quarta-feira, 16 de junho de 2010

Sobre uma montanha

De repente, eu me deparo com uma grande montanha. Sigo caminhando e me aproximo. Temo. Ela é tão alta. Imensa. Olho para os lados, onde o horizonte se esconde. Não há outra saída, é preciso escalar.

Descanso ao pé da montanha. Tomo fôlego, alimento-me. É preciso estar inteiro. Uma vez lá em cima, não é prudente que se volte. Uma vez lá em cima, não se quer voltar. Descansado, olho para o alto. Não se enxerga o topo daqui, mas sei que em algum lugar sobre as nuvens, lá ele se encontra.

Subo. Passo a passo, preparando-me para qualquer imprevisto, observando cada detalhe da paisagem. O começo é fácil. A subida é pouco íngreme, o clima é quente e a natureza me acompanha com todo seu esplendor, suas cores vivas e sua respiração pulsante que me faz feliz. Converso com as coisas. Digo 'oi' para as árvores e conheço algumas lagartas. Pergunto-me quando elas virarão belas borboletas. Elas não me respondem, de tímidas que são.

Ao fim do primeiro dia, estou feliz pelo progresso. Olho para baixo e vejo o quanto caminhei. Sigo o soar de um regaço. O ar úmido é refresco para o corpo cansado, e a água fria mata a sede e restaura a alma. Acampo. Olho para as estrelas. Elas me guiarão na madrugada. Em poucos segundos, durmo.

Acordo disposto. O sol ainda não disponta. Quero aproveitar a lua e as estrelas para caminhar e pensar. Nesse momento, caminho olhando mais para o céu do que para o chão. Arrisco-me a tropeçar em uma pedra, mas as constelações que daqui se enxergam, não se enxergam da cidade. A experiência é única. Vale a pena o risco.

O ar que sai da boca cria uma espessa fumaça por causa do frio. Como criança que acaba de descobrir o fenômeno, vou soprando e repirando, divertindo-me com a experiência de estar vivo e subindo.

Paro. A pressa em atravessar a montanha não pode me impedir de aproveitar as belezas do caminhar. Sento e espero o nascer do sol. A alvorada, quando estamos rodeados de natureza, é tão mais bela e completa. Vejo o astro-rei subir devagar, majestoso, e acordar cada pedaço de relva verde e cada inseto que dormia tranquilo em sua toca. Sinto o calor, ainda tímido, começar a aquecer meu corpo. Estou vivo!

Continuo a caminhada. Mais um dia de subidas. Outra noite e outro dia.

Os dias passam rápido. É tudo tão novo, a experiência empolgante.

O alimento começa a faltar. É preciso procurar frutos, insetos ou presas. Não me importo. Só tenho a crescer com a dificuldade. O ar é cada vez mais frio. As noites são mais longas, pois dormir tornou-se difícil. Acordo com menos forças e só consigo caminhar quando o sol já está quente.

O cume ainda está distante. Subo menos a cada dia, pelo cansaço, pelas dores e pela dificuldade em respirar, fazendo com que, paradoxalmente, o topo fique cada vez mais longe. Penso que já é uma vitória chegar ali, mas de que me adiantará se não chegar ao fim? Se não vislumbrar a bela paisagem do alto, terá valido tanto esforço? Não posso desistir.

Subo. Subo. O frio é intenso. O ar que entra em meus pulmões gela a alma, arde, machuca. A fome bate, mas o alimento deve ser racionado.

Tremo.
Canso.
Enfraqueço.
Caio.

Passo um dia em torpor.

Encontro uma caverna. Busco palha seca e faço uma fogueira. Encontro alívio no fogo que arde e ilumina. Como é belo, como é forte. Quero ser como ele, como o fogo. Quero ser forte e quente. Quero... Mas o fogo só nasce do atrito ou da combustão. É preciso ter o que queimar. Quero queimar minha vida, meus sentimentos. Quero queimar meu ser.

Fortalecido, exploro a caverna com uma tocha. É profunda, escura. Há água. Abasteço-me. Os caminhos são tortuosos, alguns estreitos. Descubro-me ali dentro. Minha sombra cresce em alguns momentos.

Pego uma trilha que sobe. Ela é escura como a noite. Será um atalho? Será que sairei em outra caverna, mais acima? Arrisco-me. Às vezes é preciso enfrentar a escuridão, caminhar apertado e enfrentar o medo para poder vislumbrar a luz. Além disso, é preciso conhecer a montanha por completo, seu exterior, e seu interior. Haverá também belezas lá dentro.

Subo a trilha. Por muitas vezes, deparo-me com dois ou mais caminhos. Escolho.

Sigo prevenido. Tochas, madeiras, água. Pesam-me, e o corpo já é fraco, mas sigo firme. Já não sei se é dia ou se é noite. O espírito já se consome em si de tanto tempo na escuridão. O espírito entristecesse e percebo o quanto a luz do sol faz bem pra alma. Isso, ao invés de desanimar-me, faz-me caminhar mais. Quero sobreviver. Quero rever o sol. Sei que ele está lá.

Caminho cansado. O interior da montanha é quente. Desnudo-me e sigo.

A luz. Sim, é o sol. Alegro-me. A alma rejubila-se. Canto pro sol. E saio do ventre da montanha, nu. Solto a mochila e enfrento o frio e o ar puro, ainda que rarefeito. Choro. Renasço. Vejo o sol e a natureza. Contemplo tudo o que há embaixo. Era um atalho, de fato. Subi muito. Valeu encarar a escuridão. Valeu, ainda que tenha sido só pela alegria de reencontrar o sol. Como num novo primeiro encontro.

Olho para o alto. A subida agora é íngreme. Muito. Sorrio. Escalo. Retiro forças do reencontro. Como o sol me fez bem! Quem disse que só de pão e água retira-se forças físicas?

Escalo.

A noite cai. O frio irrompe. Choro. Os sentimentos já se confundem. Os dedos doem. Não encontro lugar para repouso. Apenas debruço-me sobre o paredão, numa posição segura. Olho para baixo, desespero-me. Olho para cima. Fito uma linda estrela, resplandecendo luminosa, destacando-se sobre as demais. Ela me chama. E eu faço o firme propósito de só parar quando alcançá-la.

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