preocupado, quase apavorado. Ed percebera naquele momento o medo que espreitava o amigo por trás de seus olhos. Suas mãos tremiam levemente, e não era pelo frio. Ed às vezes sentia o medo de outras pessoas, e isso agora o aterrorizava. Já bastava o seu medo por aquela noite, mas tinha também que sentir por Rich?

- Amigo, não se preocupe - disse Ed em tom de consolação. Apenas viva essa noite como se fosse a última. Não pense se estará vivo pela manhã. Considere-se desde já um homem morto e isso lhe tirará o medo. Pois, que há de se temer mais que a própria morte?

Rich pensou por um momento.

- A morte dos meus? – o rapaz abaixou a cabeça e ameaçou um choro.

Ed conhecia o amigo e sabia o quanto os filhos e a esposa de Rich eram amados por ele. Mas ainda que não soubesse disso, tinha certeza de que eram verdadeiras e sinceras as palavras do amigo, por sua própria experiência. A morte dos seus era sem dúvida mais dolorosa que a sua própria.

A noite adentrou a vila e a lua subiu no céu, imensa e iluminada. O silêncio pairou sobre os ombros daqueles homens. Havia alguns minutos que nenhum deles ousava pronunciar uma palavra. O temor tomava conta de seus corações, e silenciar-se era a melhor forma de sentir o medo em todo a sua plenitude. E, estranhamente, essa sensação os completava. Eram homens íntegros e aquela noite exigia medo, dos mais brutais. Não podiam fugir dele, não essa noite.


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Quando a hora chegou – os ataques aconteciam sempre próximos à lua alta -, Ed e seus companheiros armaram-se e partiram para os limites da vila. Não conheciam a criatura, não sabiam de onde vinha. Imaginavam que deveria vir de fora da cidade, pois dentro ninguém a via durante o dia. A vila era afastada de todas as outras cidades. Apenas duas estradas davam acesso a ela e em volta havia uma paisagem quase desértica. Isso facilitaria a visualização da fera, permitindo a antecipação dos caçadores. Decidiram se dividir em dois grupos. Ed e Henry foram para o sul, enquanto Rich, Eliot e Gustavo cobriram a parte norte.

- Eis a sua grande chance, amigo – disse Henry, enquanto acendia um cigarro de palha e dava uma tragada.

- Para quê? – respondeu Ed, despretensiosamente, apesar de saber a resposta.

Sim. Ed sabia o que todos sentiam sobre ele. O rapaz já fora o homem mais bem sucedido das redondezas. Não era rico, não tinha muitos bens. Não era sobre isso o seu sucesso. Ed era o cara mais... Na verdade, Ed era o cara. Uma esposa maravilhosa. Um filho lindo e saudável. Respeitado padrão de vida, bem visto e bem quisto por todos. Era o tipo de pessoa a quem se procurava quando se precisava de uma mão. Sempre disposto a ajudar, com sorriso largo e sincero no rosto. Ed nunca havia chorado... Até que um dia, um fatídico e inesquecível dia, a esposa de Ed foi encontrada morta, arrastada de sua casa até a estrada que ruma para o sul. Esquartejada e arranhada por garras não humanas. Foi o primeiro ataque da fera. A partir de então, em toda lua cheia, o incidente se repetia, causando pânico e terror em todos, exceto em Ed. Desde aquele dia, Ed só sentia tristeza, amargurada e sufocante tristeza, e nada mais. Ed nunca mais sorrira.

Por isso, todos comentavam entre os corredores, nas mesas de bar e em suas casas: “Pobre Ed”. E ele sabia, e desviava o olhar daqueles que lhe tinham pena. E a tristeza crescia a cada dia, junto com a fúria e o ódio ao ver a fera atacar novamente, e novamente, e novamente.

- Para a sua vingança – retrucou Henry, cortando seus pensamentos.

Ed carregou a espingarda com duas grandes balas. Corrigiu a postura, acelerou e firmou os passos. Sem olhar para trás, sem encarar Henry, gritou em alta voz:

- AQUELA FERA VAI SE ARREPENDER DE TER NASCIDO, HENRY. CERTAMENTE VAI.

