sexta-feira, 5 de março de 2010

Sobre um homem

A rua estava tranquila. Passos e vozes iam e vinham e, como de costume, poucas vezes o som de moedas tilintando sobre a caneca de barro era ouvido. Sentia o mormaço do dia e deitava na rua ao lado de um muro áspero. A terra batida tinha um cheiro forte naquele dia e a algumas centenas de metros deveria haver uma barraca de frutas, pois o cheiro suave vinha em sua direção.

Assim passavam-se seus dias. Deitado na rua, com roupas doadas a muito tempo por um jovem bondoso. Sua caneca à frente, recolhendo moedas que não poucas vezes eram surrupiadas por algum ladrão 'invisível'.

Naquela tarde, rumores de uma visita inesperada e bem-vinda podiam ser ouvidos nas conversas. O homem dos milagres, o homem das palavras belas e do coração bom viria à cidade. Em alguns instantes, a rua passou a ficar mais movimentada. Ouvia muitos passos à sua frente e o movimento rápido e frequente do ar a sua volta indicavam que muitas pessoas passavam às pressas entre as casas. Portas se abriam e fechavam e, de repente, muitas conversas, talhas chocando e sandálias pisando o chão eram ouvidas.

O ar ficou mais abafado em torno do pobre mendigo. Muitas pessoas deveriam estar ali, impedindo a passagem de vento. Confuso e preocupado em ser pisoteado pela multidão que aparentemente se colocava à sua frente, levantou-se e esticou os braços para tocar em alguém. Alguns, ao serem tocados pelo pobre, desviavam-se e murmuravam maldições para o cego.

- Alguém - dizia-lhes -, alguém me diga o que acontece. Por que essa multidão?

- Cala-te, cego. - respondeu-lhe uma voz, e mãos o empurraram. É Jesus, o Nazareno, que vem. E tu não fazes melhor do que deitar-te. Vai-te.

'Jesus, o Nazareno', pensou o cego. 'As conversas que ouvi falavam dele, de sua visita a Jericó. O homem dos milagres, o homem das palavras belas. Eis a minha chance... Eis a minha chance de enxergar... de tirar a maldição que sobre mim caiu quando nasci.'

De um salto, o cego atirou-se sobre a multidão como alguém que se atira sobre um precipício cujo fundo não vê. Estendia as mãos e a plenos pulmões gritava:

- Jesus, filho de Davi, tem compaixão de mim. Tem compaixão de minha miséria e meus pecados. Jesus...

Andava aos tropeços entre a multidão, mas muitos o repeliam, chutando-o e fazendo-lhe ameaças. O cego foi jogado de lado e caiu com um baque ao lado do muro de onde levantara. Percebendo a dificuldade que teria de se aproximar, e sem nem mesmo saber de que lado vinha Jesus, desesperou-se e continuou gritando, ciente de que o barulho da multidão abafava seus gritos por completo.

- Jesus, filho de Davi, tem compaixão de mim.

- Cala-te, diziam os mais próximos. Não percebes que ele não te ouvirá?

Mas o cego continuava gritando, sem cessar. Quando a multidão já se ia, ainda seguindo Jesus que já passara, lágrimas escorreram sob seus olhos. Enxugando o rosto, mas ainda suplicando, dizia, agora bem baixo, quase sussurrando:

- Jesus, ouve-me, tem compaixão de mim. Tem compaixão, Jesus. Jesus...

O som ensurdecedor da multidão parou. Sem perceber, o cego continuou clamando:

- Jesus...

A algumas dezenas de metros, de onde a multidão deveria estar, ouviu uma voz forte e suave, que em alto e bom som disse:

- Chamai-o.

Por alguns segundos nada aconteceu. O mundo escuro, e agora sem som, pois nem mesmo a multidão se movia, pareceu haver ido embora. As lágrimas ainda escorriam em seu rosto, quando o cego Bartimeu ouviu passos próximo a si e mãos que o tocavam e levantavam.

Uma voz doce de mulher chegou-lhe aos ouvidos:

- Coragem, levanta-te. Ele te chama.

As lágrimas irromperam mais forte. Lançou fora a capa que o cobria e, somente com uma manta sobre as pernas, correu na direção da voz que o chamava. Tropeçou em pedras, ameaçou cair, mas continuou correndo. Quando se aproximava, sentiu uma forte presença e sabia que chegara próximo ao homem. Ajoelhou-se subitamente e, sem se importar com a repentina dor nos joelhos pôs as mãos sobre o rosto e chorou de novo.

Uma mão encostou-lhe a cabeça e a voz forte e suave soou novamente:

- Que queres que te faça?

Toda sua vida passou em sua cabeça. Décadas de dor e exclusão. Odiado pelos parentes, tratado como um chagado por Deus, sem condições de trabalhar, sem condições de comer. Sem amigos ou uma família que cuidasse de si. Bartimeu ouviu a pergunta 'Que queres que te faça' e pela primeira vez em anos um lampejo de esperança percorreu-lhe o coração e a alma. Esperança... uma sensação que se mostrou palpável e alegre... Esperança... que lhe recobrou o sentido da vida em um instante.

- Senhor - respondeu com voz embargada -, Senhor, que eu veja!

Tirou a mão do rosto e ergueu a cabeça.

- Vai - disse a voz à sua frente -, a tua fé te salvou.

Ainda de olhos fechados, Bartimeu percebeu uma claridade que batia à porta de seus olhos. Pela primeira vez em muito tempo sorriu. Um sorriso gostoso. Com muita insistência e não acostumado com a luz, abriu os olhos aos poucos.

A primeira figura que eu vi foi aquele homem. A primeira figura, e a mais bela que eu veria em toda minha vida. Um homem estendendo-me a mão, sorrindo, olhos firmes encarando meus olhos débeis e recém-nascidos para a luz. Um homem que me estendia a mão e chamava-me a caminhar consigo. Um homem que seria toda a minha vida e que, a partir daquele dia, me ensinou a caminhar na luz e sair da escuridão. Um homem que mais do que dar luz aos meu olhos, iluminou meu coração.

4 comentários:

  1. Excelente texto, amigo, excelente! Parabéns.

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  2. Maravilhoso!!! E emocionante!!!
    ahhh, que dom mais lindo esse seu!!! ;)
    Que Deus continue a te abençoar mais e mais!!! ;)
    Te admiro mtoo!!!
    E te gosto mtooooo!!! ;)
    Bjo no coração!
    "Um homem que mais do que dar luz aos meu olhos, iluminou meu coração."

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  3. Ahhh... começou a escrever o livro??? É uma parte do livro não??? =S

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