terça-feira, 24 de março de 2009

Sobre novos horizontes?

Fecham-se os olhos, ao fim de mais uma jornada.
As luzes apagam e acendem

Com os pés descalços, calejados, o homem esquece-se de si, esquece-se de ser. Caminha, buscando no horizonte escolhido um manancial invisível (alcançável?), escondido por trás do tempo, dos muros, das incertezas.

Entre vírgulas, as palavras calam. Entre pontos, entretantos, entrelaçam-se e compõem uma nova visão, uma nova rota: imprevista, imprevisível, imprecisa e talvez deserta (que dor! que medo!), mas ao mesmo tempo chamativa, apetecível, encantadora, apaixonante, penetrante.

Sobrevêem as reticências. Apertam, esmagam, até doem, e, enquanto perpetuam-se os pontos, fecham-se os olhos, e ao abrirem primeiro reparam se o caminho ainda está lá.

E se estiver (alegria! coragem!), lá se vai o andarilho...



ou não...

quinta-feira, 19 de março de 2009

Sobre incondições

"Amo-te SE..."

Então não amas, pois o amor não é favor, nem retribuição. O amor não impõe condição.

Ama-SE e ponto.


sábado, 14 de março de 2009

Sobre brincadeiras de criança

É um pique-pega.
É um pique-bandeirinha.
Às vezes pique-esconde.
Sempre amarelinha.

É uma queimada.
É uma correria.
Coelinho sai da toca.
Corre, corre, corre cutia.

Pra vencer nesse jogo,
Não dá pra esperar,
Descanse, mas não demore,
se não perde o lugar.

Acima de tudo,
é escravo de jó, pois
na vida não vence
quem ganha só.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Sobre uma ciência...

Na delegacia de polícia.

- Então, o senhor me diz que o fez por legítima defesa, é isso? - perguntou o delegado.
- Sim, senhor - respondeu o réu, um homem bem trajado, boa aparência, com pinta de experiente.
- O senhor estava com uma arma na mão, o homem veio correndo em sua direção com uma faca... e você deu um tiro certeiro em sua cabeça, não é?
- Exatamente, senhor.
- E você o fez por legítima defesa.
- Sim, senhor.

O delegado deu uma breve volta na frente do acusado, antes de dirigir-lhe novamente a palavra.

- Você não pensou em correr?
- Não, senhor. O homem era muito rápido.
- Hm... E não havia outra alternativa?
- Não enxergo outra alternativa, senhor.
- Nem agora? Digo... se você tivesse dias para pensar, antes que o homem te alcançasse, ou se soubesse que ele iria te surpreender em algum momento, você não encontraria outra alternativa?
- Não, senhor. Repito que não enxergo outra alternativa.

Mais um minuto de silêncio. Mais uma volta do delegado. O acusado permanecia sentado, calmo.

- Você tinha uma arma. Ele tinha uma faca. Você deu um tiro na cabeça. Na cabeça, repetiu o delegado.

O acusado permaneceu calado.

- Você não poderia atirar, sei lá, no joelho? Ele cairia e você sairia correndo...
- Pensei nisso, senhor. Mas... eu poderia errar e ele poderia me alcançar...
- Um minuto - interrompeu o delegado. - Deixa eu tentar entender. Você pensou em acertar o joelho, teve medo de errar, então pensou em acertar a cabeça, e acertou!!! - a última palavra do delegado foi quase gritada.
- Sim, senhor - repetiu desconcertado o acusado.
- Me parece que você é um atirador competente. Por que teve medo de errar?
- Olha, seu delegado... - o homem começou a falar. Calou-se e repensou as palavras - Ainda que eu acertasse o joelho dele, ele poderia acabar sangrando até a morte... não haveria ninguém para ajudá-lo depois... e mesmo que ele sobrevivesse, o cara ia ficar sem uma perna pra sempre.
- Homem!!! - desta vez o delegado gritou - Para não deixá-lo sangrando, o que poderia levá-lo à morte, você atirou na cabeça do cara e matou ele de vez!?!?! Pra não deixá-lo sem uma perna você o deixou sem vida?!?!?!

O acusado apenas abaixou a cabeça, mas não havia arrependimento em seu olhar. O delegado andava de um lado para o outro, colocando as mãos sobre a cabeça e respirando forte.

- Além disso - disse o acusado, para se defender -, eu fui surpreendido. O homem já estava muito próximo de mim e ainda que eu acertasse o joelho dele, ele poderia acabar me matando mesmo assim. Sei lá, talvez jogasse a faca ou talvez caísse em cima de mim, cravando a faca no meu peito...
- Ele poderia... Talvez... Talvez... Em vez de dar o benefício da dúvida, você apenas atirou...
- Olha, foi de repente - disse, ofegante, o acusado. Eu não senti que tinha tempo. Quando vi o cara chegando com a faca na mão, parece que tudo ficou meio escuro, entende? Eu não consegui distinguir minha ações, minhas emoções. Eu mirei, fechei o olho e atirei...

