sábado, 7 de fevereiro de 2009

Sobre a primeira página do livro =D

O sinal soou indicando que o elevador chegara no 7º andar. João abriu os olhos a tempo de ver a porta abrir e a claridade do sol, que entrava por uma grande janela logo a frente do elevador, aparecer. A luz no elevador era suave e ao se deparar com a luminosidade intensa do dia teve vontade de permanecer e fazer mais algumas viagens, subindo e descendo, na companhia de si mesmo. Sabia, no entanto, que outras pessoas entrariam, algumas animadas conversando entre si, outras sozinhas e que irremediavelmente fariam um comentário do tipo: "Lindo dia lá fora, não?" ou "Que calor hoje, hein?". Pegou do chão sua pasta preta habitual e saiu.

No caminho entre o elevador e a sala, percorreu dois corredores extensos, apinhados de gente tagarelando e caminhando de um lado para outro com papéis e pastas nas mãos. Algumas pessoas cumprimentaram-no, ele apenas fazia um breve aceno com a cabeça. Perto de sua sala estavam as de seus companheiros de trabalho, de forma que ao se aproximar de seu destino a quantidade de cumprimentos era maior. Seu colega Maicon convidou-o para entrar e tomar um pouco de café "pra ver se te dá mais ânimo e tira esse ar de cansado da cara, cara". Ele recusou o mais gentilmente que pôde.

Entrou na sala, fechou a porta, jogou a pasta em cima da mesinha de café e caiu como uma pedra sobre a cadeira. Antes que pudesse pensar em colocar as mãos sobre o rosto e espremê-lo como quem quer esticar toda a pele até a orelha, ouviu duas batidas na porta. Reconheceu a batida.

- Pode entrar, Maria. - Gritou no tom mais animador que conseguia enquanto rapidamente tirava a pasta da mesinha, colocava-a sobre a mesa de trabalho e arrumava a postura. A última coisa que precisava era de alguém dizendo que estava com cara de abatido e que podia se abrir.

Tarde de mais. Maria o havia visto no corredor e o conhecia o suficiente para saber que estava não só exausto, mas um lixo.

- O que aconteceu? - perguntou a garota de forma amigável e simpática.De fato, a garota podia não ter muito jeito para o trabalho, mas ser simpática e amigável era com ela mesma. João reconhecia isso e para ele era um alívio ter pelo menos uma pessoa em todo aquele edifício com quem pudesse ter uma conversa sincera sem se sentir um completo idiota. Havia duas semanas que conseguira aquele emprego e, desde então, construíra, dia após dia, uma ainda modesta amizade com a garota. Méritos dela, - reconhecia quando pensava em Maria em casa - eu jamais teria me aproximado como ela se aproximou, por motivo algum. Além do mais, jamais seria tão intrometido na vida alheia como ela é. De qualquer forma, essa intromissão nos aproximou de um jeito bacana - sorria.- Nada, Maria, apenas cansaço e dor de cabeça. A claridade do sol agrediu meus olhos e consequentemente minha cabeça, só isso. - Não estava com paciência, nem mesmo para Maria.

Calmamente, com ares de uma médica que acaba de concluir um diagnóstico perfeito e se recorda instantaneamente de um tratamento infalível, a garota sentou-se na cadeira sobressalente da sala, cruzou as pernas, colocou as duas mãos sobre a saia que ia até os joelhos - bonitas pernas, reparou João, desviando os olhos antes que a garota reparasse em seu interesse - e disse:

- Muito bem. Que tal virar um vampiro e sair só a noite. Ou vir para o trabalho às 5h da manhã, entrar na sala e só sair às 19h. O chefe iria adorar, você ganharia horas extras e se agendássemos visitas de colegas de trabalho você ficaria mais sociável do que já é - isso foi deboche, pensou. - Ou, essa idéia é a melhor - interrompeu-se por um minuto e continou com mais seriedade - , você comprar uns óculos escuros e ver se o mau-humor, a irritação, o desânimo, a tristeza, e quem sabe até a depressão vão embora com a luz do sol. O que acha?

João deu um leve sorriso. A garota conseguia deixá-lo um pouquinho mais animado sempre que queria. Antes que pudesse responder, ela continuou - às vezes ela fala de mais -:

- Sério, João. As pessoas estão começando a comentar que você é um saco - disse, aumentando o volume da voz na última palavra para dar mais ênfase. - O Maicon já tá até achando que o problema é com ele. Que ele fez alguma coisa de que você não gostou nos primeiros dias. Eu tento explicar que você é uma pessoa legal, que tem sim suas manias chatas, mas quem não tem? Mas já não dá mais pra sustentar minhas opiniões. Tão falando que, em breve, não vão tá mais nem aí pra você. Vão deixar você no seu canto, cuidando da sua vidinha, e que pela primeira vez alguém não vai se entrosar no grupinho da galera.

O grupinho da galera, afff. Odeio essa expressão. Não tinha nenhum jeito mais criativo de se referirem ao grupo, sei lá: Liga da Justiça, A turma do bairro... qualquer coisa...

- Você sabe que eu não me sinto bem no meio deles.

- Sei, e sei também que é sem motivos. - Ela começara a ficar nervosa, ele nunca a tinha visto nervosa, ficava mais bonita. - Já conversamos sobre isso, já tentamos achar os motivos, mas tudo o que você me diz é que:

A garota assumiu uma voz aguda e feições de deboche e balançava a cabeça de um ombro ao outro enquanto falava:

"O Douglas tem uma mania de ficar perguntando toda hora se tá tudo bem comigo... O Maicon só sabe falar de mulher e dar nota pra bunda das estagiárias quando elas passam... Fulano é muito falante e Ciclano é sempre sacaneado, isso me incomoda..." Pô, fala sério - retornou à sua fala normal, mas ainda um pouco irritada - a galera se conhece a um tempão já, tem lá suas manias, é verdade... é só questão de você se enturmar, se acostumar com as manias e pronto. Você vai ver o quanto eles são gente boa e como podem ser bons amigos. Cara, - dessa vez a irritação passara - trabalhar fica bem mais legal quando você se diverte de vez em quando com a galera.

Ela tinha toda razão, ele sabia disso, mas não queria dar o braço a torcer naquela hora. Não bastasse o desânimo com que chegara, ainda teria que reconhecer a culpa pelo isolamento e de certa forma humilhar-se perante a garota. Não aguentaria as duas sensações juntas. Fez sinal de sim com a cabeça e disse:- Tá, vou pensar no seu caso. Agora, vá trabalhar que eu sei que você ainda não terminou o relatório semanal.

- Quem disse?

- Um passarinho que disse te conhecer o suficiente pra saber que você ainda não fez.

Maria mostrou a língua e fez um HUMMM prolongado. Levantou-se e deu uma última palavra com João:

- Você sabe ser legal quando quer. Só tem que aprender a ser legal quando não quer, até que ser legal seja legal sempre. Sacou?
Disse que não, mas que prometeria pensar profundamente sobre aquilo nas próximas horas. Ela saiu rindo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário