sexta-feira, 30 de julho de 2010

Sobre um sonho

- Acorda, cabeça de bagre! Eu acho que o sol tá mais brilhante hoje, olha.
- Hm... hein?
- Acorda!!!
- Hein? Que horas são?
- São 8h30 ainda. Mas olha...
- Afff. Me deixa dormir, nem tem escola hoje.
- Levanta, idiota! Olha ali.
- Hã? Que foi? ... A escrivaninha? Que tem?
- Não a escrivaninha, em cima dela. A janela...
- Hã, tá fechada... fecha essa cortina.
- Não é pra olhar pra janela, imbecil. É pra olhar pela janela.
- Hã? ... ...

...

- UAU!!! O sol... o sol tá...
- Aham!
- Ele... ele tá mais claro?
- Isso! E lá fora, tá tudo diferente. Levanta daí, miolo-mole. Vem olhar.

...

- Me fala se não é impressionante. Eu acordei mais cedo e fui lá embaixo... tá incrível.
- Nossa! ... Os jardins tão todos verdes. É tipo... um verde brilhante.
- Isso! E olha ali, a piscina lá embaixo. Ninguém limpou, mas ela amanheceu assim... clarinha. Que delícia que deve tá.
- Hei. Olha ali os vizinhos. Eles... eles tão conversando? Vai dar briga.
- Não vai, não. Presta atenção, eles tão...
- Eles tão sorrindo! Ha ha! Olha ali, eles deram um abraço, antes de se despedirem.
- É! Logo os dois que brigam todo dia.
- Caracas... ooooou, e não tem nenhuma nuvem no céu. Tá limpinho.
- É! Cabeça-de-bagre, tem alguma coisa acontecendo.
- Vamo lá embaixo. Se veste aí.

...

- Então, pega a bicicleta e vamo dar uma volta.
- Vamo onde?
- Hm. Num sei, tava pensando em ir lá no lago. Deve ter alguma coisa legal.
- Tá. Bora.

...

- Bom dia, crianças. Cuidado por onde andam, não vão tropeçar numa pedra por aí.
- Bom dia, doutor. Obrigado.
- Você conhece ele?
- Não! Ele tinha mó cara de rabugento. Tá de boa hoje.
- Hehe. Que sonho.
- Cara, pedalar com essa brisa é uma delícia. Olha só...
- Se é. E presta atenção. Tá tudo tão colorido. Tá todo mundo sorrindo.
- Caraca, cabeça-de-melão. Olha ali no portão daquela igreja.
- Ouxi, vamo parar aqui um pouco.
- Caracas. Tem gente de tudo que é jeito. Tem indiano, negro, muçulmano, branco, moreno, japonês.
- E eles tão fazendo o quê?
- Sei lá, festejando alguma coisa. Deve ser missa de alguma coisa.
- Não é só missa, não. Cada um tá fazendo sua prece como conhece, olha só.
- E ninguém tá reclamando do outro. Eles tão é rezando e depois conversando. Que bizarro.
- How bizarre!
- Hey, tive uma ideia. Vamo passar embaixo do viaduto, onde o Jamanta mora.
- Boa ideia.

...

- Ô Jamanta!!! Tá aí?
- Nada do Jamanta, cara.
- Será que ele subiu de vida?
- De ontem pra hoje? Acho difícil.
- Cara, sei não, as coisas dele num tão mas aí.
- Será que a polícia levou ele?
- Ou. Por falar em polícia. Num tinha um ali, na rua que a gente virou? Cadê ela?
- É mesmo! Não vi. Tinha uma sorveteria no lugar.
- Ah! Vamo ali no orfanato.
- Pra quê? Cara... ali vai ter algo errado, não é possível.

...

- Bora, José. Enrola não. Esse parque tem que tá pronto até semana que vem.
- Hey, amigão. O que aconteceu com o orfanato?
- Derrubamos essa noite, por quê? Vai fazer falta?
- Bom, pra gente não. Mas pras crianças vai.
- Que crianças?
- Os órfãos?
- Foram todos adotados.
- Sério? Assim, de repente?
- Sério, garoto. Assim, de repente. Você queria que elas ficassem aí pra sempre?
- Não, não. Mas... e as crianças que forem abandonadas?
- Forem o quê?
- Abandonadas. Largadas pelos pais.
- Você tá bem, garoto? Por que um pai iria largar o filho.
- Sei lá. Por diversos motivos. Falta de dinheiro, vícios, raiva...
- Tá maluco, muleque. Isso tudo é passado. Deixa eu continuar aqui, se não essa obra para.
- O que vocês tão construindo?
- Um parque de diversão.
- Nessa área toda???
- Muleque, quer brincar nesse parque um dia?
- Quero, sim.
- Então, me ajuda a terminar. Vai brincar e volta daqui um mês.

...

- Caraca, cabeça de bagre. O que tá acontecendo?
- Sei não... parece um sonho.
- Um sonho, né? Caramba.
- É... um sonho.
- Cabeça de bagre, bem que podia ser verdade...
- Sei lá. Talvez um dia seja...
- É... ... Quem sabe. Um dia.

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