terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Sobre solidão e presença

Lá estava ele, sentado sob as estrelas, molhando as calças no sereno da noite, sem se importar. Dirigiu-se para o mais longínquo ponto da fazenda de seu avô. Lá onde não existem luzes, onde os homens não se importam em chegar, e a natureza é soberana em seu reinado. Sentou-se em um vão entre as árvores. Escuro e silencioso como se estivesse em lugar nenhum. Olhou para o vasto firmamento distante e contemplou as estrelas em todo o seu esplendor.

João fugia. Sim! Esta noite, como um desesperado, um homem desamparado e covarde, João fugia de toda a realidade que o circundava, dia e noite, dia após dia... Estava cansado de procurar e não encontrar. Estava cansado de sentir emoções intensas e no final querer mais, mas sem ter tido a sensação de satisfação, de saciedade. Saciar-se. Queria saciar-se de algo, de alguma maneira, mas tudo o que lhe era apresentado o prendia de forma brutal, até lhe deixar em um estágio letárgico, necessitado de mais e de mais e de mais...

E, então, decidiu fugir.

Fugiu daquela realidade que conhecia. Realidade que, estranhamente, lhe parecia forçada e maquiada. Maquiada por mãos humanas imperfeitas que "propagandeavam" beleza e bem-estar onde só havia distração.

O céu estava coberto de pequenas luzes que João sabia terem sido emitidas a bilhões de anos atrás. "Eu... tão pequeno." Pensava. Vislumbrou em um mesmo momento duas estrelas cadentes que brilharam intensamente por um breve segundo formando um arco no céu.

"O homem foge dessa visão. O homem quer se sentir grande, e aqui se sente tão pequeno. Então ele foge e se refugia em sua própria criação, tão menor e menos imponente que a verdadeira criação." Os pensamentos voavam e sumiam como as estrelas cadentes.

Ali, distante de todo o universo pessoal criado pelos homens e por si mesmo, João sentia o triste desabrochar da solidão. No silêncio e no escuro daquela paisagem fria, desprotegido, longe do forte que construíra para sua própria segurança, João sentia uma impotência e uma insegurança esmagadoras. Temia não por sua vida, mas por sua sanidade. Era silêncio e escuridão profundos, e ele não estava acostumado a isso.

Deu-se conta de que havia fugido e se distanciado para ouvir o silêncio, para fugir da correria e das fortes emoções. Não podia voltar sem levar consigo uma experiência que valesse a pena. Decidiu ficar e encarar os seus temores. Queria se acostumar ao silêncio, então calou-se e tentou diminuir o ruído da respiração.

Os pensamentos iam soltos. Pensava em como contaria a seus colegas sobre essa experiência; em todas as coisas que poderiam acontecer ali naquela noite escura; lembrou-se por um tempo de sua ex-namorada, com quem gostaria de ter partilhado um pouco mais de si, com quem gostaria de ter passado momentos de simples silêncio e troca de olhares. "É o ritmo frenético dos dias. Eu me assustava tanto em pensar em momentos de silêncio com ela. Achava que faltar assunto, com qualquer pessoa que fosse, era sinal de desinteresse, ou de falta de papo. Quanta besteira. O silêncio aproxima as pessoas, o silêncio nos faz partilhar o coração. Quantas vezes não nos protegemos e criamos máscaras com as palavras... O silêncio nos faz abaixar a guarda."

E os pensamentos se iam. De um lado para o outro, pulando de galho em galho. E os minutos passavam, e a solidão era sentida. Cada vez maior.

"Estranha sensação. Estranha solidão. Não como aquela que sentimos mesmo quando estamos rodeados por pessoas. Solidão triste aquela. Dá a sensação de que há uma parte de nós que nunca é compartilhada. Faz-me pensar que no fundo, todos somos solitários, todos estamos sozinhos, cada um por si, por que nunca seremos capazes de nos abrir por inteiro a ninguém. Por que há algum lugar em nós que é incapaz de se doar, e há algo nos outros que somos totalmente incapazes de alcançar. Mesmo marido e mulher, mesmo mãe e filha. Há um lugar em que nem mesmo nós alcançamos. Ali mora a solidão profunda."

