segunda-feira, 1 de junho de 2009

Sobre uma folha em branco

Lá estava João, ao final de mais um semestre cansativo, cheio de provas e aborrecimentos, cheio de vontades frustradas e alegrias passageiras. Lá estava João, em frente a sua última prova da última matéria do último semestre da faculdade.

Quem olhasse, nesse momento, dentro dos olhos de João enxergaria um profundo abismo escuro, silencioso, vazio. Não havia vontade, nem ânimo... só o cansaço. João olhava para a prova como olharia para uma lagarta rastejando sobre um pedaço de madeira: sem nenhuma paixão, sem nenhuma expectativa em relação a qualquer coisa que tivesse a ver com a sua vida. Mais uma prova que supostamente avaliaria seus conhecimentos, mais uma prova que nada mudaria em sua vida.

E o tempo passava, enquanto João decidia por fazer ou não fazer a bendita prova.

Acontece que ele já estava aprovado na matéria. Estava ali lutando por uma nota um pouco mais alta apenas. Nada que mudaria seu currículo escolar, nada que afetaria seu senso de êxito ou fracasso pelo curso que fizera. Mas ele não conseguia se desprender da cadeira deixando tudo em branco. Mas também não conseguia escrever devido ao profundo desânimo.

Pela milésima vez pegou a prova em mãos. Virou a primeira página com as questões e deitou a folha para respostas (uma folha em branco) sobre a carteira.

Lá estava João, com uma folha completamente em branco, imaculada, à sua frente, esperando por receber a tinta da caneta que repousava em sua mão que traria todo o conhecimento e crescimento que tivera nesse último semestre.

Uma folha em branco. Completamente em branco. Onde poderiam ser escritas coisas fantásticas, histórias belíssimas, frases motivadoras, obras-primas de arte. Mas João teria que gastá-la com respostas tolas e frívolas que seriam friamente analisadas por um professor desalmado tão ou mais cansado que ele e que muito pouco ou nada estaria se importando com as respostas.

Uma folha em branco que poderia conter todo o mundo... ou nada. Só dependia de João decidir o que conteria ali. A escolha era sua e o poder de escrever estava em suas mãos apenas. As respostas estavam no livro, ele sabia exatamente onde, e elas continuariam ali. Mas a sua indignação e a vontade descomunal de fazer diferente passaria e não seria jamais lembrada.

Ele tinha uma escolha a fazer.

E ele a fez.

Na folha que outrora fora branca, hoje existe um belo poema vindo de um coração que arriscou e desafiou a razão com sua arte. A folha está emoldurada na parede do quarto de um professor...

Querido professor,
Hoje fiz uma escolha,
sem peso e sem dor.
Entre tantas opções,
entre tantas precauções,
decidi deixar de lado
a razão e o temor.

Nesta folha em que olhas
deveria haver respostas,
mas desculpe, só há prosa
em forma de versos e lições.

É que olhei para esta folha
e enxerguei a minha vida.
Vi um tanto assim de vida
e de possibilidades.
(Quanta possibilidade)

Eu as vi sendo pintadas,
por mãos livres talentosas,
Vi também belas palavras
que formavam um belo conto.

Poderiam elas conter
aventuras e canções.
Poderiam ser usadas,
ou melhor, aproveitadas
para chegar aos corações.

No entanto, professor,
há quem peça que eu as rasgue
que eu as queime, que eu as gaste
sem sentimento, e inutilmente
escreva coisas que irão
servir para ninguém.

Desculpe-me a petulância,
caro mestre e doutor,
mas hoje, aqui,
não vi uma prova.

Eu vi sim minha própria vida
Toda em branco, a ser vivida.
E provar pra mim teria
que capaz de escolher sou.
Escolher entre o que quero
e o que pedem que eu seja.

Entre tantas possibilidades
uma escolha eu tomei:
transformei a folha em branco
em uma arriscada tentativa
de mudar a minha vida
arriscando ser mais eu.

E que pena que o fiz
já aprovado e sem risco:
tudo está sob controle
nenhum mal eu me trarei.

Mas que em minha vida mesmo
eu não tema em arriscar,
eu não tema em minha folha
desenhar, escrever, enfim,
fazer a minha escolha e nada mais.

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