sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Sobre um balão e uma viagem - parte 4

Foram longos dias. Tristes, solitários, mas, ao mesmo tempo, formidáveis.

Enxergar o mundo tão pequeno, com todas as suas maravilhas e suas mazelas; enxergar a natureza exuberante e bela e a selva de pedra contruída pelos homens, tão gigante e espaçosa; enxergar rios de águas límpidas em contraste com terras secas em que homens, mulheres e crianças pareciam pequeninas formigas a suplicar que lhes caísse água do céu; enxergar o coração pequeno e angustiado com a falta de papai e mamãe; enxergar o medo bem diante dos olhos, o medo de cair daquela altura fatal; enxergar todas essas coisas e outras tantas das quais não me lembro foi a experiência mais incrível, amedrontadora, fantástica, angustiante - entre tantos outros adjetivos que me faltam - da minha vida.

Eu tinha apenas 6 anos, enxergava o mundo com os olhos de uma criança que conhece apenas seu umbigo e o dos pais. Viajar naquele balão abriu forçosamente minha visão de mundo, expandiu meus horizontes e criou em mim o desejo de não ser apenas uma formiga. "No fundo, é tudo tão pequeno". Esse pensamento foi o primeiro que passou em minha mente quando o balão começou a subir e todas as coisas tomaram proporções minúsculas. Lá de cima, eu só pensava em minha mãe - querida mamãe. Queria chegar em casa a salvo e poder dizer a ela para não se preocupar, por que, na verdade, todas as coisas são muito pequenas. Isso fazia sentido para mim. E por que não dizer que ainda faz? Mas de uma forma diferente.

Tudo é tão pequeno, sim! O que não quer dizer que não tenha importância. E o belo da vida é dar importância ao que é pequeno e ver beleza nele, por que o grande se exalta por si só e já tem muita gente se importando com isso.

Como cheguei a essas conclusões? Bem, antes, falta um pouco da história que não lhes contei ainda.

O menino-viajante - Ben seria chamado assim pelo seus colegas quando voltasse para casa - aterrisou seu balão a muitos, muitos quilômetros de sua escola, em uma plantação de café. A fome e a sede tomavam conta de seu débil corpo pequenino. Chorava angustiado a saudade de papai e mamãe, e o medo de que tivesse sido esquecido por eles arrombava-lhe a alma.

Não demorou muito para que Ben fosse encontrado pelo dono da fazenda que, ao ver o balão e o menino sozinho, soube exatamente que providências tomar. Ligou para a polícia e informou que o menino do noticiário havia sido encontrado e que estava em segurança, alimentado e cuidado.

Dois dias depois, os pais de Ben chegaram para buscá-lo. A alegria banhada de choro e alívio foi inesquecível e até contagiante. Os jornais e televisão noticiaram o reencontro e transforamaram a aventura do menino-viajante num grande espetáculo. Quiseram que o menino fosse dar entrevistas e participar de talkshows, mas papai e mamãe preferiram manter Ben longe das câmeras, principalmente por causa do problema de mamãe. Rapidamente, a história toda foi esquecida pela mídia e pelo povo. Foram atrás de outra história grande para se importar, já que suas vidas "pequenas" não eram suficientes para entretê-los.

De volta à tranquilidade do lar, Ben pôde contar a papai e mamãe tudo o que vivera e pedir a mamãe que não se preocupasse com coisas tão pequenas.

- Ben - disse mamãe em tom melancólico, depois de toda a história. Nem tudo é tão pequeno, algumas coisas grandes acontecem em nossas vidas, e às vezes nós não podemos detê-las.

O menino sentiu que mamãe não havia entendido nada. Foi complacente com ela, afinal, apenas ele havia vivido aquele momento e pudera pensar em tudo o que pensou. Continuou ouvindo mamãe com paciência.

- Ben, precisamos de contar uma coisa.

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