quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Sobre uma volta

Passos!

Curtos!

Rápidos! Passos rápidos! Cada vez mais RÁPIDOS!

A paisagem passa velozmente, como passa a vida de uma criança que brinca. As árvores viram borrões verdes saídos de uma tela impressionista.

O ar frio bate em seu rosto, dando-lhe vida. Vida! VIDA!

Ele se regozija com o frio e a leve chuva da manhã. Seu corpo molhado e ofegante corre, apenas corre. Enquanto houver fôlego correrá e deixará para trás a casa, o trabalho, as preocupações.

Apenas corre. E correndo se cansa, deixando o físico exausto, mas a mente livre. Cada vez mais livre! LIVRE!

E a mente viaja, se recorda, se projeta no futuro e se prepara para dar o salto - o grande salto.

E ele sonha acordado, sonha correndo. SONHA!

Ouve os passos molhados, espirrando pequenas poças de água recém chegadas ao solo. Mantém o ritmo constante. Ouve a música dos passos e da chuva indo contra seu peito. Ouve os galhos se batendo, e as folhas balançando. Tudo é música enquanto ele corre. E a paisagem, apenas um quadro em movimento.

O sol se esconde atrás das nuvens, e não há um raio sequer para aquecê-lo. Nuvens cinzas, prometem um longo dia frio e meio. O corpo esquenta a cada passo e se esfria a cada vento. Gotas preenchem sua face, esfriando o rubor da vergonha e do medo. MEDO!

É por isso que ele corre. É por isso que não olha para trás. É por isso que enfrenta o frio, a chuva e o cansaço. Ele foge. Do medo. Da solidão. Apenas FOGE!

Foge de tudo o que conquistou, por que não era o que precisava. Foge de tudo o que criou, por que percebeu que nada existiu. Foge de si, por que no caminho se perdeu, e se transformou em quem não é. Foge do medo, da insegurança, da incerteza do amanhã.

E corre. Corre atrás de uma nova vida. Da velha vida. Da vida que era sua, antes de perdê-la. Da vida que esqueceu de viver, do silêncio que esqueceu de ouvir, do beijo que não deu em quem amava, do abraço, da tranquilidade após um dia agitado, da esperança de dias melhores, pois era o que o movia pra frente. Era o que o fazia correr... ESPERANÇA!

Corre atrás daquilo que perdeu e que não pode mais ser reposto. Corre! Corre! CORRE!

Num dia cinza, num dia meio, com chuva e frio, ele se levantou disposto a voltar e agora corre para casa, que é o coração daqueles que o amam. Corre... Corre... Abre os braços e sorri... Corre... Sorri... A chuva molha o rosto, e o coração o guia de volta, pra casa.

Enquanto corre, a chuva acaba. O ar se esquenta, mas ele não pára. Ele corre, e a chuva escorre pelo asfalto. Ele chora e sorri. Aos poucos as nuvens se dissipam, ele se aproxima. Ofegante, não desiste. Maltrapilho, rasgado, ele corre...

Atrás do monte, surge o sol, livre de nuvens. Esquenta-o, afaga-o. Ilumina o caminho da volta. Liberta-o. As gotas de chuva secam de sua face, mas sobram as lágrimas. Amargas, sinceras. LÁGRIMAS!

Os olhos vêem, longe... ainda longe... a casa... bem longe e pequena. AS lágrimas correm, escorrem, largamente. O sonho e a esperança se fazem presente. PRESENTE!

Abre os braços, respira fundo, ainda correndo... exausto.

Vê ao longe, a casa. A porta abre. Alguém o espera... Espera ansiosa. Eterna espera. ESPERANÇA!

Reconhece. O coração se alegra, o coração sangrado... O coração humilhado... ao longe vê sua redenção.

E se aproxima, ainda correndo. E o sol é forte. E o dia é um todo. Inteiro.

E não tão longe, aquele que a porta abriu também corre. E vai haver...

E ele cansa... o peito dói... mas não desiste... agora anda... e se aproximam...

Se aproximam... se aproximam... ofegantes...

Cansado, sem forças, tomba-se... cai, sem forças. Chora...

Chora, mas levanta-se e vê... próximo, cada vez mais próximo. De braços abertos... e vai haver... o grande encontro.

E ele dá o grande salto. De braços abertos. O abraço. O sublime... PERDÃO.

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