E acelerou ainda mais o passo para que o amigo não percebesse o soluço contido. Enraivecido e tentando conter os sentimentos, Ed, de repente, sentiu uma dor afiada no meio da cabeça e caiu no chão. Ouviu Henry gritar alguma coisa incompreensível e apagou.


**********


A vila era pequena, de forma que Rich e os outros ouviram tiros serem disparados no outro canto. Juntamente com os tiros, podia-se ouvir gritos vindos de dentro das casas. As pessoas acordavam, as luzes se acendiam, e a esperança contida de que não haveria mortes naquela noite se esvaía. Os primeiros gritos geraram mais gritos, e mesmo aqueles que acordavam sem ouvir o tiro já sabiam que tinham motivos para chorar, gritar e desesperar.

Rich, Gustavo e Eliot correram o mais rápido que podiam. A embriaguez desapareceu assim que o pânico medo tomou conta de seus corações. Corriam como se disso dependesse suas vidas.

Antes de virar a última esquina que daria plena visão à entrada sul da cidade, Rich parou os homens que o seguiam na corrida, pediu para que respirassem e sussurrou as palavras que dissera a Ed mais cedo:

- Atirar e matar, meus amigos. Se virem alguma coisa, atirar e matar! Um, dois, vai!!!

Rich virou-se de supetão apontando a arma para o horizonte. Apontou para o vazio do deserto. Não havia ninguém ali a não ser o corpo sem vida de Henry, segurando sua arma em uma mão e o outro braço esticado. A arma de Ed também estava ali, mas não havia sinal do companheiro. Quando Rich se aproximou, viu algo que lhe gelou o coração.

Aparentemente, Henry, antes de dar o último suspiro, tivera tempo de deixar um recado. Em letras de sangue, havia uma frase no chão:

“Matem Ed”.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Sobre os dias que correm e somem

Ano novo, vida nova, texto velho.
Escrevi esse texto para o Alpinista - Jornalzinho do Movimento Escalada - ano passado. Achei que como estamos passando por uma virada de ano, não seria mal refletir um pouco sobre a correria do dia-a-dia e a rápida passagem do tempo.
Lá vai!


A vida muito corrida não deixa tempo para pensar. No ritmo acelerado dos dias, é preciso estudar muito, trabalhar mais ainda, encontrar os amigos, ajudar em casa, estudar mais um pouco, ter aulas de inglês, de espanhol, de francês, árabe, mandarim, russo, grego, fazer natação, voley, handball, futebol, ir para a academia, namorar, estudar mais e se sobrar tempo dormir. UFA! É preciso respirar também.

E assim “os dias correm e somem e, como o tempo, não vão voltar”.

O verso destacado é de uma música da banda Rosa de Saron e continua assim: “só há uma chance pra viver”.

Só há uma chance pra viver! Para muitos, essa frase é usada para justificar o “chutar o pau da barraca” e aproveitar tudo o que a vida tem para oferecer: Carpe Diem, aproveite o hoje! Para outros, esse verso é incentivo a uma entrega de corpo e alma pelos ideais a que se propõem, sejam eles de cunho humanista, ambientalista, religioso: a vida é uma só e é breve, não terei outra chance de deixar minha marca, de fazer diferença; é preciso agir.

E você? O que lhe suscita ler esse verso? Só há uma chance pra viver! O que você quer viver que não pode ser deixado para depois? Vamos, pense. Sei que você tem a sua resposta!

Pensou? Pois bem, talvez não tenha sido esta a sua resposta (talvez nem lhe tenha passado isto pela cabeça), mas muitos responderiam que só se tem essa chance para oferecer à vida tudo o que eles têm de melhor. Esses homens e mulheres a quem me refiro foram santos. Não só os santos dos altares e imagens nas igrejas, mas também os anônimos e silenciosos que não ficaram conhecidos mundialmente e cujo único milagre foi viver uma vida de amor e doação.

