quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Sobre caminhar

Abriu os olhos. O corpo doído e cansado clamou por permanecer na cama por mais longos minutos, horas. Lutou contra a vontade do corpo e se levantou, vencendo-se a si mesmo já no primeiro instante do dia. Ao se levantar, percebeu-se em um lugar diferente, misterioso.

Era noite e o vento uivava forte, congelando-lhe a face, o corpo e o pensamento. O terreno era pedregoso, com pequenos declives que atrapalhavam o andar e deixavam-lhe inseguro em seguir em frente. Vez ou outra, vislumbrava uma árvore ou uma grande pedra em sua frente e desviava o caminho. Caminhar olhando para frente era perigoso, pois podia tropeçar. Caminhar olhando para o chão dava-lhe o risco de acertar a cabeça em algum lugar.

Seguia em frente, assim, olhando para o chão e para frente, para o chão e para frente, cuidadosa e lentamente. À medida em que avançava, o dia começou a raiar, alaranjado e belo, e o vento impetuoso se transformou em brisa leve e sossegada.

Percebeu-se amadurecido em seu caminhar. Já não era tão inseguro e o terreno, de tanto seguir em frente, tornou-se mais leve e plano, e macio e delicado. Caminhava a passos firmes, fitando o horizonte distante que se aproximava a cada monte que começava a subir, para então se distanciar imenso, infindo no longínquo distar que, ao subir o monte, agora se revelava. E o horizonte se punha longe, até ser de novo alcançado. E novamente, longe... E caminhar, estranhamente, dava-lhe cada vez mais forças de caminhar. E o ar que respirava era puro e revigorante.

Caminhou assim por mais muitos dias. O incansável, que se cansava deveras, mas que continuava a caminhar.

E assim seguiu, até que a leve brisa que por dias o aconchegava, transformou-se novamente em vento forte, mas agora quente e violento. Acertando-lhe com grãos de areias que vinham do deserto à frente. E a grama transformou-se em areia. E o sol rachava-lhe a cabeça e lhe ardia o corpo inteiro. E olhar pra frente era impossível devido ao vento. E caminhar era cansativo e doloroso. E a vontade de desistir e se deixar jogado ali mesmo era terrível e angustiante. E o pensamento da morte lhe assaltava a cada instante. E no horizonte só se via areia e mais areia. E à noite, o frio era congelante e sofrível e desesperador.

E a sede era tamanha. E a sede era tamanha!

E a presença que sempre sentira ao seu lado, fazia-se ausente. Mas a Esperança o impelia. E a paz que já sentira, e os caminhos que percorrera, lembravam-lhe que vale a pena caminhar. E o caminheiro caminhou, com pernas doídas, mas caminhou.

E, seguindo sempre em frente, depois de longo sofrimento e ausência, sentiu que o ar trazia novos ventos. E aquilo o acalmou. Era novamente brisa. E agora fresca, e úmida. E o som do marulhar atingiu seus ouvidos, dando-lhe alegria. Alegria! E ele sorria. E caminhar era novamente prazeroso. E, ao subir um último monte, avistou o oceano, imenso, majestoso, grandioso. E correu ao seu encontro. E nele entrou, e dele retirou novas forças. E descansou suas pernas. E encontrou um pequeno bote, onde entrou. Ergueu velas e se deixou guiar.

O vento, que lhe acompanhava desde o início, lhe impeliu para águas profundas. O sol era suave, as noites eram amenas. O mar era calmo, sereno. E o horizonte nunca se aproximava. E a terra ficou para trás, muito para trás, até se perder de vista e um pouco mais, e mais um pouco.

E para todo o lado era apenas o mar, e o horizonte e o vento a lhe levar.

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