terça-feira, 30 de março de 2010

Sobre conformar-se

Sentado em seu sofá, apenas olhando pela janela enquanto a televisão anuncia qualquer coisa. Os carros passam vagarosamente. As pessoas conversam, sorrindo. O mundo gira como se estivesse em câmera lenta, e seu coração bate como um tambor pulsante, marcando o ritmo da música. E a música que está sendo tocada é calma, convidando a uma dança a dois.

Ele estende o braço, alcança o controle remoto e desliga a tv. Como em uma cerimônia, levanta-se calmamente. Os primeiros passos parecem-lhe pesados e duros de se dar, mas logo a inércia é quebrada e ele percebe que não precisa mais se conformar a esse mundo. Pela janela, percebe o tempo esfriar. Rapidamente o sol se esconde e um vento impetuoso atinge as faces despreparadas, arrancando gritos de gargantas secas. O mundo agora corre para fugir da natureza que decidiu fazer seu show.

Ele não se importa. Não quer mais se conformar a este mundo. Abre a porta de casa, desce os degraus da varanda e anda até a rua, onde os carros passam sem se aperceber dele. Caminha pela calçada, mãos nos bolsos, indiferente aos que correm com medo da água. A chuva começa.

Num primeiro momento calma e fina, a chuva assusta e esconde em abrigos os seres humanos que tinham planos, reuniões, encontros. O vento continua forte e aos poucos os pingos são mais grossos e mais velozes. É impossível caminhar contra a chuva de olhos abertos. Ela simplesmente não se importa para onde você vai. A chuva apenas chove, não se conformando ao nosso mundo.

Ele caminha a favor do vento. Sentindo-se mais leve, apesar do frio e da roupa agora encharcada. Caminha até o fim da rua, não se importando com os conselhos ingênuos que o mandam voltar para um lugar seguro. Ele não quer se conformar mais a esse mundo. Saiu da caixa que o enquadrou e restringiu seus movimentos. Agora é livre, e tem todo o mundo como seu lar.

E do outro lado da rua vem-lhe ao encontro uma bela mulher. Molhada, andando contra o vento. E os dois se reconhecem, como tendo sido convidados para a mesma dança. Ele sente o coração bater, ainda no mesmo ritmo. E na chuva, entre carros e pedestres que correm desesperados, eles dançam no ritmo do mundo. Do mundo que é dono de si, e que não se conformou ao mundo que o homem criou. E dançam a sua dança.

3 comentários:

  1. Achei massa esse!
    Bem simples, com o significado bem individual e aberto a interpretações.
    Bem manero!

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  2. Mas eles dançam até o amanhecer,
    e voltam para casa gripados.
    O nariz começa a escorrer,
    E o romance se torna um agravo.

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