São homens e mulheres que souberam aproveitar cada minuto que corre e some para deixar no mundo uma gota a mais de sanidade, compreensão, carinho, amor mútuo, solidariedade, amizade, paz, justiça, igualdade... Enfim, esses homens e mulheres colocaram os valores cristãos no centro de suas vidas, colocaram o próprio Cristo no centro e o levaram a todos quantos cruzaram seus caminhos. É o caso de São Francisco de Assis, Madre Tereza de Calcutá, João Paulo II, Gilmara Bezerra, tia Erineide (não conhece as duas últimas? Pergunte a um alpinista um pouco mais antigo e ele lhe dirá quem são, com muito carinho e um sorriso bem grande).

Eles souberam viver! E por isso seus nomes se perpetuam até hoje em nosso meio, trazendo mensagens de amor e de esperança para um mundo que às vezes parece sem conserto; um mundo em que crianças definham de fome, países guerreiam por dinheiro, jovens brigam entre si por rixas tolas, pais e filhos não se entendem...

Volto a perguntar: e você? O que lhe suscita ao ouvir que só há uma chance pra viver? Como você tem gastado os minutos que correm e somem? Você tem deixado um rastro de amor? Um rastro de ódio? Ou não tem deixado rastro nenhum?

Sempre é tempo de mudar. Sempre é tempo de recomeçar e tornar nossas vidas mais dignas de serem lembradas por muitos como uma vida que não passou, mas permaneceu. Pode ser difícil começar a viver diferente, mas vale a pena. Além disso, nós alpinistas temos um grande apoio, um grande professor, um grande exemplo a seguir: Jesus Cristo. Que outra pessoa fez mais diferença neste mundo? Que outra pessoa deixou maior rastro de amor?!?!

Ele nos ensinou e nos ensina. Podemos saber o que ele fez e imitá-lo ao ler seus Evangelhos. Podemos pedir que nos ilumine e bater um bom papo com ele nas adorações mensais da Escalada.

Só há uma chance pra viver! Não podemos perder tempo desperdiçando nossas vidas como copos descartáveis, se podemos ser sal da terra e luz do mundo.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Sobre sei lá...

Às vezes, João apenas sente vontade de...

sei lá...

Apenas gostaria de que não tivesse que ir dormir, por exemplo. Não pelo amanhã, ou pelo medo dos pesadelos. João apenas gostaria de continuar assim, como está. Não que ele esteja assim tão bem, nessas horas. Tampouco está mal.

Só não gostaria de... sei lá...

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Sobre olhar com olhos diferentes

A festa acabou. Depois de muitos beijos, abraços, desejos de feliz ano novo, e novamente beijos e abraços de despedida, a festa finalmente acabou.

João voltava para casa com um leve sorriso no rosto. Alegria. Encontrar-se com os melhores amigos, recordar boas histórias do ano que passou, dançar, beber um pouco além da conta, dar boas gargalhadas e projetar viagens para o futuro. Uma festa perfeita, assim como devem ser as festas de virada de ano.

As lembranças do ano que passou eram tantas e tão boas que João decidiu apenas continuar dirigindo enquanto pensava. Entrava em algumas ruas, dava meia volta, abria o vidro, sentia a brisa. A primeira brisa do ano. Um bom começo, pensou.

De repente, João se lembrou que esquecera a máquina fotográfica na casa de Maria. Imaginou que não seria incômodo voltar para pegá-la. Pegou o celular, mandou uma mensagem e começou o caminho de volta.

As ruas que levavam até a casa de Maria eram mal iluminadas, e naquele momento do ano estavam totalmente desertas. Os muros altos cobertos por trepadeiras e o farol alto do carro de João terminavam de dar um ar amedrontador para aquele local. João podia se imaginar em um filme de terror, ou de suspense, sendo perseguido por um louco qualquer com uma faca ensanguentada na mão, sedento por ceifar a vida de mais uma vítima.

"Que pensamentos estranhos pra se ter no começo do ano, hein?" - pensou o rapaz. De qualquer forma, provavelmente não era o primeiro a pensar aquelas coisas, tão pouco seria o último. E tão pouco isso importava no momento. O importante foram os outros pensamentos que assaltaram a sua cabeça.

