terça-feira, 31 de agosto de 2010

Sobre um meio sem fim

Quando deu por si, estava correndo. Corria com todas as forças de suas pernas, a respiração ofegante, desviando de troncos, raízes e galhos. Onde estava? Por quê corria? Quem sou eu? A noite era clara, mas a lua cheia iluminava apenas as copas das árvores e pouca luz atravessava o dossel da floresta até o chão. Tomy corria praticamente às escuras. Tomy? Quem é Tomy? Eu sou Tomy? Tomy. Esse é meu nome.

À medida em que corria, adentrava cada vez mais a floresta, que ia se tornando densa, e mais densa. Desviar-se dos obstáculos era difícil e por várias vezes Tomy quase caiu.

Eu não consigo mais. Será que posso parar? Algo - talvez a simples e pura adrenalina - dizia que ele deveria continuar correndo, que era esse seu destino, sua única chance. Arriscou olhar para trás pela primeira vez e pôde perceber ao longe, em meio a folhas e troncos, uma chama a se mover. Um lampião. Alguém carrega um lampião. E corre. Vem atrás de mim. Mas quem? Por quê? Cacete... Eu tenho que correr. Ou...

De um salto, sem ao menos saber como ou onde tinha aprendido e por que adquirira tal capacidade, Tomy agarrou-se a um galho que pendia a alguns metros do chão e com um impulso jogou sua perna por cima de um outro galho mais acima. Sentou-se, pôs-se de pé e escalou mais uns galhos até sentir-se seguro. Medo de altura eu já sei que não tenho.

Lá de cima, parado, evitando mover-se para não fazer qualquer barulho esperou. Esperou. Esperou...

Finalmente, ouviu passos se aproximando. Alguém corria muito... Espera. Os passos são muitos, o barulho é imenso. São vários. Tomy pôde ver abaixo de si uma pequena multidão. Passou um, passaram dois, talvez uns 10 ou mais ao todo. Todos corriam silenciosos. Todos atrás de mim? Que mal poderia ter feito a tanta gente? Serão a polícia? Alguns ficavam para trás, cansados, e a poucos metros de onde Tomy estava um rapaz parou. Ajoelhou-se e prostrou-se por terra, respirando com dificuldade.

- Hey, Argos - um homem voltava vindo atrás do jovem, espada em punhos. Vamos, precisamos estar todos juntos. Não vamos facilitar para o assassino.

- Eu não consigo mais - a voz do rapaz saía com dificuldade e rouca.

Ele parece ser bem jovem. Deve ter uns 15 ou 16 anos. Tem o físico magro, talvez de um corredor, não deve oferecer muitos riscos em uma luta corpo a corpo. Eu o venceria facilmente. Mas por que eu quero vencê-lo?

- Venha - disse o mais velho, aproximando-se. - Vou levar-lhe de volta. Aqui é perigoso.

- Não, pai. Não. Eu não posso desistir de novo.

- Mas se você não aguenta...

- Então, me deixe ficar aqui. Prefiro morrer com honra a fugir como um cachorro vira-lata.

Pai e filho? Desistir de novo? Morrer? Por que eu o mataria? Correm atrás de mim?

A conversa entre pai e filho continuou por mais algum tempo. Tomy calculou que a multidão já estivesse a um ou dois kilômetros de distância. Distância suficiente para ele correr no caminho oposto e ter uma boa vantagem. Mas talvez já estejam voltando. Não correriam tanto tempo a esmo, sem nenhuma pista do ladrão que procuram. Ladrão? Quem é o ladrão? Eu. Eu sou o ladrão. Roubei essa pedra que está no bolso da minha casaca.

Depois de muita conversa. O pai finalmente consentiu em deixar o filho e partiu correndo atrás da multidão que já ia longe. Argos esperou o pai partir antes de olhar para cima.

A espinha de Tomy gelou. Argos olhava diretamente para ele. Estava escuro lá embaixo, provavelmente o rapaz não o estava enxergando, mas sabia exatamente onde Tomy estava. Ele sabe que eu estou aqui em cima. Sabe exatamente a minha posição. Tomy paralisou-se por alguns segundos, pensando se deveria pular e correr, pular pelos galhos ou cair diretamente sobre o oponente, ou descer calmamente, por que afinal, Argos está me esperando para voltarmos. Argos está me esperando? Por que ele estaria me esperando?

- Vamos, Tomy. Desça logo.

- Como sabe que estou aqui? - por que eu respondi? Idiota.

- Essa árvore tá marcada, porra - respondeu Argos impaciente. A gente combinou que você iria subir nela e me esperar. Vamos. Daqui a pouco eles vão perceber que perderam a sua pista e vão voltar. Vamos, Tomy.