O delegado finalmente parou. Aproximou-se da mesa onde estava o acusado. Olhou com ar piedoso para ele e recapitulou a história:

- Foi de repente. O homem veio com uma faca na mão. Tudo ficou escuro em sua mente, porque você ficou nervoso, sem saber o que fazer. Então fechou os olhos e atirou. Você tem certeza de que esse homem queria te acertar? Digo, foi tudo tão de repente. Como você percebeu que ele corria em sua direção pra te acertar?

O acusado respirou fundo.

- Ele não queria me acertar, ...
- Então ele era inocente? - interrompeu perplexo o delegado.
- ... mas ia acabar me acertando...
- ...
- ... a menos...
- A menos que você tomasse qualquer uma das atitudes que discutimos agora pouco - completou o delegado, antes que o acusado continuasse.

Calaram-se.

- Qualquer outra atitude seria incerta.
- Sim - concordou o delegado -. E você preferiu escolher o certo errado pelo incerto certo.
- ...
- Só mais uma pergunta antes de terminarmos - disse o delegado com a mão na maçaneta, prestes a abrir a porta.
- À vontade.
- Você sabe a identidade do homem que matou?
- Sei - respondeu baixo o acusado.
- Você sabia na hora em que atirou?
- Sabia - sua voz saiu embargada.
- Muito bem. Você está dispensado.

O acusado levantou-se e caminhou até a porta. Antes que saísse, o delegado disse uma última palavra:
- Ah, estão te esperando no IML para assinar os papéis e identificar o corpo.
- Eu tenho mesmo que ir?
- Sim, tem. Você era o único responsável por ele.

O delegado abriu a porta. O acusado saiu.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Sobre uma página...

Assim que sentei, abri de uma vez a revista à minha frente. Como de costume, não esperei nem mesmo meu companheiro desconhecido de viagem se sentar. Sabe aqueles dias em que você não está lá muito pra conversa? Pois é, eu era sempre assim.

Acontece que naquele inesquecível dia, meu companheiro de viagem foi mais persistente em suas tentativas de conversações filosóficas do que eu fui em minhas tentativas de "desculpa, amigo, estou realmente interessado nessa reportagem" ou "estou começando a ficar com sono, acho que vou dormir, boa noite".

O cara era mesmo um mala sem alça. Assim o considerava nas primeiras horas de vôo. Note bem, nas primeiras HORAS. Pra você ter uma idéia, o zé mané fez uma análise sociológica sobre as consequências das intermináveis viagens feitas pelas aeromoças para suas relações amorosas e amistosas - era assim que ele se referias às relações de amizade, relações amistosas.

Por vezes eu tentei me desvencilhar da conversa. Cheguei a falar que tinha que ir ao banheiro, mas quando voltei, o cara retomou o assunto antes mesmo de eu sentar. Puts, pensei na hora, vou dar um soco nesse camarada.

O pior de tudo é que ele não estava interessado em minhas opiniões. Ele só queria falar. Só falar. Até que imaginei que talvez ele não se importasse em não ser ouvido. E foi aí que a coisa mudou de figura. Explico:

Quando parei de prestar atenção, só mantendo o contato formal, digo: balançando a cabeça de vez em quando, dizendo "ahan, ahan" com certa frequência e etc, o cara sacou na hora. "Não faça isso", ele disse, e se calou. Foi a primeira vez em que ele se calou por mais de 10 segundos - na verdade, talvez tenham sido 5 segundos, talvez 3, mas o fato de ele parar de falar fez o tempo correr mais devagar, como se para que eu aproveitasse esse precioso momento.

Olhei assustado pra ele. Ele notara minha irritação - claro, quem não notaria. Mas ele falara por horas e horas sem parar, apesar disso. E quando eu desisti de me irritar e decidi só o ignorar, o cara vem e fica nervosinho. Foi o que pensei na hora.

É. Mal sabia eu que minha vida mudaria completamente a partir daquele momento. As próximas palavras que ele disse abriram minha cabeça, meu coração, minha alma! Ele foi tão contundente, tão ameaçadoramente convincente e tocante - ameaçadoramente tocante, entende isso? - que eu não pude deixar de ser todo ouvidos a ele - dessa vez com gosto e por querer - por mais horas e horas. Infelizmente, o avião chegou a Itália e tivemos que nos separar depois. Mas não faltaram oportunidades para nos encontrar depois. Não. Não faltaram.

- Han? Mas e aí? Me conta, cara. O que ele disse? - o homem calvo, barba por fazer, que estava ao lado de João perguntou impacientemente.

O comandante da aeronave acabara de informar que haviam acabado de ultrapassar a linha do Equador. Muitas horas de vôo haveria ainda, e João teria muito a conversar com Pedro.

- Hm - disse João com ar de displicência - agora tenho a sua atenção? Depois de tantas horas? Sabe, existe um mundo além de nós mesmos. Cada pessoa abarca um mundo em si, e nosso mundo só se preenche quando colide com esses outros mundos. É amigão, tá na hora de você aprender algumas coisas.