sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Sobre olhar com olhos diferentes

A festa acabou. Depois de muitos beijos, abraços, desejos de feliz ano novo, e novamente beijos e abraços de despedida, a festa finalmente acabou.

João voltava para casa com um leve sorriso no rosto. Alegria. Encontrar-se com os melhores amigos, recordar boas histórias do ano que passou, dançar, beber um pouco além da conta, dar boas gargalhadas e projetar viagens para o futuro. Uma festa perfeita, assim como devem ser as festas de virada de ano.

As lembranças do ano que passou eram tantas e tão boas que João decidiu apenas continuar dirigindo enquanto pensava. Entrava em algumas ruas, dava meia volta, abria o vidro, sentia a brisa. A primeira brisa do ano. Um bom começo, pensou.

De repente, João se lembrou que esquecera a máquina fotográfica na casa de Maria. Imaginou que não seria incômodo voltar para pegá-la. Pegou o celular, mandou uma mensagem e começou o caminho de volta.

As ruas que levavam até a casa de Maria eram mal iluminadas, e naquele momento do ano estavam totalmente desertas. Os muros altos cobertos por trepadeiras e o farol alto do carro de João terminavam de dar um ar amedrontador para aquele local. João podia se imaginar em um filme de terror, ou de suspense, sendo perseguido por um louco qualquer com uma faca ensanguentada na mão, sedento por ceifar a vida de mais uma vítima.

"Que pensamentos estranhos pra se ter no começo do ano, hein?" - pensou o rapaz. De qualquer forma, provavelmente não era o primeiro a pensar aquelas coisas, tão pouco seria o último. E tão pouco isso importava no momento. O importante foram os outros pensamentos que assaltaram a sua cabeça.

À medida que se aproximava da casa de Maria, João passou a sentir um estranha, porém conhecida, sensação. Estranhamente conhecida sensação. Ou melhor, conhecida. Ponto. Mas aquilo era estranho. Enquanto dirigia e esperava a mensagem de resposta de Maria, sentia uma necessidade imensa de ler as palavras que ela escreveria. E ao mesmo tempo, estava alegre porque iria revê-la em tão pouco tempo. Quem sabe poderiam conversar até mais tarde, assistir ao nascer-do-sol juntos. Quem sabe até...

"Opa, isso é estranho. Maria?", isso era estranho.

O celular de João vibrou. Chegava uma mensagem. Seu coração bateu um pouco mais forte. Mas não havia muito mistério. Seria apenas uma mensagem de "OK, pode vir". E era.

"Cara, o que é isso? Tanta emoção por uma mensagem? ...". João relutou contra os pensamentos durante alguns outros minutos. Abriu mais ainda o vidro do carro, aumentou o som e deixou o vento e o U2 levarem embora o constrangimento da paixão recém-descoberta. Até que finalmente se rendeu...

"Qual é, cara? Você sabe... sempre soube... sempre houve algo a mais. Ela é interessante, engraçada, é da galera, e é extremamente bonita. Você sempre teve uma queda. E sempre vai ter. ... ... O que não exclui o fato de ser estranho, afinal, tantos anos de amizade e só agora, de repente, isso surge? Tudo bem, nós não somos os amigos mais próximos, mas sempre fomos bons de conversa. Mas, qual é? 'João e Maria', isso seria no mínimo ridículo."

E assim continuou a pequena viagem até a casa da garota. Quando chegou, João saiu do carro, não sem antes arrumar o cabelo. Fez toda a pinta de desentendido que pôde e pressionou levemente a campainha.

******

Enquanto esperava por Maria, João decidiu tirar aqueles pensamentos da cabeça. Provavelmente seria melhor ligar para ela e chamá-la para um almoço outro dia. Agora ambos estavam cansados e fatigados da festa...

- Oi, "João Sempre Esqueço Alguma Coisa". - Maria já abriu a porta, interrompendo seus pensamentos, com sorriso no rosto, a máquina em uma mão e fazendo o sinal de aspas na outra.

- Haha, engraçadinha. Foi muito champanhe por uma noite...

João pegou a máquina, olhando profundamente nos olhos de Maria. Seus dedos se tocaram e ele pôde sentir o leve arrepio que a garota sentira. Ela desviou o olhar e pareceu sem graça por um segundo. Era aquele o momento, estava tudo perfeito.

- Maria, olha... É... eu vim pensando no caminho. Lembra daquele restaurante japonês que lhe falei. Que tal se nós... um dia desses... fôssemos juntos? Eu e você?

O sorriso que surgiu em seus lábios não podiam indicar outra coisa senão correspondência. Maria dera um sorriso tão grande, que João pôde jurar que viu refletir a luz da lua em seus dentes. Ele, então, aproximou-se da garota. Segurou-lhe a mão, e como quem ia se despedindo, deu-lhe um beijo em uma face, e outro na boca. E os dois se beijaram, então, calorosamente durante alguns minutos e...

******

Isso é o que ele gostaria que tivesse acontecido, mas...

Quando Maria realmente abriu a porta, interrompendo os devaneios de João, o garoto simplesmente voltou ao normal. O normal era como ele sempre se comportava com os amigos, ou melhor, com aquelas amigas solteiras por quem aparentemente não tinha qualquer tipo de interesse. Pegou a máquina que estava com Maria. Pensou em puxar assunto, mas enquanto pensava a menina esperava, com a porta semi-aberta, em silêncio. João sentiu o silêncio constrangedor, então apenas lhe agradeceu e lhe deu mais um beijo de despedida.
Voltou para o carro e viu a garota fechar a porta assim que passou pela frente da casa. E voltou às ruas com seus pensamentos.

2 comentários:

  1. Você sempre escrevendo textos cheios de significados e que no fundo, contam um pouco do que temos sentido e pensado... sei lá... é estranho!
    Você manda bem... =]
    Beijo

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