quinta-feira, 11 de março de 2010

Sobre uma nova vida

Quando a mulher entrou pela porta, os dois se assustaram e alarmados voltaram a se vestir. A mulher que estava deitada com o homem sobre a cama escondeu o rosto sob um lençol e tentou sair. Sendo empurrada pela que entrara, caiu no chão soltando o lençol e revelando seu rosto.

O quarto estava escuro e incensos davam um aroma sensual e estilmulante ao aposento. Os dois se encontravam ali ao menos uma vez por semana, enquanto a esposa saía para visitar os parentes. Aquele dia, no entanto, ela voltara mais cedo.

Saindo do quarto e se colocando à frente de casa, a esposa gritou para os que passavam, sem dó:

- Adúltera! Há aqui uma adúltera! Apedrejem-na!

Alguns homens da lei ouviram os gritos e trataram de fazer cumprir o que lhes era prescrito. Entraram na casa e se dirigindo ao quarto encontraram a mulher chorando em meio a lençóis jogados. O homem se fora, fugindo pela janela.

Ao ser agarrada por um dos homens que a buscavam, a mulher tremeu. Em seu íntimo, sofria antecipadamente as dores que a aguardavam. Sabia o destino que se daria a ela: o apedrejamento até a morte. Destino cruel, mas, pela lei, merecido. Desde que começara o caso sabia que corria esse risco, mas agora que o castigo era tão iminente se arrependia com todas as forças do que fizera. Entregara-se irresponsavelmente a mais um amor que não a completava, que apenas preenchia lacunas em seu peito e que tão logo eram preenchidas, se esvaíam como a neblina diante do sol. Tremeu e chorou. Chorou um pranto contido, silenciado, como de ovelha que segue ao matadouro.

Três homens a seguraram e levaram para fora da casa. Empurravam-na e de vez em quando acertavam-lhe chutes e ponta-pés. A dor que sentia na pele não podia ser tão grande quanto a vergonha pública pela qual passava naquele momento. Tentando esconder o rosto, podia ver muitas pessoas olharem com aprovação para a atitude dos homens que a espancavam. Alguns faziam comentários sobre sua identidade: 'não é a esposa do ferreiro?', 'bem merecido castigo', 'vamos assistir?', 'se meu filho pequeno não estivesse aqui, certamente iria'.

De repente, a mulher se viu envolta de uma pequena multidão. Em frente ao templo, algumas dezenas de pessoas que se reuniam viraram o rosto para ver o que se passava. Os homens seguraram a mulher com força, murmuraram rápidas palavras e, passando por entre a multidão, levaram-na até um homem sentado sobre as escadarias do templo. Apertavam o braço da mulher com força e a sacudiam, de modo que quando a soltaram ela caiu por terra aos pés daquele homem.

Aqueles que a haviam levado até ali perguntaram:

- Rabi, esta mulher acaba de ser apanhada em adultério.

- Sim, e Moisés nos manda na lei que apedrejemos tais mulheres. Que dizes tu? Que devemos fazer?

A mulher, ainda caída no chão, percebia o tom irônico na pergunta. Entendeu o que queriam fazer. Aquele devia ser Jesus, o Nazareno. Um homem que há algum tempo vinha confrontando a doutrina dos fariseus. Um homem ao qual o povo se apegara, pois fazia milagres, curava doentes e dizia palavras que enchiam os corações de esperança.

Esperança. Teria ela alguma esperança naquele momento? As lágrimas sequer escorriam mais em seu rosto, agora sujo e suado, pois nem lágrimas adiantariam para amenizar a dor que sofreria em instantes. A lei de Moisés era clara e sempre era cumprida com rigor pelos israelitas. Já era capaz de sentir sobre a carne as pedras atingindo-lhe o rosto, a barriga, as pernas...

Desesperou-se ao ver que muitos homens, mesmo alguns que estavam na multidão ouvindo Jesus, pegavam em pedras, apenas esperando o aval do Rabi para a execução. Tremeu e encolheu-se como uma presa indefesa. Haveria alguma esperança nas palavras do Rabi? Ela clamava aos céus que sim.

No entanto, Jesus permaneceu sentado e usando o dedo, começou a escrever no chão. Os homens da lei riram diante daquela cena.

- Não podes contradizer Moisés, podes? O que escreves? Por que te abstens de responder?

- Podes porventura nos mandar que apedrejemos a ela? E o amor ao próximo que pregas?

- É falha tua doutrina, Rabi.

