segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Sobre a morte e a vida

Quando chegou, uma folha seca desprendeu-se de um galho, desceu calma do alto em uma dança ao mesmo tempo lúgubre e bela. Rodopiava ao vento, lentamente, fazendo curvas, idas e vindas, voltas e revoltas, até pousar aos seus pés. Enquanto ele observava a exibição graciosa da natureza, pensava sobre a morte e a vida. Velórios sempre o faziam pensar. Poucas vezes se entristecera de verdade, mas sempre saía reflexivo, e até mesmo disposto. Disposto a viver a vida de uma forma nova, mais vivida e menos arrastada.

Entrou na capela e deparou-se com o corpo velado. A família em volta do pai, irmão, marido... todos choravam um pranto inconsolado, mas permaneciam firmes, com uma certeza estampada no rosto que só os que confiam podem ter. O choro era saudade, o choro era vazio, mas de forma alguma desespero. Encontrou os familiares, deu um abraço apertado e disse poucas palavras que para ele pareciam sem sentido naquele momento. Nessas horas, as palavras sempre sobravam.

Encontrou um canto meio vazio, meio escondido onde ficar. Estava só, entre amigos e família do falecido, mas não via nenhum conhecido presente. Permaneceu ali, observando, esperando o triste e necessário rito de despedida de um corpo já sem vida, imóvel. Era necessário despedir-se. Os últimos momentos em que os olhos veriam o rosto antes tão presente em suas vidas, mas que agora nunca mais seria visto. E nunca mais, pensou, é muito tempo!

Ouvia algumas conversas soltas ao seu redor:

- Como eu odeio velórios - disse uma senhora bem apessoada à sua direita, para o homem que deveria ser seu esposo. - É tão triste, nos faz pensar em coisas tão ruins.

O senhor ao lado apenas meneou a cabeça afirmativamente, enxugando os olhos da senhora com um lenço branco.

Ele já sabia disso. As pessoas, de forma geral, odeiam ter que partilhar a dor e, principalmente, senti-la. Mas, estranhamente, achava que esses momentos traziam muitos aprendizados. O problema das pessoas com velórios é que eles as obrigam a pensar na vida. E isso era algo muito sério. Pensar na vida exige de nós uma força e uma ousadia que teimamos em manter reprimidas e desacordadas. Pensar na vida e na morte exige de nós a coragem da mudança. Acontece que o ser humano vive com medo. É o medo de não dar conta, de lutar anos e anos por algo que talvez não alcance. Então, busca o caminho mais fácil. O caminho das coisas certas, que lhe proverão de certa felicidade e comodismo. Daí, para aliviar sua consciência de não estar enfrentando os desafios por conta de medos, afoga-se numa rotina desesperada, sem parar, sem refletir ou avaliar-se. E o medo esconde-se debaixo do tapete... escondido, invisível, mas ainda presente.

Então, a morte de alguém lhe coloca diante de outra questão. Não é mais o medo de não conseguir, de lutar e morrer na praia. A morte, o velório, confronta-o com o medo de morrer sem fazer da vida algo que valha a pena. E, necessariamente, a morte de alguém lhe dá o tempo necessário - uma tarde que seja, uma madrugada - para pensar no assunto. E tudo o que se quer é que aquilo acabe, as exéquias sejam ditas, o corpo enterrado, e com ele todos os pensamentos que tiram a paz placebo que a rotina entediante dá ao coração. Enfrentar seus próprios medos, eis o maior medo dos homens, eis do que eles fogem dia e noite...

Em outro canto, enquanto pensava todas essas coisas, havia um padre conversando com a esposa. Ele a consolava com palavras catequéticas, teológicas. Palavras que encontravam o racional facilmente, mas que teriam que enfrentar uma longa jornada até chegar ao coração.

- Ele agora está no descanso eterno. Lembre-se que a tristeza da perda é nossa. Ele está bem, e não poderia estar melhor.

