quarta-feira, 11 de março de 2009

Sobre uma ciência...

Na delegacia de polícia.

- Então, o senhor me diz que o fez por legítima defesa, é isso? - perguntou o delegado.
- Sim, senhor - respondeu o réu, um homem bem trajado, boa aparência, com pinta de experiente.
- O senhor estava com uma arma na mão, o homem veio correndo em sua direção com uma faca... e você deu um tiro certeiro em sua cabeça, não é?
- Exatamente, senhor.
- E você o fez por legítima defesa.
- Sim, senhor.

O delegado deu uma breve volta na frente do acusado, antes de dirigir-lhe novamente a palavra.

- Você não pensou em correr?
- Não, senhor. O homem era muito rápido.
- Hm... E não havia outra alternativa?
- Não enxergo outra alternativa, senhor.
- Nem agora? Digo... se você tivesse dias para pensar, antes que o homem te alcançasse, ou se soubesse que ele iria te surpreender em algum momento, você não encontraria outra alternativa?
- Não, senhor. Repito que não enxergo outra alternativa.

Mais um minuto de silêncio. Mais uma volta do delegado. O acusado permanecia sentado, calmo.

- Você tinha uma arma. Ele tinha uma faca. Você deu um tiro na cabeça. Na cabeça, repetiu o delegado.

O acusado permaneceu calado.

- Você não poderia atirar, sei lá, no joelho? Ele cairia e você sairia correndo...
- Pensei nisso, senhor. Mas... eu poderia errar e ele poderia me alcançar...
- Um minuto - interrompeu o delegado. - Deixa eu tentar entender. Você pensou em acertar o joelho, teve medo de errar, então pensou em acertar a cabeça, e acertou!!! - a última palavra do delegado foi quase gritada.
- Sim, senhor - repetiu desconcertado o acusado.
- Me parece que você é um atirador competente. Por que teve medo de errar?
- Olha, seu delegado... - o homem começou a falar. Calou-se e repensou as palavras - Ainda que eu acertasse o joelho dele, ele poderia acabar sangrando até a morte... não haveria ninguém para ajudá-lo depois... e mesmo que ele sobrevivesse, o cara ia ficar sem uma perna pra sempre.
- Homem!!! - desta vez o delegado gritou - Para não deixá-lo sangrando, o que poderia levá-lo à morte, você atirou na cabeça do cara e matou ele de vez!?!?! Pra não deixá-lo sem uma perna você o deixou sem vida?!?!?!

O acusado apenas abaixou a cabeça, mas não havia arrependimento em seu olhar. O delegado andava de um lado para o outro, colocando as mãos sobre a cabeça e respirando forte.

- Além disso - disse o acusado, para se defender -, eu fui surpreendido. O homem já estava muito próximo de mim e ainda que eu acertasse o joelho dele, ele poderia acabar me matando mesmo assim. Sei lá, talvez jogasse a faca ou talvez caísse em cima de mim, cravando a faca no meu peito...
- Ele poderia... Talvez... Talvez... Em vez de dar o benefício da dúvida, você apenas atirou...
- Olha, foi de repente - disse, ofegante, o acusado. Eu não senti que tinha tempo. Quando vi o cara chegando com a faca na mão, parece que tudo ficou meio escuro, entende? Eu não consegui distinguir minha ações, minhas emoções. Eu mirei, fechei o olho e atirei...

O delegado finalmente parou. Aproximou-se da mesa onde estava o acusado. Olhou com ar piedoso para ele e recapitulou a história:

- Foi de repente. O homem veio com uma faca na mão. Tudo ficou escuro em sua mente, porque você ficou nervoso, sem saber o que fazer. Então fechou os olhos e atirou. Você tem certeza de que esse homem queria te acertar? Digo, foi tudo tão de repente. Como você percebeu que ele corria em sua direção pra te acertar?

O acusado respirou fundo.