Quando Tomy desceu, pôde ver o corte em forma de lua minguante no tronco da árvore. Como soube onde subir? Nem mesmo vira a marca. Cacete. Eu não faço ideia do que está acontecendo.

- Isso. Tá com ela aí? - o olhar de Argos era de desejo. Sua língua passava por entre os lábios e de vez em quando o rapaz mostrava os dentes como uma besta feroz.

- Estou. Acho que estou. Com a pedra? É da pedra que você tá falando?

- Pedra? Onde você tá com cabeça, seu idiota. Ela não é só uma pedra. Ela é tudo.

Argos olhava para todos os lados, como se estivesse com medo de estar sendo observado. Aproximou-se de Tomy e disse ao seu ouvido:

- Deixe-me vê-la.

Eu não posso confiar nele. Seus olhos o traem, sua respiração é forçada e a temperatura do corpo indica nervosismo, farsa. Ele tá fazendo um grande teatro aqui. Filho da mãe, esse cara tá tentando me enganar. Mas o que ele quer com a pedra? O que eu quero com pedra? Que merda de pedra é essa?

Tomy não sabia o que fazer. Já ia levando a mão à pedra, ao bolso de sua casaca, quando ouviu pessoas se aproximando da direção em que a multidão correra. Eram seus perseguidores voltando. Eles haviam perdido muito tempo...

domingo, 29 de agosto de 2010

Sobre considerações

É, eu sei. Tenho andado sumido disso aqui. O cansaço é grande, os compromissos são muitos e poucas vezes a vontade de escrever tem prevalecido a toda a correria dessa vida. Preocupo-me de estar deixando de lado uma parte de mim, o escritor que quero ser, o usador de palavras ao vento que tem a ânsia de deixar um pouco de si pro mundo ouvir, ler. Mas há projetos maiores, é por eles que eu tenho me deixado levar. É por tudo aquilo em que um dia eu acreditei, e pelo que desejei dar a minha vida, meu tempo, empregar meus esforços, meus talentos. É preciso lembrar de vez em quando, que a escolha que fiz foi consciente e fruto de toda uma vida de experiências que me tem completado, que me tem formado, e que as renúncias serão necessárias para completar o caminho. É preciso lembrar, sempre! Se não, corre-se o risco de se acostumar com a vida, e achar que o que estamos fazendo é rotina chata e barata, quando, na verdade, é resposta de vida a um chamado.

Só pra constar: é uma delícia saber que estamos no lugar certo!!!

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Sobre uma festa!

A sala tava cheia. Todos vestiam roupas das mais extravagantes. Coloridas, cheias de panos e brilhantes e colares e relógios. No canto, um cara tocava um piano preto enorme de cauda longa. Uma música animada que empolgava, fazia dançar e criava aquele clima de 'por favor, não pare a música!'. A conversa rolava solta. Os petiscos e as bebidas passavam nas bandejas e evaporavam num segundo. Era uma dessas festas cheias de amigos, na qual você gostaria de estar agora e da qual nunca iria querer sair.

Coisa simples. Vários amigos, música boa, bebida e comida a vontade. E você sabe que isto não é tudo na vida, e você sabe que busca coisas maiores, mas sabe também que tem hora que isso basta e que é tudo o que você quer!!!

Apenas dance! Apenas viva! Apenas seja!

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Sobre andar por aí

Eu tenho andado pelas ruas, agasalhado até o pescoço, olhando as luzes da cidade, os rostos mascarados e os gatos, sorrateiros, se espreitando pelos cantos. Tenho andado cabisbaixo, mirando os pés cansados que se alternam na missão de me manter ereto. Enquanto a noite vai se adensando e tomando conta dos corações que dormem, eu só sinto a saudade pungente me envolver por completo, como névoa branca em fria manhã de outono. E a saudade está em todo lado a me envolver.

Reparo nos rostos que passam. Faces que brilham à luz de postes, demonstrando insegurança e medo. Sorrisos que apenas escondem o temor de não fazer suas vidas valerem a pena. Medo de que tudo seja apenas isso: passageiro.

O frio protege o homem da cidade. Ele pode se esconder atrás das roupas. E é o que todos fazem nesses dias de inverno. Passo pelas ruas e vejo apenas faces sendo carregadas por montes de tecidos. Mãos que se enfiam em bolsos aconchegantes e lá se sentem seguras de todo o perigo exterior.

E, não sei por que, tudo isso me faz lembrar você. Sozinha? Sorrindo? Embaixo de cobertas? Tomando um chocolate quente? Quantas possibilidades. Quanto de você não saberei mais. E enquanto você fala, talvez alguém esteja ouvindo. Talvez você só resmungue para as paredes, esperando que uma alma venha te salvar da solidão, da falta. Alguém como eu.

