terça-feira, 15 de setembro de 2009

Sobre uma pedras de gelo

O vento gélido da noite atinge o rosto desprotegido de João. Ele caminha lentamente, mãos nos bolsos enormes do casaco de frio, indo para lugar algum. Pensando em como deveriam ter sido os últimos dias - que pra variar foram bem diferentes do que o esperado -, João vai chutando as pequenas pedras de gelo que ainda se encontram no chão, após a forte geada que atingiu a cidade, horas antes.

Os carros começam a sair novamente de suas garagens. A chuva foi como um pitstop para a correria diária da cidade, e agora é hora de voltar a esquentar os motores. Mas João não sente necessidade de retomar o ritmo acelerado em que estava. Decidiu apenas caminhar algumas horas, prestando atenção nas luzes da cidade, no barulho dos carros, na lua minguante que fracamente iluminava o firmamento. A noite o encantava, sempre o encantara, mas havia muito tempo que a correria do dia-a-dia o impedia de contemplar, de vivenciar o espetáculo do céu escuro, de olhar para o céu sabendo que o sol estava do outro lado (essa ideia o atraía inexplicavelmente). João caminha, olhando o profundo buraco escuro que contém as estrelas. As luzes da cidade impedem o brilho intenso das estrelas, mas, ainda assim, tudo é fascinante.

As últimas semanas foram cansativas para João. O rapaz se viu envolto por um turbilhão de acontecimentos em sua casa, seu trabalho e seus amigos. Estranhamente, tudo acontecera ao mesmo tempo: a grave doença da mãe, o término do namoro, a crise financeira da empresa e o consequente corte de gastos... Sem contar o afastamento involuntário que teve com os amigos, por falta de tempo e excesso de preocupação. Parecia que uma parte do mundo decidira desabar, uma parte pequena (porque ele sabia que o mundo era muito mais do que sua vida), mas desabara todo em suas costas. Passara os últimos dias com uma sensação de perda e desamparo. Não sabia para onde ir, com quem conversar. Tudo era solidão e cansaço.

Então, mais cedo, nesta noite, durante a torrente que - mais tarde ele saberá - inundou metade da cidade e desabrigou centenas de pessoas, João parou para pensar que talvez as coisas não fossem tão ruim assim. Não porque achou que seus problemas, no fundo, são pequenos; tampouco por ter imaginado que "no fim tudo dá certo".

João apenas percebeu que a vida não era pra ser um eterno ganhar ou perder, ou um correr atrás do ouro, uma busca a qualquer custo, consciente ou não, da felicidade. Percebeu também que estava triste porque as coisas não iam como deveriam estar indo, e percebeu que quem ditara como as coisas deveriam ir tinha sido ele mesmo. E que portanto a sua tristeza advinha da sua incapacidade de saber prever o futuro.

Não que o futuro não dependa dele. Depende e muito. Mas não só dele. E neste "não só" é que João reflete agora, iluminado pelo farol dos carros que passam vez ou outra e tendo como abrigo apenas a escuridão do céu.

Ele pensa que nada fez de errado para que as coisas não saíssem como desejara, mas que no fim, como nem tudo depende dele, as coisas não saíram como o esperado. A dúvida é: o que fazer agora que depositara expectativas, esperanças, a própria felicidade em algo que não aconteceu? Bem, pensa ele, simplesmente não depositar mais a FELICIDADE em coisas incertas. Então, ele não deve mais nutrir esperanças? Não é bem assim. Só não deve depender dela, por que, em última análise, que poder ele tem sobre as coisas e que discernimento tem para poder dizer: isto me fará bem e é bom que aconteça?

Como buscar a felicidade então? Talvez, aproveitando um pouco o momento, não depender do futuro para ser feliz, não se prender ao passado, viver o presente! Buscando, é claro, construir um futuro sólido, na medida do possível, e vivendo o presente dando maior importância ao que realmente tem de mais importante: a presença. "Quem entenderá isso, se não aquele que sabe do que se passa aqui dentro", pensa.

João chuta mais uma pedra de gelo. Agora elas já derreteram bastante e chutá-las não é mais tão agradável. Ele respira o ar frio e admira o céu. Olha nos olhos da estrela mais brilhante e deseja eternizar cada segundo.

Um comentário:

  1. Tem umas coisas que vc escreve, que parece que é o Espirito Santo mesmo.
    Provavelmente seja.
    Todos nós temos um João dentro de nós. O eterno esperar por alguma coisa.
    E a felicidade será encontrada assim que aprendermos a apenas "eternizar cada segundo".
    Ah Miguelito!

    bjos

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