terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Sobre um pôr-do-sol

Seis horas da tarde de uma segunda-feira comum de verão. Os carros saem das garagens dos prédios. Dirigem-se às suas casas, onde permanecerão estáveis, parados, até que haja um motivo para sair. Como formigas programadas ao trabalho, milhares de carros percorrem as ruas, escolhem caminhos, param, avançam. Dentro deles, almas silenciadas pelo tempo e a rotina. Almas que se apressam por chegar e descansar em seus leitos, ouvindo telejornais.

Um dos carros, nesse fim de tarde, decidiu fazer outro percurso. Atravessou ruas que acompanharia, e, assim, chegou a um lugar diferente, chamativo.

João estacionou seu carro na beira do parque da cidade. Colocou os óculos escuros que estavam no porta-luvas e, contrariando a rotina e as próprias expectativas, preparou-se para correr um pouco. Correu; contra o sol. O físico debilitado pelo excesso de ócio dos últimos meses.

O rapaz observava as pessoas passando, admirava o verde excessivo que breves chuvas de verão e o sol deixaram na paisagem, e sentia o pulso e a respiração ofegante. João sentiu-se vivo como poucas vezes na vida. Imaginou que se não estivesse ali naquele momento estaria em casa, sentado na frente do computador, enquanto o dia ainda existia lá fora, convidando cada cidadão do planeta a aproveitá-lo.

Os sentidos estavam aguçados. O homem dentro de si despertara... Não era mais um máquina de executar tarefas, tinha escolhas. Sentia o vento bater o corpo e o sol queimar de leve a pele. Ouvia o canto dos pássaros e conversas soltas enquanto passava. Respirava o ar quase puro da natureza.

Passou por duas garotas bonitas que caminhavam rápido e conversavam:

"... é por que mulher nenhuma fica satisfeita. As loiras querem ser morenas, as morenas ruivas..."

Já passara por elas e não ouvia mais suas vozes. Pensou: "Ser humano nenhum fica satisfeito, dona. Sempre queremos mais..."

Alguns metros a frente, um avô gritava com o neto que pedalava:

"Vai lá campeão! Tá andando direitinho."

O menino, com seus 6 anos ou mais, respondeu algo inesperado:

"Campeão, não! Meu apelido é feio! Me chama de feio!"

João olhou para trás para se certificar de que não estava alucinando. Uma criança preferindo ser chamada de feia... "Afinal", pensou, "quem nos impôs a necessidade de sermos belos, se não nós mesmos? Quem nos impôs a necessidade de ganhar? O garoto apenas subverteu os padrões. Que mal há! Sejamos todos feios, e nos alegremos!!!"

Quando fez uma curva, João teve que se deparar com o sol. O brilho intenso do astro ardia-lhe as vistas, obrigando-o a desviar levemente o olhar do horizonte. Continuou correndo por mais alguns minutos.

O dia ia ficando menos claro. A tarde já baixava e a noite começava a se insinuar. No céu, o sol já não era um ponto disforme com um brilho intenso e cegante. Via-se uma bola de fogo imensa descendo o azul, colorindo as nuvens de alaranjado e dando um matiz especial aos verdes nas gramas. João não pôde deixar de contemplar a beleza da visão. O sol estava imenso, e era belo. Já presenciara cenas tão belas assim, mas aquilo lhe pegou de surpresa. Foi inesperado.

Parou a corrida e procurou um lugar melhor para contemplar. Saiu da pista, onde já não havia muitas pessoas, e foi para o meio do parque. Subiu um pequeno morro para apreciar o fim da tarde. Uma pequena coruja sobrevoou sua cabeça quando chegou ao topo e emitiu um piado grave. João considerou um comprimento de boas-vindas, mas não respondeu. Desligou todos os pensamentos. Apenas respirava e olhava o sol descer, imenso, colorindo o céu com um tom agradável.

Percebeu que um senhor se aproximava, procurando, como ele, um bom espaço para apreciar a vista.

"Daqui se pode ver bem o pôr-do-sol, amigo" - disse João.

"Eu sei, aí é um bom lugar", - respondeu o velho, piscando. "Mas você está aí. Preciso de outro lugar".

"Belo pôr-do-sol, hein."

"É! Sem dúvida."

"Dá pra se imaginar? No meio da cidade... como é belo isso!"

O velho olhou para João com atenção. Abriu um pequeno sorriso e respirou profundamente. O rapaz se sentiu medido, avaliado. Desviou o olhar para o sol, mas percebeu que o velho continuava encarando-o. Pouco tempo depois, o velho começou a se aproximar. Não demais, mas o suficiente para João ouvi-lo sussurrar.

"Posso lhe contar um segredo?" - disse. "Segredo!", repetiu o velho, soltando uma gargalhada.

"Sim."

"Isso aqui, meu amigo, esse pôr-do-sol, essa brisa fresca... estão aqui todos os dias."

O velho deu um tapa leve no ombro de João e se foi.

João não respondeu. Não deteve o senhor. Olhou para o relógio. 19h00. Deu um último olhar para o sol que se ia pondo completamente. Antes de ir embora, perguntou-se:

"E onde eu estive?"

Um comentário:

  1. Aonde temos estado?

    Medo de, apenas quando já for tarde, realmente percebermos que nunca estivemos em lugar algum... durante todos os longos, e mal aproveitados, anos de nossas vidas...

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