quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Sobre liberdade

Lá embaixo, no fundo do precipício, as ondas arrebentam. A espuma formada se esvai enquanto novas ondas atingem a encosta de pedra. O mar ruge. Seu ruído chega até o topo do morro, a mais de mil metros de altura. Vez ou outra, vislumbram-se carangueijos andando por entre as pedras, arriscando a própria vida em busca de uma toca mais segura, ou de uma presa desatenta. As ondas atingem as pedras; vêm e vão, abrindo sulcos minúsculos que mais tarde formarão uma bela escultura.

Enquanto isso, o sol desponta no horizonte, onde o mar e o céu se tocam. A aurora envia seus primeiros raios para a folhagem exuberante que cobre o topo da encosta. A natureza clareia e os bichos noturnos dão vez aos que apreciam um pouco de sol. O astro-rei sobe, aos poucos, no céu azul e sem nuvens, esquentando o dia e convidando a um passeio ao ar livre.

Sentindo o calor do novo dia, em um ninho escondido entre pedras, a águia acorda. Abre seus olhos de caçadora lentamente, acostumando-se ao brilho intenso do sol. Suas pupilas se fecham e suas pálpebras piscam várias vezes. Ainda sonolenta, esfrega a asa esquerda em sua cabeça suavemente, recostando o bico sobre o abdômen. Prende suas garras ao chão, abre as imensas asas demonstrando uma envergadura de quase dois metros e as bate apenas uma vez para espantar o cansaço, como se estivesse se espreguiçando. Ela contorce seu corpo e se ajeita em pé sobre o ninho, de lado para o sol. Sua postura é bela e de uma realeza visível. Se o leão é o rei da floresta, sem dúvida a águia é rainha dos ares. Ela solta um piado alto. Fecha os olhos, cala-se e respira levemente para ouvir os sons da manhã que nasce.

Já com a vista acostumada à claridade, vira-se para o horizonte. Aguarda uns segundos, parada, como que se exibindo. Dá um passo para a borda do ninho. Encolhe o corpo, abre as asas e pende-se, mirando a vista para as ondas que quebram a muitos metros abaixo. A altura é imensa, a queda é mortal... mas ela sabe que tem asas... Aguarda...

... deixa-se cair livremente, olhos fechados, sentindo o ar fresco fazer caminho entre as penas. As pedras passam rapidamente a poucos metros de seu corpo. Ela sente o corpo em queda, e o som do atrito do ar com seu bico e suas penas. Deixa-se cair por uns segundos, segura. Majestosamente, estica o corpo para a frente. As asas seguram-na no ar. A queda pára e a águia agora plaina sobre as ondas do mar, tranquila. Ela se vê pouco acima do oceano, distancia-se da encosta e olha o mar que se acalma à medida que se afasta do continente.

As águas límpidas e azuis do pacífico. O imenso oceano azul. Milhares de quilômetros de água e mais nada. A águia bate forte as asas para pegar altitude. Voa bravamente contra o vento leste. Voa. Voa livre, como as águias devem ser. Tendo como gaiola o mundo inteiro e nada mais.

Ganha altura e alcança uma altitude razoável, próxima às nuvens, se houvesse nuvens no céu. Plaina, admirando o esplendor do sol que já vai a pino. Enverga-se para a esquerda e dá uma meia volta. Voa velozmente, em paralelo ao continente. Bate as asas. Sobe. Mergulha no ar sentindo a brisa. E plaina. E sobe. E bate as asas. E brinca com o ar, se esquentando no sol. E desce junto ao mar pra se refrescar. Sobe novamente, forçando as grandes asas. Enverga-se para a direita, e voa fazendo círculos no ar. E voa, e voa, livremente.

Quando o instinto avisa, é hora de voltar. A águia, já bem distante da costa, retorna para o ninho, voando vagarosamente, aproveitando cada momento da doce viagem. Ainda na volta, ela já observa os movimentos nas águas azuis, procurando o melhor lugar para caçar. Assim que chega ao ninho, se recolhe sobre as sombras um minuto, restaurando as energias.

A ave agora está em seu momento mais desperto. A vista aguçada trabalha incansavelmente, detectando cardumes e cardumes de presas suculentas. A visão alcança incrivelmente longe, e ela pode ver com clareza cada peixe que se nada próximo à superfície das águas.

Sentindo o vento, instintivamente percebe a velocidade e a inclinação a serem tomadas. Prepara-se com cautela. Aproxima-se da beira do precipício. Abre as asas e, num pulo, alcança os ares. Vira o corpo para baixo e investe em alta velocidade contra o grande oceano. Fecha as asas e cai velozmente, arrumando o corpo na medida da necessidade. A queda é rápida. Novamente, ouve os sons vindos do atrito do ar com o corpo. O oceano se aproxima de sua vista a uma velocidade ameaçadora, mas ela está treinada pelo instinto. A visão continua trabalhando, escolhendo entre as centenas de peixes aquele que será pego. A água se aproxima. A queda é ainda mais rápida. Escolhe e presa, abre as asas, ergue o corpo, estica as patas e abre bem as garras apontando-as na exata posição do peixe.

Sente as garras pegar o alimento e as fecha, cravando as unhas afiadas no corpo do animal. Bate as asas para parar a queda e começa a subir. Vira-se para a encosta novamente e carrega a presa até o ninho. O peixe se debate em suas garras, mas logo estará completamente imóvel. A águia alcança o ninho. Enfia o bico com agilidade sob as escamas e devora sua comida, calmamente.

A noite se aproxima. O pôr-do-sol é maravilhoso e águia o admira saciada e cansada. A lua desponta no céu estrelado, a ave mantém guarda durante algumas horas e depois se deita para descansar. E não se preocupa com o dia de amanhã...

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