segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Sobre um balão e uma viagem - parte 2

Assim que o carro de papai virou a esquina próxima ao colégio de Ben, o menino pôde ver a surpresa que o aguardava. As crianças estavam todas no jardim, em fileiras, mas visivelmente agitadas e empolgadas com o imenso balão que aos poucos ia se enchendo à vista de todos.

O carro de papai se aproximou e Ben pôde ver com mais nitidez as cores e formas estampadas no tecido do balão. Eram muitos losangos coloridos, distribuídos aleatoriamente sobre a superfície que ia se alargando, à medida que o balão era enchido. Triângulos verdes, amarelos, laranjas, vermelhos, pretos, brancos, azuis, rosas... todos as cores estavam presentes ali, provocando um turbilhão de informações aos olhos de quem via. Ben se esqueceu completamente da tristeza nos olhos da mãe e quase desceu do carro sem se despedir de papai.

- Hey, volte aqui garoto - disse papai, antes que Ben descesse do carro.

Ben ajoelhou-se no banco ao lado de papai e deu-lhe um rápido beijo de despedida, enquanto sorria largamente.

- Você viu que legal papai!!! Será que a gente vai viajar um dia num balão desses?

O sorriso sumiu do rosto do menino. O som da palavra "viajar" remeteu Ben diretamente aos acontecimentos daquela manhã. Em geral, as crianças são rápidas em esquecer as suas mágoas e tristezas, por que sabem viver um dia de cada vez e vivem intensamente cada momento. Assim, o que fica pra trás, geralmente fica pra trás, mas Ben era uma criança um tanto especial e quando sentia algo errado em alguém, preocupava-se com essa pessoa até que a visse feliz novamente.

Papai percebeu a mudança brusca na animação do filho. Ficou sem palavras por um momento, provavelmente pensando no sofrimento de mamãe. Deu um breve suspiro e abriu um sorriso para Ben.

- Não se preocupe, Ben. Aproveite o último dia de aula, brinque bastante e aprenda muito. Quando tivermos uma nova oportunidade de viajar vamos para o lugar que você quiser, que tal?
- Não, papai. Vamos para onde mamãe quiser.
- Se você quiser assim.
- Eu quero. E vamos viajar de balão, para mamãe fugir de todos os problemas. Do jeitinho que ela quer.

Papai pareceu mais preocupado. Imaginou que mamãe tivesse falado isso ao filho. Conhecia bem o filho, e sabia que se ouvira uma frase dessas - "viajar de balão para fugir de todos os problemas" - ficaria com essa ideia gravada na memória por muito tempo. Afinal, Ben e todas as crianças costumam levar muitas coisas ao pé da letra e não sabem distinguir aquilo que os adultos chamam de "modo de falar" ou "linguagem figurativa". Essas coisas são muito complexas para as crianças, e para as crianças tudo deve ser muito simples, por que elas são simples.

Alguns anos depois, Ben descobriu que papai e mamãe realmente tiveram essa vontade de fugir, esse anseio de escapar de tudo e de todos, indo para um lugar em que ficassem imunes de problemas financeiros, brigas, doenças. O próprio Ben se depararia com essa vontade em sua juventude, e depois, quando se tornasse adulto, e depois, quando estivesse velho. Ben descobriria que o ser humano sempre quer fugir do medo e da dor, em vez de enfrentá-los com coragem e braveza, e também descobriria que não importa onde for, o ser humano tem obrigatoriamente que se deparar com a dor e o medo. Não há para onde fugir. Mas isso Ben só entenderia mais tarde, e enquanto criança, ele apenas acreditava no que lhe era dito. Naquele dia, pensava que a fuga que mamãe havia proposto resolveria todos os seus problemas.

Papai, ainda preocupado com o filho, disse-lhe:

- Ben, não queremos fugir de nenhum problema, ok? Mamãe apenas está triste com o que está acontecendo – Ben sequer sabia o que estava acontecendo – e deve ter-lhe falado isso da boca pra fora. Mas poderemos, sim, viajar de balão se você quiser. Depois conversaremos sobre isso, está certo? Você já está atrasado e a palestra vai começar.
- Tudo bem, papai. Tchau – respondeu Ben, dando outro beijo na face de papai e batendo a porta do carro atrás de si.

Parou fora do carro um momento, tentando processar as informações que papai dissera. No entanto, o rosto triste de mamãe saltava-lhe à memória, e suas palavras ficaram gravadas em seu coração. Ben aproximou-se da turma e foi recepcionado pela professora, enquanto mantinha os olhos fixos no imenso balão que crescia a cada segundo. Embaixo do balão, Ben pôde ver, pela primeira vez, uma cabine de madeira que se conectava ao balão por cabos. Deveriam caber umas 20 pessoas espremidas ali dentro.

O menino juntou-se à turma e respirou fundo para tentar esquecer a tristeza e aproveitar a palestra que já começara.

2 comentários:

  1. Ben, Ben... where are you going?

    eu estou só esperando vc crescer para decolar neste balão!

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  2. "também quero viajar nesse balão..."
    Sempre quis!

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