Alguma coisa naquelas palavras estranhamente tocou fundo no seu ser. Ele já não ouvia a conversa ou sequer se dava conta de onde estava. Pensar na possibilidade de um descanso eterno fez com que saísse de si e se imaginasse em um paraíso onde apenas descansasse. Ele pensou que talvez isso fosse por demais entediante. O paraíso não deveria ser assim... Um eterno descanso. Mas, então, pensou nas tantas vezes em que se sentira esgotado, completamente sem forças para continuar em pé, resistindo bravamente para levantar-se num dia após o outro e outro...

Pensou que poderia existir esse descanso eterno. E pensou que gostaria muito de vivê-lo, mas apenas se chegasse cansado, exausto, consumido. Consumido... essa era a palavra. Decidiu que queria consumir-se até a última gota de suor, até o último pingo de sangue, buscando seus ideais, colocando em prática seus projetos, estando onde precisassem dele, esquecendo completamente de si e doando-se a todos. Imaginou que se conseguisse consumir assim a sua vida, desgastando-se em absoluto, um descanso eterno seria uma experiência mais que merecida.

E confrontou o medo de viver com a vontade de se entregar inteiramente a algo que valha a pena. Olhou para as pessoas a sua volta e, de repente, sentiu-se extremamente só em seus pensamentos. Por que ia tão longe nessas reflexões? De que lhe adiantavam? Não poderia simplesmente viver sem questionar-se?

Enquanto o corpo era levado à sepultura, com os vivos em procissão, pensou: "Tenho sempre que fazer uma escolha: encarar de frente, na solidão, o profundo que há em mim, ou ignorá-lo e apenas viver o dia-a-dia."

E voltou pra casa, mais vivo em seus pensamentos.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Sobre celebrar a amizade

Vamos celebrar a amizade. Celebrar o riso solto, sincero, na certeza de que podemos ser nós mesmos e nada mais, sem medos ou receios de quem nos julgará.

Vamos celebrar o sol, o vento, o frio e a chuva. Celebrar o clima que vier, pois não importa como está o tempo, mas quanto tempo nós èstamos juntos.

Vamos celebrar o mar e a praia e desejar que as ondas tragam mais dias como esses, e levem nossa alegria para quem precisar, quem quer que sejam e onde quer que estejam.

Vamos celebrar a música, as vozes roucas. Celebrar os abraços e beijos e a vida que pulsa mais forte quando temos à nossa volta aqueles que queremos bem.

Sobre estar diante do mar

Sozinho... com o mar. Enfrento suas fracas ondas, cuidando pra não me perder de mim.

Vejo no oceano um barco a navegar distante. Será que o marinheiro vê que eu o vejo e invejo? Será que olha para mim de longe e ri de meu desejo tolo? Quisera agora estar em seu lugar, com o mar ao meu redor e nada mais, o infinto me cercando por todos os lados, e eu, pequeno, me deixando engolir. Será que, ao contrário de mim, ele deseja voltar e estar em meu lugar?

Fecho os olhos e escureço-me. O vento e o mar soam perto e levam pra longe minha alma, que só quer estar ali. E o pensamento voa, como a andorinha sozinha que se perdeu das outras, mas está feliz pela liberdade que adquiriu.

E bate forte em meu peito o desejo intenso de me lançar ao ar. Jogar-me ao mar, e deixar que as ondas me levem pra onde quiserem, sem rumo, sem direção, sem data pra voltar. Pois estou cansado de querer ser muito e me pergunto o que é a vida, senão o querer ser parte de um todo muito maior, como uma gota em um imenso oceano sem fim.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Sobre a grandeza vs a pequenez

Enquanto vivo minha pequena vida e elevo-me à estatura de um adulto sério, o mundo ignora-me e acontece ao meu redor. Olho longe, no horizonte bem distante, entre o céu azul e o azul do mar. Ali tudo parece terminar. Mas o que aparenta ser o fim é apenas o começo de uma longa jornada. Pois o oceano continua, e continua... além do infinito, que não pode ser alcançado só.

E no profundo abismo do oceano, tão longe quanto pode ir a luz, e até um pouco mais, uma explosão de vida respira alheia a tudo o que chamo de importante. E no alto do céu, tão alto quanto eu possa ver, e até um pouco mais, o ar inspira infinitude, rebaixando-me à altura de um ser tão pequeno e insignificante, e até um pouco mais.