quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Sobre andar por aí

Eu tenho andado pelas ruas, agasalhado até o pescoço, olhando as luzes da cidade, os rostos mascarados e os gatos, sorrateiros, se espreitando pelos cantos. Tenho andado cabisbaixo, mirando os pés cansados que se alternam na missão de me manter ereto. Enquanto a noite vai se adensando e tomando conta dos corações que dormem, eu só sinto a saudade pungente me envolver por completo, como névoa branca em fria manhã de outono. E a saudade está em todo lado a me envolver.

Reparo nos rostos que passam. Faces que brilham à luz de postes, demonstrando insegurança e medo. Sorrisos que apenas escondem o temor de não fazer suas vidas valerem a pena. Medo de que tudo seja apenas isso: passageiro.

O frio protege o homem da cidade. Ele pode se esconder atrás das roupas. E é o que todos fazem nesses dias de inverno. Passo pelas ruas e vejo apenas faces sendo carregadas por montes de tecidos. Mãos que se enfiam em bolsos aconchegantes e lá se sentem seguras de todo o perigo exterior.

E, não sei por que, tudo isso me faz lembrar você. Sozinha? Sorrindo? Embaixo de cobertas? Tomando um chocolate quente? Quantas possibilidades. Quanto de você não saberei mais. E enquanto você fala, talvez alguém esteja ouvindo. Talvez você só resmungue para as paredes, esperando que uma alma venha te salvar da solidão, da falta. Alguém como eu.

Ando pelas ruas, ignorando os passos que me seguem. Sinto uma mão se fazer presença e me tocar. Quando tudo é solidão, não se quer visitas inesperadas. É preciso ter hora marcada...

Eu me viro. Mãos no bolso.

Apenas mais um estranho. Ele estende a mão, eu ignoro. Ele me encara.

Ele diz:

- Espero que você possa me ajudar a me encontrar. Tenho andado por aí...

E eu completo, sem saber como sei. Sempre soube.

- ... procurando por alguém.

- Isso. Um rosto conhecido...

- ... nessa multidão de desesperados, eu sei.

Faz-se um silêncio.

- Alguém que saiba o que está fazendo - eu digo.

- Ou que não saiba, mas que esteja tranquilo com tudo isso - seu olhar paira distante, além do meu ombro, além das luzes atrás de mim, e mais além.

Eu finalmente aperto a sua mão. O frio congelante esgarça nossas peles. Ambos continuamos nossos caminhos, separados.

Eu tenho andado por aí, sempre procurando alguém a quem perguntar. Eu tenho andado por aí, querendo ouvir as respostas de perguntas que eu nem sei quais são. E foi bom saber que não estou só na busca.

Caminhando solitário, enquanto os primeiros raios atingem, tímidos, a cidade, eu sinto a ânsia de ter alguém ao meu lado. Talvez eu esteja me enganando. Eu tenho andado por aí, procurando por mais gente como eu.

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