quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Sobre a outra margem

Lá estava ele, deixando-se tocar pelos primeiros raios de sol e pela leve brisa que vinha do mar. O mar adentrava o rio de forma violenta e feroz. Ainda não era a hora. A paisagem do outro lado era cativante e chamativa, porém ele poderia esperar mais algumas horas para atravessar.

Passou essas horas contemplando as imensidões azuis. Onde elas se encontravam, parecia haver uma espécie de convergência de realidades. O céu encosta o mar, o mar encosta o céu. As coisas dessa terra encontrando-se com as realidades da alma, quaisquer que sejam elas.

Sentiu-se tão pequeno ante tanta imensidão. É tanta água, é tanto céu... estendem-se por milhas e milhas e milhas... e eu aqui, tão minúsculo, insignificante. Deixou-se levar pelo pensamento, de forma que as horas avançaram rapidamente.

A correnteza já estava mais calma. Decidiu que era hora. Foi até a foz e caminhou pela margem até encontrar um ponto calmo e estreito do rio que facilitasse a passagem. Começou a nadar. Braçadas leves, despretensiosas, faziam-no aproximar-se lentamente da outra margem. Não havia pressa, não era preciso muito esforço.

Em alguns pontos havia bancos de areia que o permitiam ficar em pé. Descansava nesses pontos até prosseguir viagem. Atravessou.

Do outro lado, tudo era diferente, novo. Começou a explorar o local. As ondas quebravam violentamente contra algumas rochas no começo da praia fazendo subir uma espuma alta e refrescante. Foi até as rochas. O mar esculpira artisticamente caminhos entre as pedras. Cracas e caranguejos repousavam suavemente nos buracos formados. Cada detalhe o impressionava. Cada centímetro era tão cheio de vida.

Passando as rochas, a orla do mar era ocupada por uma infinidade de coqueiros que se estendia até onde a vista não mais alcançava. Pareciam formar um batalhão, uma linha de infantaria, protegendo o continente de todo mal que pudesse vir do mar.

Caminhou entre os coqueiros. Andou, observando a areia, os pequenos buracos que indicavam a presença de siris e outros pequenos animais. Sentiu o vento bater em seu corpo, respirou profundamente o ar limpo, úmido e salgado do litoral. Estava revigorado, cheio de vida.

O sol ficara mais intenso e brilhante. Parou sob uma sombra, voltou-se para o mar e novamente contemplou as imensidões azuis. O céu e o mar. Ainda sentia-se pequeno, mas não mais insignificante. Explorara um lugar desconhecido, observara seus mínimos detalhes, cada um com sua beleza e significado. Não era preciso ser grande para ser belo, não era preciso ter força para poder mudar.

Sem perceber, deixou que as horas se arrastassem velozmente. O sol já fazia seu percurso de volta para o interior da terra. Levantou-se sobressaltado. Correu até a margem do rio. Agora, o rio desembocava no mar e a correnteza era forte. Ele não poderia ficar daquele lado, e atravessar naquele momento talvez fosse perigoso.

Procurou, nervosamente, a parte mais estreita do rio para fazer o caminho de volta, ciente de que não haveria bancos de areia dessa vez. Encontrou um ponto próximo da outra margem. A distância era pequena e a volta não ofereceria perigo. Respirou aliviado.

Tentou entrar andando até que a água não desse mais pé, mas a correnteza era forte e facilmente o empurrava. Voltou. Parou por um momento, imaginando uma boa estratégia para chegar ao outro lado. Não havia outra saída. Decidiu apenas nadar forte e incansavelmente. A distância era pequena e em poucos minutos poderia respirar e descansar. Tomou fôlego e começou a nadar.

Alternava os braços rapidamente, procurando também oferecer o maior atrito contra a água nas braçadas. Permaneceu com a cabeça imersa, sem olhar para frente até que a falta de fôlego o obrigasse a respirar. De olhos fechados, ergueu a cabeça e tomou um gole de ar. Mais algumas braçadas e um novo gole de ar. Braçadas e um novo gole de ar. Começava a sentir-se cansado. Diminui o ritmo. Abriu os olhos e olhou para a sua meta. Não estava distante, mas a correnteza o desviara bons metros de onde pretendia chegar.

Olhando para a paisagem, viu os coqueiros começando a passar rapidamente diante de si. A correnteza ficara mais forte, em breve chegaria ao mar e não sabia dizer o que poderia acontecer então.

Retomou o ritmo forte. Sentiu os músculos rijos e fatigados. Tomou mais fôlego, mas já não era possível nadar sem respirar. O pulmão suplicava por ar a cada braçada. A margem estava próxima, mas nadar parecia inútil, pois a distância não diminuía.

Mais braçadas, mais fôlegos. Deu-se conta de que estava nadando havia pouco mais de um minuto. Parecia uma eternidade. Os poucos metros que faltavam eram invencíveis e cada segundo sem ar e sem forças era uma eternidade. Nadava olhando para os coqueiros, na esperança de que eles ficassem maiores, mais próximos, mas isso não acontecia. Desesperou-se. O mar estava cada vez mais próximo e próximo e próximo...

Decidiu por tomar um último fôlego. Encheu o pulmão ao máximo nos poucos milésimos de segundo que tinha entre uma braçada e outra. Não levantou mais a cabeça para concentrar-se nos braços, um após o outro, fortemente. Nadou como se disso dependesse sua vida: não podia não chegar do outro lado; não podia não dar tudo de si; Não podia, literalmente, morrer na praia. Um pequeno esforço não feito poderia ser crucial, fatal.

A falta de ar sufocava-o, mas não perderia tempo respirando até que seus dedos tocassem a outra margem. Um segundo, um centésimo, um milésimo de segundo poderia separá-lo dessa vida.

E nadou, nadou, nadou como se disso dependesse sua vida...

2 comentários:

  1. Engraçado, a vida é assim, tudo está bem e de repente nos vimos tentando "nadar". Sou otimista, acredito que ele ( o personagem do seu texto) conseguiu se salvar. Sempre enchemos o pulmão ao máximo e continuamos tentando...
    Pode não ser isso o que vc passa no seu texto, mas foi assim que o entendi.E me faz em alguns momentos perder o meu fôlego aqui, junto com ele. Perfeito, bom e acima de tudo, curiosamente indentificável com o leitor ( no caso eu).Parabéns!
    Beijinhos!!
    http://cgfilmes.blogspot.com/

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  2. SOmente um biólogo para enxergar tantos detalhes da natureza... e um biologo cristão vÊ ainda mais longe!
    É capaz de aprecisar a natureza em todos os seus niveis!
    bjuuuu miguelitooo

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