quarta-feira, 28 de julho de 2010

Sobre dias cinzas

Ela estava sentada na varanda, olhando a chuva pingar. Morava no final de uma rua pobre de uma cidade pequena, com um marido que a deixava sozinha aos fins de semana. Tivera um filho que, tão logo cresceu, sumiu de casa, sem prévio aviso, sem deixar rastros, apenas um bilhete de despedida.

O banco em que sentava era de madeira, presa por imensos pregos gelados, todo pintado de branco. As gotas que se juntavam em cima do telhado caíam em pequenas cascatas em frente a sua casa. O céu nublado e o vento gelado davam-lhe uma sensação de paz e conforto, algo que só a natureza poderia lhe proporcionar nesses dias cinzas.

Sim! Os dias eram cinzas, tingidos em uma tonalidade sem graça, incolor. A vida era mesmice e rotina. Uma rotina que ela detestava. Perguntava-se, enquanto ouvia o batucar da chuva, como havia parado ali. Sonhara tanto enquanto criança, tivera tantos anseios, tantas expectativas para o futuro. Preparou-se, esmerou-se... mas deixou tudo se derramar como água que escoa pelo ralo. Trocara todos os sonhos por uma paixão inconsequente. E agora estava ali, sozinha, deixando um vagabundo qualquer ditar as regras de sua vida. Um vagabundo que, apesar de tudo, ela ainda amava.

Só o que lhe sobrou foi a capacidade de se encantar. E era o que fazia ali, apenas observava a chuva, sentia o odor de grama molhada, deixava o vento esfriar-lhe o corpo e rezava a Deus que lhe ajudasse de alguma forma. E, assim, sentia-se viva!

Em algum outro canto da cidade, enquanto a chuva caía torrencialmente, ele se sentava em uma mesa de bar, com alguns poucos amigos, todos embriagados, ouvindo o rádio anunciar qualquer notícia sem importância para suas vidas. Ele pediu mais uma dose.

A outra dose chegou e por um momento imaginou se seria capaz de renunciar a ela. Não era! Olhava para o fundo do copo e se perguntava como havia parado ali. Era tão humilhante. Tomou de um só gole e bateu forte com o copo na mesa, sentindo-se um fraco, um perdedor. E um fraco e perdedor como ele não merecia a mulher que tinha conquistado havia tantos anos atrás. Desde que deixara de ser o esportista, o bem sucedido, namorado perfeito nunca mais se sentira homem suficiente para ela. E isso os afastou. E afastando-se dela, o mundo para ele já era. E foi assim que entrou nessa vida de outras mulheres e bebidas. As mulheres eram para lhe reafirmar a masculinidade então perdida. A bebida, para esquecer das traições e fragilidades. Nesse ínterim, passara a se irritar com a mulher que amava. Não por detestá-la, como ela provavelmente imaginava, mas por não querer dar o braço a torcer, ou para não se mostrar fraco diante dela, ou... na verdade, nem ao menos sabia.

E tudo foi seguindo assim, como uma roda gigante que insiste em rodar, sem lhes dar oportunidade de descer, ou recomeçar.

A chuva cessou. Ele olhou para fora, questionando-se, indagando-se, torturando-se. Não sabia que em sua casa, também ela se questionava, e se torturava.

Tivessem um dos dois a coragem... Tivesse ele humildade para reconhecer... e voltar atrás. Pois, não sabiam, mas ainda era possível retornar à inocência dos primeiros beijos, dos primeiros olhares.

Quando chegou em casa, naquela noite, encontrou-a tomando leite quente na cozinha. Parou e quis falar-lhe alguma coisa, mas a embriaguez e o estado deplorável em que estava lhe impediram. Apenas olhou para ela, ainda reconhecendo em algum lugar daquele rosto a jovem por quem se apaixonara. Subiu sem dizer palavras. Entrou no banheiro e chorou silenciosamente.

Ela o amou e odiou secretamente pela milésima vez. E pela milésima vez foi dormir com aquela dor esmagadora.

Quando ele saiu do banheiro, deitou-se junto dela e abraçou-a, inseguro. Ela segurou sua mão firmemente e afirmou baixinho: "Vai ficar tudo bem".

Mas, em seu coração, essa ainda era uma pergunta que se fazia. Vai ficar tudo bem?

Um comentário:

  1. Que lindo!
    Que dor! Mas com ainda alguma esperança... =)
    Triste, mas lindo texto!
    Vc é psicólogo?! =P
    bjinho, Miguelito querido! xD

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