domingo, 20 de dezembro de 2009

Sobre uma noite luminosa II

Leia antes: Sobre uma noite luminosa I (abaixo)


A meia penumbra não permitia enxergar com clareza o que havia ali dentro. Se estivesse estado ali de dia, o jovem teria visto um grande paredão de pedra à esquerda e um curral feito com madeira barata e até podre em algumas partes. Os poucos animais ali, as vacas e o burro, não teriam muita força e pareceriam incapazes de se sustentar nas próprias patas. Dentro do curral veria muita palha, e alguns poucos instrumentos de trabalho.

Nada disso podia ser visto no momento em que o jovem e o velho entravam. Nessa hora, parte da palha estava amontoada em um canto mais quente da gruta. Um lençol cobria a palha e outro lençol cobria o menino que repousava sobre ela. Em volta do menino, havia um homem em pé com um cajado e uma jovem sentada em um banco bem próximo à criança, afagando-a.

Os animais que de dia pareceriam cansados e abatidos, ao jovem pareceram imponentes e protetores na frente do menino. Eram como portas que impediam a passagem do vento frio. Tornavam o canto de repouso mais agradável.

À aproximação dos pastores, os animais abriram passagem e os dois puderam vislumbrar por inteiro o menino: pequeno, sonolento, indefeso... A jovem teve um pequeno sobressalto. Desviou o olhar para o homem que estava de pé e ao ver sua tranqüilidade aquietou-se. Quanta confiança ela teria nele, pensou o jovem pastor.

O homem permaneceu olhando a criança, cajado em mãos, atento a tudo o que pudesse oferecer risco a seu filho. Mas sabia que os pastores não eram perigosos. Sabia que estavam ali por algum propósito. Virou-se para eles e com uma voz amável e calma saudou os pastores:

- Bela noite, não? Sejam bem-vindos a esse humilde lar.

- Bela noite, retrucou o velho, agora totalmente recuperado da debilidade inicial. Ao ver a criança, recobrara as forças e a boa vontade – Bela noite. Belíssima noite – a cada frase que pronunciava o volume da voz aumentava e o tom de alegria era mais aparente.

- Psssssiu, disse sorrindo a jovem. Pela primeira vez o jovem pastor olhou para ela com atenção. Era bela e muito jovem. Os olhos pareciam cansados. Imaginou que tivessem vindo de longe, viajado durante longos dias.

Apesar do cansaço aparente, a menina transparecia uma imensa alegria em seus lábios. Não era a alegria de uma embriaguez, nem tampouco de um reencontro de amigos. Era uma alegria plena. Alegria de quem sabia onde estava, sabia o que fazia, alegria de quem cumpria em plenitude o propósito para o qual nascera. Alegria de quem não podia ser abalada por nada, de quem tinha onde repousar sempre que precisasse.

E havia algo mais naquela alegria. Algo de grandioso, percebia o jovem pastor. O homem de pé cortou seus pensamentos.

- Não querem se assentar? – disse isso apontando para alguns tocos de madeira perto dos animais. E, se me permitem perguntar, por que buscam abrigo nessa gruta?

Os dois se assentaram, o velho sendo amparado pelo jovem. Olhando fixamente para o menino, sorriso nos lábios, o jovem começou:

- Ora, não buscamos abrigo.

- Talvez não para o corpo, mas para o coração, interrompeu o velho. De fato, não buscamos abrigo. Viemos ver o menino que nasceu.

- José, como pode ser? O que... – a jovem perguntou, atônita, a seu marido.

- Também não entendo, Maria. Expliquem-nos.

O menino dormia, tranqüilo. O jovem continuava olhando-o carinhosamente, tentando repassar na mente todas as palavras dos anjos para contar-lhes. Enquanto isso, o velho pastor contava o que acontecera a eles naquela noite.

- Eis que meu discípulo e eu cuidávamos de nossos rebanhos, sendo responsáveis pela vigília desta noite. Tudo como de costume, noite fria, muito sono. Conversávamos sobre todo o esforço que fazemos para levar uma vida digna, no meu caso para educar e levar comida para minha esposa e filhos e no caso dele para ajudar nas despesas da casa. Sabe, é difícil a vida de pastor. Somos pouco respeitados, ganhamos pouco. Mas IAHWE nos dá muitas alegrias em casa e com os amigos. Enfim, conversávamos sobre essas coisas quando o silêncio apoderou-se da noite. Era um silêncio profundo. Entreolhamo-nos, espantados – a voz do velho ficava mais animada, quase sorridente. De repente, surgiu uma luz, forte o suficiente para iluminar todo o descampado, mas para a qual podíamos olhar sem incomodar os olhos.

- Assim como a graça de IAHWE, - disse Maria sorrindo - forte e suave.

- Assim como a graça de IAHWE, repetiu o velho.

Parou por um instante. As palavras tocaram-lhe o coração.

Continuou descrevendo a beleza do anjo, sua voz doce, seu olhar encantador. Contou como ele pedira para não terem medo. Contou que o anjo anunciara o nascimento do Salvador, o Cristo esperado.

Maria e José olharam para o menino detidamente. Expressavam em seus rostos o carinho que pais têm por um filho e, ao mesmo tempo, a veneração que um servo tem por seu senhor e o amor que o filho tem por seus pais. Os pastores admiraram-se.

Nessa hora o jovem levantou-se de súbito. Assustou-se ao pensar que acordara o menino, mas este permaneceu quieto.

- GLÓRIA A DEUS NAS ALTURAS E PAZ NA TERRA AOS HOMENS POR ELE AMADOS. Uma multidão de anjos juntou-se ao primeiro e cantou, sinos soando por toda a volta: GLÓRIA A DEUS NAS ALTURAS E PAZ NA TERRA AOS HOMENS POR ELE AMADOS. GLÓRIA A DEUS!

- GLÓRIA A DEUS, repetiu o velho pastor, sentado, mas com a mesma animação. Que palavras belas, não? É de esquentar o coração.

Maria e José continuavam fitando o menino, alegres. Profundo amor, profunda veneração. O jovem pensou que jamais um homem e uma mulher sentiriam o que fora reservado àquele casal. Amor materno, amor paterno, amor filial, entrega incondicional. Não eram sentimentos misturados. Era um só sentimento, uma só realidade. Era unidade.

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