Ando pelas ruas, ignorando os passos que me seguem. Sinto uma mão se fazer presença e me tocar. Quando tudo é solidão, não se quer visitas inesperadas. É preciso ter hora marcada...

Eu me viro. Mãos no bolso.

Apenas mais um estranho. Ele estende a mão, eu ignoro. Ele me encara.

Ele diz:

- Espero que você possa me ajudar a me encontrar. Tenho andado por aí...

E eu completo, sem saber como sei. Sempre soube.

- ... procurando por alguém.

- Isso. Um rosto conhecido...

- ... nessa multidão de desesperados, eu sei.

Faz-se um silêncio.

- Alguém que saiba o que está fazendo - eu digo.

- Ou que não saiba, mas que esteja tranquilo com tudo isso - seu olhar paira distante, além do meu ombro, além das luzes atrás de mim, e mais além.

Eu finalmente aperto a sua mão. O frio congelante esgarça nossas peles. Ambos continuamos nossos caminhos, separados.

Eu tenho andado por aí, sempre procurando alguém a quem perguntar. Eu tenho andado por aí, querendo ouvir as respostas de perguntas que eu nem sei quais são. E foi bom saber que não estou só na busca.

Caminhando solitário, enquanto os primeiros raios atingem, tímidos, a cidade, eu sinto a ânsia de ter alguém ao meu lado. Talvez eu esteja me enganando. Eu tenho andado por aí, procurando por mais gente como eu.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Sobre ser vivo

Sempre que podia, João - nosso intrépido João -, vestia uma bermuda quadriculada e sua camisa alaranjada, calçava as chuteiras e ... ia passear a noite, em volta da quadra. A cada três passos, João dava um pulo. Três passos e um pulo, três passos e um pulo, contornando a quadra várias vezes. Era sempre a mesma roupa, no mesmo horário, o mesmo percurso e os mesmos passos e pulos. João fazia disso um ritual, uma forma de manter sua mente jovem, como se a cada vez que repetisse o ato, voltasse no tempo para a primeira vez que o fez.

É meio estranho, eu sei, mas João não é daqueles que se pode chamar normal. Tampouco era louco, ou demente. Não! João era um cara normal... digo, um cara não tão esquisito a ponto de ser taxado de louco, e nem tão pouco estranho a ponto de ser normal. De qualquer forma, ele era apenas um cara comum. Do tipo de gente que você não repara na rua e que você demoraria uma semana ou duas pra reparar na sala de aula.

Mas tinha esse hábito estranho, muito estranho, que ninguém entendia. Quando ele explicava que era um ritual para manter a mente jovem, as pessoas normalmente levantavam a sombrancelha - uma só - balançavam a cabeça lentamente e diziam:

- Ah, sim! - faziam uma pausa e - Aham.

E daí, seguia-se um silêncio constrangedor. Constrangedor para os outros, por que João nem percebia e achava que a pessoa realmente havia entendido. Afinal, o que havia de mais naquilo?

De vez em quando, algum vizinho ou amigo tentava levar a conversa mais a fundo tentando dissuadí-lo de continuar com aquele "hábito idiota", como diziam. João ouvia as súplicas com atenção e, então, tornava a explicar o motivo da repetição daquela atividade. E a pessoa dizia que já havia entendido, mas que não fazia sentido e que era no "mínimo ridículo" e como era seu amigo tinha a obrigação de mostrar a ele que fazendo aquilo as pessoas olhariam para João e o taxariam de louco por que, afinal, pessoas normais não fazem esse tipo de blahblahblahblahblah...

E a ladainha continuava, mas João já não prestava atenção e, a esse tempo, estaria olhando para uma borboleta voando, ou pensando no que comeria no almoço de amanhã. É que João também não conseguia manter muito o foco em conversas desinteressantes, e sua mente rapidamente se desviava para algo mais importante, como o ritmo dos passos da criança do outro lado da rua.

João não se entediava do hábito. Muito pelo contrário, achava extremamente divertido e animador. Vez ou outra não tinha tempo e acabava terminando o dia sem fazê-lo, e aí sentia falta e era como se acordasse no dia seguinte extremamente cansado. Às vezes, também, se cansava da insistência das pessoas de que aquilo era algo idiota. Ele não se importava com as reclamações, mas se cansava delas. Era chato ter que repetir sempre, durante dezenas de anos as mesmas conversas. E João não entendia por que muitos só vinham falar com ele sobre isso.

Sabe-se que João repetiu o ritual durante muitas dezenas de anos, até ser um jovem bem velho.

Certa vez, ninguém o viu durante um mês inteiro. Foram, então, até a casa dele e bateram na porta insistentemente, mas ninguém atendeu.

