segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Sobre calma

Loucos, ele diria, loucos.

Rodrigo desceu correndo as escadas do prédio, sem paciência para esperar o elevador. Saiu pela portaria esbarrando no síndico sem pedir desculpas. Entrou em seu carro e começou a dirigir nervosamente para lugar algum. Pensava e repensava. Ponderava todas as coisas que vira e ouvira. Não conseguia ordenar os pensamentos, não conseguia retomar a calma e tranqüilidade que lhe eram tão particulares. Respirava e inspirava profundamente na esperança de se acalmar, mas nada resolvia.

Se ele não podia se acalmar sozinho, precisaria de algo que lhe ajudasse. Reconduziu o carro para o Parque da Cidade, onde poderia buscar um local isolado e silenciado, para isolar-se e silenciar-se. Silenciar-se, exterior e interiormente, era do que precisava. Saíra correndo de casa para não tomar nenhuma atitude drástica, pois sabia que nas horas de nervosismo e frustração era capaz de fazer grandes besteiras. Nesses momentos, era preciso retomar a paz do coração antes de fazer qualquer coisa.

Chegou ao parque e estacionou o carro embaixo de uma mangueira carregada de mangas meio verdes, meio maduras. O céu nublado prenunciava uma possível chuva de verão, rápida e passageira. Desceu do carro sem o guarda-chuva esperando que de fato chovesse e ele pudesse refrescar o corpo e as ideias no silêncio sagrado das águas caindo. Poucas pessoas caminhavam naquele dia, Brasília já estava de férias e muitos já haviam viajado para encontrar suas famílias em outras cidades ou apenas passar as festas de fim de ano em outro lugar. Rodrigo observava a pouca movimentação e caminhava lentamente com pensamentos soltos ao vento. Passou por algumas senhoras que conversavam alto; um senhor de idade com físico invejável e fôlego de jovem; crianças pedalando velozmente e garotas conversando sobre qualquer futilidade. A vida seguia normalmente. O mundo era indiferente à sua angústia.

“Louco”, pensou, “talvez eu seja o louco”. Continuou procurando o lugar isolado que desejava. Encontrou-o perto do laguinho, num pequeno bosque com árvores altas. Desejou subir em uma delas, e foi o que fez. Como criança que descobre o mundo vivendo aventuras sempre novas, subiu de galho em galho até uma altura de seis ou sete metros, não sabia ao certo. Lembrou-se da infância, do quanto o mundo era simples, do quanto a vida era boa e sem complicações. Deixou-se deitar em um galho maior e arriscou encostar a cabeça e fechar os olhos. Uma pequena vertigem e tontura o atingiram, mas ele sabia que o mundo só girava em sua cabeça. E como o mundo girava em sua cabeça! Girava rápido.

Conteve-se. Não abriu os olhos e, enquanto a vertigem crescia e crescia, começou a cantar uma música para acalmar-se. Cantava baixo somente para si e ouvia sua voz rouca e engasgada saindo da garganta guturalmente. A canção embalou um sono, o sono transformou-se em sonho e no sonho ele voava, e voando encontrava as nuvens, que não eram feitas de algodão, mas de uma névoa rala e fresca que se dissolvia tão logo ele passava a mão sobre ela. Quando respirava, o ar gelado incendiava-lhe todo o pulmão e do pulmão todo o sangue. Sentia-se interiormente vivo. Sentia seu interior e percebia que era muito mais do que aquilo que lhe acontecia exteriormente.

E, nunca soube como, acordou em pé, na porta de sua casa, de coração aberto e aliviado, pronto para refazer os laços que se perderam.

Um comentário:

  1. senti a mesma vertigem do rodrigo ao ler as palavras desse texto...
    ass: avatar

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