quinta-feira, 4 de março de 2010

Sobre Gondrian

Via-se, nos campos de Gondrian, uma figura altiva, determinada. Um viandante, de roupas pretas como de um pistoleiro, mas de espada em bainha, andava entre as árvores esparsas atingidas pelo vento. Cabelos longos e dresgrenhados voavam tornando-o visualmente mais alto e esguio. Em meses não se via um'alma sequer andando por aquelas terras ermas que levam a lugar algum.

As folhas se soltavam dos galhos, voando desordenadamente sobre os olhos e pés de Argus. O rapaz protegia-se da imensa ventania que vinha do leste com o braço dobrado ante o rosto. Andando com dificuldade contra o vento, veloz e furioso, Argus rumava aos campos perdidos de Gondrian.

Rezava a lenda que nesses campos se encontram objetos sagrados. Objetos que poderiam recobrar vida aos enfermos. Os campos porém nunca foram encontrados e todos os que iam até ele ou nunca mais eram achados ou voltavam alucinados e malucos. Argus não se importava. Se achar os objetos sagrados era a única forma de se salvar, arriscaria a sanidade para tal. Se não os encontrasse, tampouco faria diferença morrer demente ou morrer são.

Já se iam dias andando, com escassez de comida e pouquíssima água. Beber das águas dos campos era impossível já que não se podia saber se eram venenosas. Tudo ali era suspeito. Mesmo o ar que se respirava. Argus perdia as forças a cada passo, e a força do vento começava a levá-lo para trás. Árvores se retorciam e balançavam incessantemente. A vista turvava e abrir os olhos tornara-se perigoso, pois poderiam ser acertados por uma pequena pedra voando ao vento.


Passo após passo, Argus começou a sentir o corpo pesar mais e mais até paralisar. Continuava sentindo o vento bater em si, mas era incapaz de se movimentar. Pesava mil toneladas naquele momento. Sentia como se nada pudesse tirá-lo do lugar.

Pelo canto da vista percebeu um vulto a correr entre as árvores. Corria com a leveza de uma sereia em águas calmas, não rápido, mas sem se importar com o forte vento que se opunha a seus movimentos. Argus virou o rosto, mas o vulto se fora. Tentou mover-se novamente, mas isso era impossível. O peso passou-lhe a doer os ombros e as costas. Sentia-se prensado por uma montanha. Olhou para os pés, para certificar-se de que nada o prendia.

Ao voltar a vista para frente, seu olhar se deparou com o vulto que vira, mas agora o vulto estava a sua frente, a pouco mais de dois palmos de distância. O susto de Argus foi enorme, mas, de qualquer forma, ele não podia se mover.

O vulto era um homem com pele lisa e branca - ou seria uma mulher, com feições de homem -, com um imenso manto preto e um capuz sobre a cabeça. O homem - a criatura - tinha mais de dois metros e na distância a que se colocava parecia imponente como um cavaleiro sobre seu cavalo. Argus não sentia mais o vento, mas apenas um mormaço quente a lhe rodear, como se estivesse preso em uma bolha no meio da ventania. De fato, percebeu que o vento, apesar de ainda soprar impetuosamente, não movia as roupas do ser à sua frente. Era como se mesmo o vento o temesse.

Os dois permaneceram calados, olhando-se detidamente.

Um leve sorriso surgiu nos lábios do homem à frente de Argus. Sua boca abriu-se levemente e uma voz rouca , mas fina, saiu de sua garganta, sem que seus lábios se movessem.

- Argus, bravo guerreiro. Não me importo que venha até meus domínios, só me importo que deles saia.

Num piscar de olhos, a criatura não estava mais à sua frente. O vento voltou a bater em seu corpo e um frio repentino tomou conta de si. O peso que lhe prendia ao chão sumiu, fazendo Argus ser empurrado pelo vento, cair e ser arrastado a metros de distância. Num impulso, jogou-se contra o tronco de uma árvore para conter a queda. A ventania aumentara e seu corpo agora era esmagado contra a árvore. Permaneceu ali por horas, sem forças para romper a imobilidade em que se encontrava. E por horas a ventania continuou, sem dar tréguas. E o corpo de Argus adormeceu, e sonhou sonhos estranhos.

*******

Um continho sem começo nem fim, só pra não perder o costume de escrever.

Nenhum comentário:

Postar um comentário