A mulher se desconsolava novamente. Por um momento se agarrara ao fio de esperança que aquele homem representava, mas ele se mantinha em silêncio, ignorando os homens que lhe questionavam. Reparou nas palavras que ele escrevia: Miséria. Era como se sentia, uma miserável. Uma mulher repudiada por todos, destinada a morrer vergonhasamente. Não bastasse calar-se, o homem ainda a fazia se confrontar, nos últimos momentos de vida, com a própria miséria.

- Não falas... - recomeçou a falar um dos homens da lei.

Nesse momento, Jesus levantou-se. Olhou para a palavra escrita no chão, olhou para as pedras nas mãos dos que o ouviam anteriormente. Uma breve expressão de tristeza perpassou seu rosto. Então ele disse, apontando para todos. Cada um dos que estava entre os presentes podia afirmar com certeza que em algum momento ele apontara para si. Com voz forte, disse:

- Quem dentre vós estiver sem pecado seja o primeiro a atirar-lhe a pedra.

A mulher gelou ao ouvir que Jesus permitira o apedrejamento. Era só questão de tempo até que a primeira pedra voasse sobre ela, e depois da primeira, todas as outras. Ela ainda não notara no poder que as palvras de Jesus tiveram sobre a multidão. Seu coração estava em prantos e novamente lágrimas irromperam de seus olhos. A dor que sentia em seu coração era imensa, uma angústia e um medo que a faziam repensar toda a vida e desejar ter muito mais tempo para poder acertar as coisas, para poder ter uma vida que valesse ser vivida e não a vida miserável, ainda que confortável e luxuosa, que levara. Viu Jesus inclinar-se novamente sobre a terra e escrever.

Coração. Miséria e coração. 'Eu conheço os coraçãos', ela ouviu a voz de Jesus, dentro de si, clara como o sol de meio-dia em um céu sem nuvens. 'Eu conheço os corações, e são todos como o seu, desejosos de um verdadeiro amor, esquecidos de amar. Eles acusam para que não sejam eles acusados.'

E então ela entendeu. Se alguém atirasse a primeira pedra, seria alvo de comparações e murmurações. Agarrou-se novamente a um fio de esperança. E o pequeno fio de esperança se transformou em corda segura ao ver que os mais velhos começavam a largar as pedras e sair. E, de repente, a mulher viu-se deitada sobre um chão seguro, e a esperança se transformara em certeza. Certeza de uma nova chance. Todos os presentes largaram suas pedras e se retiraram, envergonhados e pensativos.

Sobraram apenas ele e ela. E as lágrimas que saíam de seus olhos já não eram de desespero e angústia, mas de amor e alívio. E ela olhou para o homem à sua frente, aproximou-se dele. Tocou-lhe as sandálias e beijou-lhe os pés, molhando-os com suas lágrimas.

Jesus se levantou e olhou em redor. Perguntou:

- Mulher, onde estão os que te acusavam?

Inclinou-se para levantar a mulher e continuou:

- Ninguém te condenou?

Com voz embargada e uma imensa gratidão que jamais poderia descrever em palavras, a mulher respondeu:

- Ninguém, Senhor. Ninguém me condenou.

Jesus sorriu, e seu sorriso pareceu-lhe o mais belo poema transformado em vida. E Jesus disse as últimas palavras que aquela mulher ouvira naquela vida. Ou foram as primeiras palavras que ela ouviu na nova vida. Pois, naquele momento, Jesus ressuscitava um morto que jazia enterrado há muito. Aquelas palavras enterraram as trevas que jaziam em seu coração e recobraram-lhe a vida e ela ressucitou com Cristo, para uma vida nova.

- Também eu não te condeno, mulher. Vá e não voltes a pecar.

E ela seguiu Jesus. E seu coração, aos poucos, reaprendeu a amar.

3 comentários:

  1. Adorei, Migows! Obrigada por compartilhar com a gente esse tesouro que é a sua fé, seu conhecimento e seu amor por Cristo! Não é à toa que vc é meu padrinho! =P

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  2. Já que a Fernanda te chama assim, eu também posso rs Migows (que chique hein com w no final kkk) Acho essa passagem fantástica, uma das mais belas lições que Cristo nos deixou.
    Que Deus te abençoe hoje e sempre, te dando forças pra continuar trilhando o caminho de Jesus.
    Beijos.
    edilene590@hotmail.com
    Edilene Ferreira Borges - Bibi.

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  3. chorei de novo =`) Como é possivel um cara tão novo saber tanto? Nossa, toda vez que eu tenho alguma duvida ou algo do tipo sobre a nossa doutrina logo lembro de você. Brigada Miguel! (=

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