João permaneceu assim por algum tempo. A noite ia longe, o frio aumentava e seu corpo já estava cansado de estar sentado; as costas doíam e a perna adormecia. Levantou-se e deu uma pequena volta. Sentiu o aperto no peito ao se perceber mais uma vez sozinho... Segundos antes pensava tão vivamente em tantos assuntos que não aproveitara, nem percebera, a falta de alguém. Decidiu silenciar o próprio coração. Decidiu silenciar os próprios pensamentos. Deitou-se na relva molhada e gelada, olhando para o firmamento.

Pensamentos continuavam assaltando a mente de João, mas agora a solidão e a ausência eram mais palpáveis. Estava só consigo mesmo. Entrava nas entranhas de seu próprio ser, vez ou outro afastado de si por preocupações e pensamentos vãos. Esforçou-se por continuar o exercício a que se propora. Afastava cada pensamento, cada preocupação. Esvaziava aos poucos a mente.

A luta travada durava já vários minutos. Em alguns momentos adentrava no próprio silêncio de forma profunda e amedrontadora. Encontrava em si lugares e sensações desconhecidas e silenciadas pelo dia-a-dia. Voltava à superfície de si quando algum inseto desviava sua atenção, mas voltar ao estado anterior se tornava cada vez mais fácil, como se tivesse que percorrer um caminho outrora pedregoso e perigoso, mas agora já aplainado.

Adentrou no mais profundo do seu ser. A noite era só silêncio e as estrelas refletiam em seus olhos fazendo-os brilhar lindamente.

Solidão. Aproximava-se de um abismo escuro e profundo que nunca vislumbrara em si. Chegara a lugares onde nunca estivera e que o repugnavam de tanto mistério. Sentia ali uma solidão imensa e perturbadora. Jamais seria capaz de partilhar aquela parte de si: era muito profunda, era muito EU para poder ser entregue e explicada a um VOCÊ. Era uma parte de si onde morava apenas a solidão, apenas o SER e não a RELAÇÃO.

João contemplou aquele lugar, que não era um lugar, mas uma sensação, uma parte perdida de um todo que aparentemente estava completo. Era bem complexo assim.

Alcançou finalmente o completo silêncio do Ser e da Alma.

...
...


Silêncio.

...
...

E ali, na presença de uma completa ausência, João permaneceu por muitos minutos. Estava absorto em uma tristeza profunda e sem limites. A solidão das solidões. Uma amargura súbita e um esmagar do coração atingiram-lhe. Um choro incontido rompeu a barreira de seus olhos, e lágrimas foram despejadas pelo solo verde. Era um pranto amargo de quem descobria a total ausência de um ser. Uma tristeza pesada. Um choro ácido.

Chorou.

E ali, na ausência de qualquer presença aparente, João finalmente pôde sentir. Suave e forte, tímido e imponente... João encontrara finalmente o que procurava, sem nem mesmo ter buscado. A tristeza se transformou em júbilo - não uma histeria eufórica de um carnaval ou de uma embriaguez -; o júbilo indescritível de quem encontra a razão de uma vida toda.

No mais profundo de seu ser, no mais íntimo de si, onde não há ser humano que possa chegar, partilhar, alcançar... Ali, onde todo ser humano é o que é e nada mais; onde não há máscaras; onde só há a sua dignidade e nada mais; ali onde há a total aparente solidão, paradoxalmente, João pôde sentir: uma doce e suave presença. Mesmo ali, onde só havia solidão, havia uma presença: A Presença!

Um comentário:

  1. Ahhh!!! Mtooo lindo!!!
    E emocionante!!! ;)
    Especialmente o último parágrafo!!! =)
    ADOREI!!!
    bjo

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