- Ele não queria me acertar, ...
- Então ele era inocente? - interrompeu perplexo o delegado.
- ... mas ia acabar me acertando...
- ...
- ... a menos...
- A menos que você tomasse qualquer uma das atitudes que discutimos agora pouco - completou o delegado, antes que o acusado continuasse.

Calaram-se.

- Qualquer outra atitude seria incerta.
- Sim - concordou o delegado -. E você preferiu escolher o certo errado pelo incerto certo.
- ...
- Só mais uma pergunta antes de terminarmos - disse o delegado com a mão na maçaneta, prestes a abrir a porta.
- À vontade.
- Você sabe a identidade do homem que matou?
- Sei - respondeu baixo o acusado.
- Você sabia na hora em que atirou?
- Sabia - sua voz saiu embargada.
- Muito bem. Você está dispensado.

O acusado levantou-se e caminhou até a porta. Antes que saísse, o delegado disse uma última palavra:
- Ah, estão te esperando no IML para assinar os papéis e identificar o corpo.
- Eu tenho mesmo que ir?
- Sim, tem. Você era o único responsável por ele.

O delegado abriu a porta. O acusado saiu.

6 comentários:

  1. Não sei se é sobre o texto que escrevi!
    Mas se for ... é uma analogia bonita, sincera, que faz sentido, mas na minha opinião, totalmente inválida e ainda induz a pessoa que lê a fazer uma escolha diferente, vendo por um ângulo diferente, com aspectos totalmente distintos. Se for necessário discutir um assunto complexo desses evite linceças poéticas e analogias desse tipo. Acretido que seja a forma correta de fazê-lo.

    Mas isso se tiver relacionado com meu texto, logicamente.

    Abraços.

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  2. Acho inválido tb...
    Mas acho válido...kkkk
    são situações muito distintas...
    Mas se eu tivesse muito tempo pra pensar ou pouco...tanto faz, eu, em qualquer hipotese, escolheria a vida de um filho...isso pq eu não tenho um... e certamente não tenho 9 anos. Então não sei se isso conta.
    Acho que vc pode escrever poeticamente... cada um usa seu dom pra dizer o q quer.

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  3. A poética me é dada para ser utilizada e a gravidade do caso, do assunto, do fato é apenas um motivo para um conclave, seja literário ou não.

    Agora, saber se tem ou não algum tipo de validade sobre o abordado torna-se pessoal devido à subjetividade.

    Qual a estranha frustração que sinto em não poder fazer da minha opinião universal, e quando digo universal, não simplesmente ouvida e aceita, mas vivida e tomada por todos. Egoísta.

    Por consequência, sou vítima de um perigoso efeito: o relativismo. Salve-se quem QUISER!

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  4. Devido a natureza poética do texto, em que o conteúdo é modificado para que a forma, a subjetividade sejam privilegiadas, resultando em uma idéia distorcida porém poética do assunto abordado, realmente não considero válido pra a análise do caso em questão.
    E se deseja que sua opinião seja universal, um texto com uma análise direta e mais objetiva, defendendo de forma clara o seu ponto de vista, ou um texto, mesmo que poético, porém sem a analogia do texto anterior, seria o mais adequado ao caso.

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  5. ???
    A conversa ta mt complexa pra mim..
    Mas gostei mt do teto e acredito sim q vale a analogia...

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  6. Achei bom o texto, embora alguns fatos tenham sido de difícil entendimento devido a natureza poética (como disse o Biel), como o pq o filho ia em direção ao pai com uma faca? No entanto, acho que analogias para explicar temas polêmicos como o aborto são válidas porque podem nos ajudar a ilustrar melhor o problema em questão. Muitas vezes pessoas não vêem problema no aborto porque apesa de achar que existe vida no feto, não a comparam com a vida de uma pessoa que já nasceu, e já tem 10, 16 anos ou o que for. Podem pensar que o feto não sente, ou não tem consciência e isso pode tranquilizar a consciência da pessoa de uma forma errônea, no meu ponto de vista.

    A analogia, no meu ponto de vista, da essa auxilio ao nosso entendimento do problema.

    Apoio o seu texto Miguel

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