À medida que se aproximava da casa de Maria, João passou a sentir um estranha, porém conhecida, sensação. Estranhamente conhecida sensação. Ou melhor, conhecida. Ponto. Mas aquilo era estranho. Enquanto dirigia e esperava a mensagem de resposta de Maria, sentia uma necessidade imensa de ler as palavras que ela escreveria. E ao mesmo tempo, estava alegre porque iria revê-la em tão pouco tempo. Quem sabe poderiam conversar até mais tarde, assistir ao nascer-do-sol juntos. Quem sabe até...

"Opa, isso é estranho. Maria?", isso era estranho.

O celular de João vibrou. Chegava uma mensagem. Seu coração bateu um pouco mais forte. Mas não havia muito mistério. Seria apenas uma mensagem de "OK, pode vir". E era.

"Cara, o que é isso? Tanta emoção por uma mensagem? ...". João relutou contra os pensamentos durante alguns outros minutos. Abriu mais ainda o vidro do carro, aumentou o som e deixou o vento e o U2 levarem embora o constrangimento da paixão recém-descoberta. Até que finalmente se rendeu...

"Qual é, cara? Você sabe... sempre soube... sempre houve algo a mais. Ela é interessante, engraçada, é da galera, e é extremamente bonita. Você sempre teve uma queda. E sempre vai ter. ... ... O que não exclui o fato de ser estranho, afinal, tantos anos de amizade e só agora, de repente, isso surge? Tudo bem, nós não somos os amigos mais próximos, mas sempre fomos bons de conversa. Mas, qual é? 'João e Maria', isso seria no mínimo ridículo."

E assim continuou a pequena viagem até a casa da garota. Quando chegou, João saiu do carro, não sem antes arrumar o cabelo. Fez toda a pinta de desentendido que pôde e pressionou levemente a campainha.

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Enquanto esperava por Maria, João decidiu tirar aqueles pensamentos da cabeça. Provavelmente seria melhor ligar para ela e chamá-la para um almoço outro dia. Agora ambos estavam cansados e fatigados da festa...

- Oi, "João Sempre Esqueço Alguma Coisa". - Maria já abriu a porta, interrompendo seus pensamentos, com sorriso no rosto, a máquina em uma mão e fazendo o sinal de aspas na outra.

- Haha, engraçadinha. Foi muito champanhe por uma noite...

João pegou a máquina, olhando profundamente nos olhos de Maria. Seus dedos se tocaram e ele pôde sentir o leve arrepio que a garota sentira. Ela desviou o olhar e pareceu sem graça por um segundo. Era aquele o momento, estava tudo perfeito.

- Maria, olha... É... eu vim pensando no caminho. Lembra daquele restaurante japonês que lhe falei. Que tal se nós... um dia desses... fôssemos juntos? Eu e você?

O sorriso que surgiu em seus lábios não podiam indicar outra coisa senão correspondência. Maria dera um sorriso tão grande, que João pôde jurar que viu refletir a luz da lua em seus dentes. Ele, então, aproximou-se da garota. Segurou-lhe a mão, e como quem ia se despedindo, deu-lhe um beijo em uma face, e outro na boca. E os dois se beijaram, então, calorosamente durante alguns minutos e...

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Isso é o que ele gostaria que tivesse acontecido, mas...

Quando Maria realmente abriu a porta, interrompendo os devaneios de João, o garoto simplesmente voltou ao normal. O normal era como ele sempre se comportava com os amigos, ou melhor, com aquelas amigas solteiras por quem aparentemente não tinha qualquer tipo de interesse. Pegou a máquina que estava com Maria. Pensou em puxar assunto, mas enquanto pensava a menina esperava, com a porta semi-aberta, em silêncio. João sentiu o silêncio constrangedor, então apenas lhe agradeceu e lhe deu mais um beijo de despedida.
Voltou para o carro e viu a garota fechar a porta assim que passou pela frente da casa. E voltou às ruas com seus pensamentos.