sexta-feira, 6 de março de 2009

Sobre uma página...

Assim que sentei, abri de uma vez a revista à minha frente. Como de costume, não esperei nem mesmo meu companheiro desconhecido de viagem se sentar. Sabe aqueles dias em que você não está lá muito pra conversa? Pois é, eu era sempre assim.

Acontece que naquele inesquecível dia, meu companheiro de viagem foi mais persistente em suas tentativas de conversações filosóficas do que eu fui em minhas tentativas de "desculpa, amigo, estou realmente interessado nessa reportagem" ou "estou começando a ficar com sono, acho que vou dormir, boa noite".

O cara era mesmo um mala sem alça. Assim o considerava nas primeiras horas de vôo. Note bem, nas primeiras HORAS. Pra você ter uma idéia, o zé mané fez uma análise sociológica sobre as consequências das intermináveis viagens feitas pelas aeromoças para suas relações amorosas e amistosas - era assim que ele se referias às relações de amizade, relações amistosas.

Por vezes eu tentei me desvencilhar da conversa. Cheguei a falar que tinha que ir ao banheiro, mas quando voltei, o cara retomou o assunto antes mesmo de eu sentar. Puts, pensei na hora, vou dar um soco nesse camarada.

O pior de tudo é que ele não estava interessado em minhas opiniões. Ele só queria falar. Só falar. Até que imaginei que talvez ele não se importasse em não ser ouvido. E foi aí que a coisa mudou de figura. Explico:

Quando parei de prestar atenção, só mantendo o contato formal, digo: balançando a cabeça de vez em quando, dizendo "ahan, ahan" com certa frequência e etc, o cara sacou na hora. "Não faça isso", ele disse, e se calou. Foi a primeira vez em que ele se calou por mais de 10 segundos - na verdade, talvez tenham sido 5 segundos, talvez 3, mas o fato de ele parar de falar fez o tempo correr mais devagar, como se para que eu aproveitasse esse precioso momento.

Olhei assustado pra ele. Ele notara minha irritação - claro, quem não notaria. Mas ele falara por horas e horas sem parar, apesar disso. E quando eu desisti de me irritar e decidi só o ignorar, o cara vem e fica nervosinho. Foi o que pensei na hora.

É. Mal sabia eu que minha vida mudaria completamente a partir daquele momento. As próximas palavras que ele disse abriram minha cabeça, meu coração, minha alma! Ele foi tão contundente, tão ameaçadoramente convincente e tocante - ameaçadoramente tocante, entende isso? - que eu não pude deixar de ser todo ouvidos a ele - dessa vez com gosto e por querer - por mais horas e horas. Infelizmente, o avião chegou a Itália e tivemos que nos separar depois. Mas não faltaram oportunidades para nos encontrar depois. Não. Não faltaram.

- Han? Mas e aí? Me conta, cara. O que ele disse? - o homem calvo, barba por fazer, que estava ao lado de João perguntou impacientemente.

O comandante da aeronave acabara de informar que haviam acabado de ultrapassar a linha do Equador. Muitas horas de vôo haveria ainda, e João teria muito a conversar com Pedro.

- Hm - disse João com ar de displicência - agora tenho a sua atenção? Depois de tantas horas? Sabe, existe um mundo além de nós mesmos. Cada pessoa abarca um mundo em si, e nosso mundo só se preenche quando colide com esses outros mundos. É amigão, tá na hora de você aprender algumas coisas.

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