Chamaram a polícia e entraram à força. Era a primeira vez que alguém entrava em sua casa, que era simples, bem simples. Tinha apenas o essencial para se viver, alguns quadros nas paredes. e retratos nas mesas de uma família que ninguém nunca vira. Sua cama estava perfeitamente arrumada e o quarto estava empoeirado, como se ninguém houvesse passado ali durante muitos dias. João mantinha na cabeceira de sua cama um caderno de anotações. Na capa estava escrito: "O câncer da sociedade: a rotina chata e enfadonha". Dentro do caderno, que era bem antigo, em todas as folhas estava escrito: hoje eu fiz a mesma coisa que ontem.

João não foi encontrado no apartamento, mas no espelho de seu banheiro havia sua última declaração para os tolos que não o entendiam:

"Às vezes, a única forma de saber que se está vivo é poder sentir o mesmo prazer que a criança inocente ao brincar: ela não se cansa; repete os mesmos jogos, mas com espírito sempre novo. A gente não morre quando os dias são iguais, mas quando perde a capacidade de senti-los".

Alguns dizem que João se cansou de sua vida monótona e decidiu viajar pelo mundo, vivendo altas aventuras. Eu não sei. Acho que meu vizinho João tinha muito mais para ensinar do que o que pude aprender com aquela frase. Hoje, imagino que ele esteja por aí, repetindo o mesmo ritual em algum canto do mundo, tentando fazer as pessoas entenderem que é melhor ser um louco vivo a um morto ambulante.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Sobre várias coisas

Microconto 1

Ele chegou ao parque. Correu e se sentou para descansar. Ela sentou ao lado. Conversaram. No dia seguinte, ele estava lá, no mesmo banco, olhos fechados. Quando ela sentou, ele sorriu.

Microconto 2

O terremoto destruiu tudo ao redor. Perdeu a família e todos os bens. Não havia onde ficar ou descansar. Desconsolo. Procurou por seus amigos, a única coisa que lhe restara. Encontrou-os:
- Onde vocês estiverem, - falou - ali será meu lar.

Microconto 3

Ele voltou da guerra. Reencontrou-a depois de tanto tempo. Ela segurava uma criança no colo e ele perdeu as esperanças de que ela o tivesse esperado.
- É mãe?
- Aham.
- Qual o nome?
- João Pedro.
- Meu nome? - disse surpreso.
- Seu filho - respondeu chorando sorrindo.

Microconto 4

Acordou de um péssimo sonho. Suado, descobriu-se e se levantou da cama, mas o chão não estava lá. Caiu vertiginosamente durante horas. Acordou assustado! O despertador tocava. Era hora de seguir para o colégio. Quando chegou, os alunos o olhavam torto. Ele estava completamente nu. Sobressaltado, acordou. Dessa vez, não quis se levantar. Acordou.

Microconto 5

Alguém batia à porta. Alguém esmurrava a porta. Desceu correndo para atender. Abriu. A rua estava deserta, era tarde da noite. Estranhando, fechou a porta e se virou. No topo da escada agora estava um menino triste. Ela gritou e tentou sair, mas a porta estava trancada e não havia chave.

Microconto 6

Que dia! Não queria que ele acabasse mais. Mas era inevitável:
- Se as coisas boas durassem muito tempo, talvez não soubéssemos o quanto são importantes - pensou para si.
Todos já haviam ido embora, menos ela, que ainda vestia o casaco para sair.
- Hey. Fica mais um pouco?
E prolongaram a noite ao infinito, como dois que caminham pro horizonte.

Microconto 7

Ele pensou que poderia passar o dia todo escrevendo. Afinal, não hava muito o que fazer no trabalho. Colocou o fone e deixou que Dave Matthews ditasse as regras dos microcontos.

Microconto 8

Quase toda noite eles faziam a mesma coisa. Preparavam o jantar, comiam, conversavam e deitavam para se amar. Ela desejava mais. Ele percebeu, mas não sabia o que fazer. Finalmente, comprou passagens para a Europa. Ela sorriu e o abraçou. Lá, passeavam de dia. A noite, jantavam, conversavam e voltavam para o hotel para se amar. Oras, era a Europa!

Microconto 9

Naquele dia, na escola, ouviu que as crianças eram o futuro da nação. "Sinceramente", pensou, "não acho que os adultos estejam cuidando muito bem do que será meu". E recusou-se a herdar o mundo.

Microconto 10

O violino dava o tom. A bateria ritmava. O sax solava. O público se sentia imerso em notas musicais que fluíam do palco como que por encanto. A música tinha cor e criava um mundo inteiro.

Microconto 11

Quis um conto muito curto.